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[CAB] MULHER É RESISTÊNCIA NA LUTA POR VIDA DIGNA!

Pubicado originalmente em https://anarquismo.noblogs.org/arquivos/1245

MULHER É RESISTÊNCIA NA LUTA POR VIDA DIGNA!

Entra ano, sai ano, e as condições das mulheres seguem ao descaso pelos de cima. No contexto atual, com um governo federal de extrema-direita, que destila ódio pelas “minorias históricas” e leva a cabo medidas de miséria, absurdos conservadores, perseguições e sucateamento da máquina pública, não nos faltam motivos pra seguir lutando e construindo a dignidade de nossa gente, pela esquerda e desde baixo. O Brasil é um país com dimensões continentais, que sofre ataques da mais suja corja da política institucional por todo o território, além de estar sujeito aos dissabores e desmandos de um judiciário racista, misógino, elitista e meritocrata. 

A América Latina é a região mais desigual do planeta (1), consequência direta de nosso passado colonial, em que a desigualdade tem gênero e raça. O projeto imperial baseado na escravização de populações indígenas e negras, no modelo colonial de família, do homem branco heterossexualformata o sistema no qual tudo passa a ser uma moeda econômica. A exploração econômica baseada na distribuição desigual da terra, no saque e na devastação de recursos naturais, na urbanização desordenada, num sistema desigual de arrecadação de impostos (que tributa o consumo e não a renda ou propriedade) e que muito pouco reverte em serviços para as populações, são fatores que estruturam a desigualdade do nosso povo.

Em nosso continente, os 10% mais ricos concentram uma parcela maior da renda e os 40% mais pobres recebem a menor fatia do que em qualquer outra região do mundo. A consequência é uma diferença profunda nos índices de expectativa e qualidade de vida e no acesso aos direitos mais básicos como educação, saúde, moradia, emprego e recursos.

Como reação, por toda a nossa América Latina, vimos a revolta popular acontecer no último período e sabemos que o que leva o povo pra rua é o alto custo de viver, a vida cara e violenta para quem mais luta e batalha todos os dias. É a insegurança no trabalho, a privatização dos bens comuns, a falta de moradia, saúde e educação, é o preço de se alimentar bem, do transporte coletivo, a violência desmedida aplicada pelo Estado contra quem vai às ruas para se manifestar; é a luta pela recuperação e demarcação de territórios ancestrais. Pelas ruas do Haiti, Equador, Chile se viu a mobilização de um povo forte e diverso, em que os movimentos de mulheres, assembleias populares e povos originários organizados tiveram o protagonismo das reivindicações da classe oprimida.

 

MULHER É RESISTÊNCIA NA LUTA CONTRA O DESEMPREGO

  Dados recentes do IBGE(2) apontam que, apesar de representar 52,4% da população em idade de trabalhar, o grupo feminino responde por mais da metade do nível de desocupação. No recorte por idade, gênero e cor, jovens mulheres negras são as mais prejudicadas pelo desemprego. Essas taxas foram observadas em todas as grandes regiões. As populações negras apresentam dados de que, ainda que busquem mais por emprego (algumas chegam a esperar dois anos nas filas de vagas), têm percentual de desocupação superior à população branca em aproximadamente dois terços. As recentes Reformas Trabalhista, da Previdência e Carteira Verde Amarela, que dificultam o acesso a possibilidades de trabalho e nos condenam a trabalhar até morrer, são medidas antipopulares de aprofundamento da política neoliberal, pois “facilitam” para os empresários e retiram cada vez mais direitos do povo que busca uma forma de sustento. Esses pontos tratam apenas do trabalho formal e são um sinal de que nem a informalidade está dando conta de absorver as pessoas que perdem o trabalho, quando a precarização é forte – dentro da categoria de desemprego,  existem até as pessoas que não se julgam aptas a trabalhar e por isso desistem de procurar emprego, fazendo o que podem para sobreviver. Nós mulheres também somos maioria  em empregos informais(3), terceirizados, mal-remunerados e com escassa proteção dos direitos. Somos milhões de diaristas, manicures, ambulantes, motoristas de aplicativo, entregadoras, faxineiras. Com longas jornadas de trabalho, duplas e triplas jornadas e nenhuma proteção social. Sem contar o avanço conservador, que planta a semente do ódio de gênero nas mentalidades empreendedoras e difunde que “não vale a pena contratar mulheres, pois elas engravidam e têm que tirar licença maternidade remunerada”. Em resumo: a mulher tem que ser dona de casa, tem que ter filhos e ficar em casa cuidando para que o marido possa trabalhar e prover a casa – a fotografia de uma família “de bem”. 

 

MULHER É RESISTÊNCIA NA LUTA CONTRA A VIOLÊNCIA

Em 2019, o IPEA publicou o Atlas da Violência(4), que traz dados sobre o aumento de casos de feminicídio nos estados brasileiros. Como se não fosse o suficiente, também há dados de que 60% das mulheres que vivem com seus companheiros sofrem violência doméstica, sendo 10% com casos de violência agravada. Ser mulher é ter que resistir até dentro de casa, quando o Estado legitima como crimes passionais assassinatos que não têm nada além de ódio de gênero.

Além da violência que sofremos dentro de casa, também enfrentamos a violência organizada de Estado que nos atinge seja pela ausência de serviços públicos de qualidade, seja pela mão armada de forças treinadas da PM e do Exército. Aqui fazemos memória ao assassinato de Marielle Franco, mais uma ação orquestrada entre tantas para dizimar o povo negro e pobre e para enviar um recado a todas e todos que se colocam contra o massacre desenfreado promovido nas periferias.

Se, por um lado, sofremos e vemos nossas conhecidas, amigas, irmãs, mães, filhas e vizinhas sendo submetidas a violências físicas, psicológicas e políticas cotidianamente, temos que ressaltar também o crescimento da solidariedade, dos olhares mais atenciosos a nós mesmas, que se reproduzem cada vez mais nas escolas, comunidades, universidades e sindicatos. União por meio de assembleias, espaços para denúncias, acolhimento e autocuidado, grupos que se preocupam com as necessidades básicas do lar das mulheres de baixo.

Rechaçamos os discursos tradicionais e conservadores dos poderosos e da mídia manipuladora de padrões que buscam proteger os valores familiares tradicionais, reforçando o modelo patriarcal!

MULHER É RESISTÊNCIA NA LUTA PELO ACESSO À SAÚDE

Os cuidados com a saúde também costumam ser relegados às mulheres, que cuidam de si e de familiares e dependentes. Começando pela alimentação, que é a chave da boa saúde, passando pelos cuidados com a higiene diária e, nos casos extremoschegando aos cuidados de pessoas acamadas e que necessitam de gestão da medicação e repouso, lá estão as mulheres da comunidade, batalhando pela integridade da vida.

Os planos de saúde no Brasil e na América Latina são considerados artigos de luxo para quem pode pagar. Gastos basais de manutenção de um plano podem chegar a 46% da renda de uma família(5), sem contar o gasto com medicamentos. O Sistema Único de Saúde – modelo exclusivo no Brasil – é a mão estendida para quem não tem como arcar com a saúde privada. Ainda que sofrendo ataques de desmonte cada vez mais, como fechamento de postos, demissão de funcionários/as, cortes na compra de materiais e medicamentos, atrasos nos salários, o SUS é a forma que o povo tem para acessar a saúde e o bem-estar.

No Chile, sonho econômico dos poderosos do andar de cima, a saúde é privada, caríssima e… precária! Os postos estão sempre cheios, os quadros não melhoram e os pacientes ainda têm que pagar pelo serviço prestado. Afundam-se em dívidas impagáveis, sendo que muitos/as idosos/as, já cansados de trabalhar e sem esperança de seguir vivendo de maneira digna, cometem suicídio(6).

A vida cara para o povo brasileiro afeta ainda mais as mulheres negras e periféricas, que resistem também ao racismo institucional e às políticas de branqueamento – desde os direitos reprodutivos até tratamentos especializados. E por falar em direitos reprodutivos, o caráter nefasto do governo atual sugere explicitamente a esterilização forçada em massa de mulheres negras ou em situação de rua, com a alegação absurda de que “a esterilização de pobres e miseráveis é um recurso necessário para o combater miséria e crime”(7) e (8). Ou seja, essa é a política pública defendida para as mulheres de baixo, ao invés de saúde e educação. Do outro lado, o puritanismo conservador do Estado faz questão de retirar a autonomia dos corpos femininos, dificultando a implementação do aborto seguro, minando ideologicamente a possibilidade do debate(9)por meio de argumentos falaciosos e de viés religioso(10).

MULHER É RESISTÊNCIA NA LUTA PELA EDUCAÇÃO

O acesso à educação e uma formação de qualidade ainda é uma realidade distante para muitas mulheres. A educação sexual e de gênero, que levamos como pauta nas lutas, foi retirada do PNE (Plano Nacional de Educação), assim como da nova BNCC (Base Nacional Comum Curricular). Enquanto isso, pelo menos 184 mil casos de violência sexual contra crianças e adolescentes foram registrados entre 2011 e 2017, de acordo com boletim epidemiológico do Ministério da Saúde. Ainda, núltimo dado do Ministério da Saúde, consta que 72% das pessoas que sofrem violência sexual são menores, sendo que 18% são menores de 5 anos. Nós, mulheres latinoamericanas que nos levantamos pelo direito de decidir sobre nossos corpos, gritamos “educação sexual para decidir, anticonceptivos para não abortar, aborto legal e seguro para não morrer”.

Não nos restringimos somente ao aborto quando falamos em educação sexual e de gênero, mas também sobre proteção, saúde, autocuidado e cuidado com o outro. Além disso, entendemos também que a discussão é uma ferramenta para que nós, meninas e mulheres, possamos identificar as diversas violências que sofremos ao longo de nossas vidas, assim como as desigualdades que nos atravessam. Como se não bastassem esses ataques, o que o governo propõe como “educação sexual” é uma campanha ridícula e fundamentalista pautada na abstinência sexual.

Sobre os últimos números da taxa de escolaridade, muitos  setores liberais e progressistas comemoraram o aumento da escolaridade de nós mulheres em relação aos homens. Todavia, ainda temos jornadas duplas e até triplas, fator que se agrava mais em relação às mulheres negras. Mesmo assim, nos instruindo por conta própria e com outras companheiras, enfrentando casos de assédio nos locais em que estamos, resistimos e avançamos.

As mulheres também são resistência na Educação Básica brasileira. Com mais de 2,2 milhões de profissionais pelo Brasil, 80% da rede é constituído por mulheres (dados do Censo Escolar da Rede Básica, INEP). As mulheres são a maioria na categoria de professores, assim como também são a maioria de trabalhadores da limpeza e merenda escolar. Nesse sentido, são essas mulheres que têm enfrentado diretamente a precarização e os ataques à Educação pública no país, que têm feito luta todo dia nas escolas das periferias, do campo e da cidade. Não podemos deixar de mencionar que, significativamente, a Educação Básica realizou diversas greves no decorrer de 2019; destacadamente, Mato Grosso e Rio Grande do Sul vivenciaram greves intensas de mais de 60 dias, com corte de salários, ameaças e perseguições. As mulheres, como maioria nessas categorias, estavam nas linhas de frente dos enfrentamentos, protagonizando as greves e defendendo a Educação Básica pública como direito. SOMOS RESISTÊNCIA NA LUTA PELA EDUCAÇÃO. Desde o movimento secundarista, nas universidades, nas escolas, nos movimentos de mulheres da floresta e do campo, lutamos por uma educação que seja autônoma, de qualidade, gratuita e libertadora.

MULHER É RESISTÊNCIA PARA ACABAR COM A FARRA DOS RICOS E A SANHA AUTORITÁRIA

Setores reformistas muito têm falado sobre o “voto feminista”. Mas nós, mulheres anarquistas, que nunca tivemos ilusões no parlamento burguês, rechaçamos esse caminho. Supor que novos “representantes” eleitos, mesmo que sejam mulheres feministaspodem promover justiça social é ingenuidade ou jogo de poder de quem opera na arena da política institucional, reformista e eleitoral. Nenhum avanço é feito se não pela pressão popular, pelo grito e pela luta das e dos de baixo. Ninguém sabe o que é melhor para nós do que nós mesmas. Os mesmos tiranos de sempre nos oprimem e retiram direitos. Os governos não passam de fantoches do mercado que usam o Estado para nos matar e lucrar, garantindo os privilégios dos ricos. O horror do sistema capitalista cruel e assassino, que destroça corpos e populações inteiras para garantir a exploração e interesses dos poucos que detêm dinheiro e poderNós acreditamos que todas e todos devem ter vez e voz de forma igualitária, o que não acontece quando há alguém no poder para decidir a partir de seus interesses. Acreditamos na igualdade e solidariedade entre nós mesmas. 

A atual cena política está conturbada pelo confronto aberto entre Congresso e Governo, com contornos de “crise institucional”, com convocação em favor de um golpe autoritário e que conta com o apoio aberto de figuras proeminentes no governo, como o general Augusto Heleno e o próprio presidente Jair Bolsonaro. Se, por um lado, reconhecemos que a tática reformista de disputar o Estado  não aponta para câmbios estruturais (ou seja, não está em jogo romper com as estruturas de dominação – econômica, racial e de gênero), por outro lado, não será com um aprofundamento da concentração do poder político nas mãos sanguinárias da milicada que as angústias do povo pobre serão solucionadas. Contra mais esse avanço conservador, que com certeza representará uma nova escalada no cerceamento das liberdades públicas e individuais (ainda mais contra nós, mulheres) a saída é uma só: a radicalização da democracia, ultrapassando os limites do fajuto sistema representativo burguês. Assim como às mulheres cabe o direito de decidir sobre nossos corpos, é direito do povo definir diretamente qual será seu futuro. Contra a sanha autoritária dos milicos e o saque dos ricos aos bens coletivos, construir uma frente das e dos oprimidos contra o modelo antipovo e de ajuste e repressão!  Pelo direito popular de tomar decisões sem intermediários, pela anulação do sistema da dívida pública (que sequestra 50% do orçamento nacional para pagar o sistema financeiro), da reforma trabalhista (que cortou direitos da classe trabalhadora) da reforma da previdência (que liquida com aposentadoria da maioria e o seguro social que protege os vulneráveis), e contra todos os cortes de verbas e leis de arrocho sobre a saúde, a educação e programas sociais! 

O fruto que produzimos é resultado da semente que plantamos. Só alcançaremos vitórias se a mudança for feita dentro de um espírito de revolução social, sem conciliação, sem parlamentos, trazendo uma transformação completa das condições de exploração que vivemos. O bolo dos ricos é feito do que nos roubam. É nossa tarefa nos mantermos firmes na luta e nos prepararmos para tomar o que nos pertence. Lutar contra a pobreza e o aumento do custo de vida para o povo brasileiro e pela distribuição igualitária das riquezas. Lançar mão do que for necessário para dividir esse bolo, pois violentos são os que nos exploram. 

Com autorganização e democracia direta, construir o caminho para cobrar essa dívida.

LUTAR E RESISTIR NAS RUAS!
8M NAS JORNADAS DE LUTA DAS MULHERES!
14M EM MEMÓRIA DE MARIELLE FRANCO E CONTRA A REPRESSÃO E AS POLÍTICAS DE MORTE DO ESTADO!
18M NA LUTA NACIONAL DA EDUCAÇÃO E PELA DEFESA DOS SERVIÇOS PÚBLICOS!
A DERRUBAR ESTADO, CAPITALISMO E PATRIARCADO!
MULHER É RESISTÊNCIA NA LUTA POR VIDA DIGNA!

 

[CAB] SOLIDARIEDADE À GREVE DOS PETROLEIROS E PETROLEIRAS!


Nós da Coordenação Anarquista Brasileira (CAB) manifestamos nosso total apoio e solidariedade à greve nacional dos petroleiros e petroleiras, que nesta quarta-feira (06/02) completa 5 dias. A greve acontece em defesa de direitos, contra as demissões e a privatização da Petrobras. 

A greve iniciou  no dia 01 de fevereiro, sobretudo a partir do anúncio do fechamento da Fafen-PR – Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados do Paraná, em Araucária,  região metropolitana de Curitiba, que provocaria a demissão de mais de 1 mil trabalhadores diretos, além do fim de outros 2 mil postos de trabalho indiretos. A Federação Nacional dos Petroleiros informou que até o momento (06/02) a categoria está paralisada em mais de 50 unidades de 12 estados do país.

A mobilização nacional dos/as petroleiros/as diz respeito a todos/as nós. Trata-se de mais um passo da luta contra o plano do governo Bolsonaro e Paulo Guedes de entregar o patrimônio público à iniciativa privada. Uma política que vem acabando com a capacidade de refino da Petrobras, e fazendo a empresa vender óleo bruto e comprar refinado de grandes companhias estrangeiras. Junto a uma política de preços que só beneficia os acionistas da estatal, enquanto faz disparar o valor do litro dos combustíveis, e por consequência de quase tudo que consumimos.

Também se mobilizam os servidores do Dataprev, que conseguiram reverter demissões, do Serpro e dos Correios, todas empresas nos planos privatistas do governo. Junto à ação direta dos petroleiros e petroleiras contra as demissões e o desmonte na Petrobras, é importante que a classe trabalhadora em geral esteja atenta e solidária! A  partir de nossos locais de trabalho, moradia e estudo, vamos fortalecer os laços de unidade e de defesa da classe trabalhadora e do patrimônio público.

 

Pelo controle da produção nas mãos da classe trabalhadora!

Construção do Poder Popular pela redução dos preços dos combustíveis e gás de cozinha, contra o aumento do custo de vida!

Contra o desmonte da Petrobras e dos serviços públicos, em defesa do emprego!

 

[CAB] Repúdio ao Massacre de Paraisópolis: mais um capítulo do genocídio brasileiro

Nota publicada orginalmente em: http://bit.ly/2P57Isd

O governo de São Paulo, por meio de sua sanguinária PM, é o maior responsável pelo massacre que terminou com nove pessoas mortas no ataque a um baile funk na madrugada deste domingo, 1º de dezembro de 2019, na favela de Paraisópolis, em São Paulo. O Baile da 17, um dos mais conhecidos da cidade, foi cercado pela PM, que agrediu a multidão gratuitamente, com bombas e balas de borracha. Segundo as notícias, as vítimas morreram pisoteadas, a partir do desespero provocado pela repressão brutal.

A motivação alegada pela PM, de que entrou na comunidade porque perseguia homens armados, parece uma desculpa absurda diante do número de mortos e dos vídeos divulgados até aqui. Moradores relatam que são constantes os ataques e esculachos da polícia aos bailes funk, mas a violência nunca havia sido tão grande como desta vez. Sabe-se que os bailes de favela são um fenômeno com diversas contradições, não muito diferentes de qualquer festa que envolva a juventude. Mas somente as festas de periferia são alvo da mão militarizada do Estado. Há um mês, um PM foi assassinado no bairro em uma troca de tiros, e desde então os moradores vêm sendo ameaçados, o que reforça a hipótese de uma retaliação contra a comunidade.

O Massacre de Paraisópolis escancara mais uma vez a face do genocídio promovido pelo Estado Brasileiro, que massacra o povo preto e periférico na cidade, os sem terra e quilombolas no campo, e os indígenas nas florestas. A serviço do Capital, o extermínio avança para nos roubar recursos naturais, como água, terras e minérios, e a política de morte faz o controle do excedente de mão-de-obra, que não pode ser tão grande a ponto da população se revoltar. As únicas opções que eles têm a nos oferecer são a precarização, o desemprego, a repressão, o encarceramento, e a morte.

Vivemos uma fase ainda mais extrema do genocídio. O número de mortos pela polícia disparou nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro neste ano, sob comando dos exterminadores do presente, João Doria e Wilson Witzel. Com um grande apoio do presidente Jair Bolsonaro, que discursa sob medida para os setores mais autoritários das forças de repressão. Seus reiterados planos de liberar o excludente de ilicitude são mais que uma carta branca aos policiais: incentivam explicitamente a tortura e o assassinato, que já têm respaldo de um sistema político e judiciário que raramente responsabiliza os agentes e o Estado. Temos como exemplos o Massacre do Carandiru, em 1992 e os Crimes de Maio de 2006, ambos em São Paulo, além do assassinato do pedreiro Amarildo, em 2013, e a Chacina de Costa Barros, em 2015, no Rio de Janeiro, para ficar apenas em casos ocorridos em nossas maiores cidades, em pleno “Estado Democrático de Direito” da “Constituição Cidadã” de 1988.

As políticas de encarceramento em massa são outra face dessa política, que não tem futuro a oferecer à juventude pobre e preta. O tal Pacote Anticrime de Sergio Moro amplia a chamada “legítima defesa” para policiais e aumenta as penas de prisão, o que só fará crescer a população carcerária e as mortes pela mão do Estado. É o aprofundamento do Estado Policial de Ajuste, que despreza vidas negras.

Nós, da Coordenação Anarquista Brasileira, manifestamos nossa solidariedade aos parentes e amigos das vítimas de mais este massacre, e mais que a responsabilização dos policiais que atuaram na chacina, exigimos do Estado a reparação pelo crime. Reforçamos a importância da organização popular para enfrentar esse cenário de extermínio que rodeia a população pobre. Devemos cerrar luta contra a política de repressão e ajuste neoliberal, e fortalecer a construção de uma política de vida, baseada nos valores da solidariedade e da igualdade, verdadeiramente democrática e independente de governos e patrões. Só o povo salva o povo!

Coordenação Anarquista Brasileira
02 de dezembro de 2019

[CAB] CONTRA O PACOTE RACISTA E GENOCIDA DE SÉRGIO MORO!

Na última terça-feira (19/11), foi apresentado o texto final do Pacote Anti-crime proposto pelo ex-juiz e ministro da Justiça Sérgio Moro, que será colocado para votação nessa quarta-feira na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

Tal pacote de medidas explicita seu caráter racista e antipovo, com propostas que ampliarão o encarceramento em massa, a criminalização da pobreza e o incremento das políticas de extermínio do povo negro. E nesse mesmo dia 20 de novembro, data histórica de luta e memória do povo negro, o governo federal pretende encaminhar o projeto de lei que regulariza o Excludente de Ilicitude, que autoriza e dá salvaguarda jurídica a policiais que matarem em serviço.

O pacote anticrime de Moro vem com o intuito de ampliar o encarceramento de nosso povo, no país que possui a 3ª maior população carcerária do mundo, em que 67% desses presos e presas são Negros e Negras, segundo o próprio Ministério da Justiça. Além de garantir que a Polícia possua ainda mais tranquilidade para ceifar vidas nas periferias. Essa linha de repressão proposta por Moro anda de mãos dadas com o projeto de ajuste levado a cabo por Paulo Guedes, cujos ataques afetam diretamente a população negra e pobre.

É fundamental cerrarmos luta contra o ajuste e a repressão, fortalecendo nas ruas a luta contra o encarceramento em massa, as política de extermínio do Estado e o Genocídio do povo negro.

CONTRA O PACOTE RACISTA DE SÉRGIO MORO!
AVANÇAR NA LUTA CONTRA O GENOCÍDIO!

Para saber mais sobre o pacote anti-crime: http://bit.ly/37kQboe

ANÁLISE DE CONJUNTURA: A AMÉRICA LATINA E O MUNDO SE MOVEM

Publicado originalmente em: https://anarquismo.noblogs.org/?p=1211

No mês de outubro de 2019 ocorreram fatos na América latina e no mundo que marcam um tempo de povo na rua, que marcam tempos de luta. Comecemos por analisar o cenário no Oriente Médio.

CURDISTÃO: A RESISTÊNCIA CONTINUA

A luta do povo curdo entrou em uma nova etapa. O ataque da ditadura legalizada do AKP de Erdogan, ou seja, do governo turco, era previsível. Diante da consolidação da experiência da Federação do Norte da Síria, essa peculiar experiência de transição ao socialismo que ocorre no marco de uma guerra cruel e sanguinária, lutando contra o fascismo islâmico, o Estado Turco, um dos organizadores de grupos como ISIS e outros da mesma laia bombardeia a população e pretende se adonar de uma faixa de território de pelo menos 14 mil quilômetros quadrados para translocar população refugiada. Logicamente, uma população que não responde às organizações do povo curdo.

Nesse período o Estado turco tem avançado e deslocado centenas de milhares de pessoas, entre elas crianças e idosas, com a finalidade de varrer o PKK da Síria. A proposta desse partido e de seus grupos armados – YPG e YPJ – é a construção do Confederalismo Democrático, uma proposta de forte enraizamento na base, socialista e federalista. Essa experiência é um “mau exemplo” para todos os Estados da região e para as potências interventoras como Rússia e EUA que são, de um modo ou de outro, inimigos desse processo e do povo curdo que luta por sua liberdade.

Essa experiência de caráter comunal está se desenvolvendo em um terço do território sírio e incluindo a população árabe, armênia, entre outras nacionalidades e também povos de vários pertencimentos religiosos. Em vez de uma guerra fratricida, o povo curdo e suas organizações construíram em Rojava uma experiência socialista com perfis libertarizantes por demais interessantes, com grande protagonismo popular, especialmente das mulheres e daqueles grupos que sempre foram foco da dominação do sistema capitalista em todas as suas ordens.

As guerrilhas curdas derrotaram o Estado Islâmico com um saldo de 11 mil combatentes mortos/as. O povo curdo pagou um alto preço, mas essa tem sido sua história, uma história de Resistência e combate contra qualquer forma de opressão. Toda nossa solidariedade e apoio à luta do povo curdo, exemplo de dignidade. Todo nosso rechaço a qualquer tentativa de invasão e intervenção em Rojava.

Líbano e Iraque: os povos vão pra rua

O neoliberalismo faz com que os povos ganhem as ruas. Na América Latina, na Europa ou no Oriente Médio. No planeta inteiro. Líbano e Iraque não são exceção. Diante de um pacotaço ortodoxo, o povo libanês foi pra rua. Houve pouca cobertura da imprensa sobre os fatos e algumas chegaram a falar de interesses dos EUA e da Arábia Saudita por trás das mobilizações para desestabilizar o regime que teria certa afinidade com o Irã. Mas o certo é que, diante de medidas antipopulares, o povo saiu e teve presença massiva nas ruas. O mesmo ocorreu no Iraque, território há anos afetado pela intervenção direta do imperialismo, onde desde 1° de outubro começaram mobilizações massivas contra a classe governante, principal responsável pelo crescente desemprego, a escassez de serviços básicos e a precarização das condições de vida. A resposta do governo foi uma sangrenta repressão, que deixou um saldo, até hoje, de 300 pessoas mortas e mais de 15 mil feridas, o que não impediu, no entanto, maiores níveis de mobilização nos setores populares. Essas manifestações no Líbano e no Iraque acontecem ao mesmo tempo que as que são protagonizadas pelo povo chileno.

Palestina: continua o genocídio em Gaza

O governo de Benjamin Netanyahu persiste em eliminar política e fisicamente qualquer expressão que denuncie as políticas de Apartheid que o Estado de Israel promove. Uma grande agitação foi gerada pela ordem de deportar Omar Shakir, representante do Human Right Watch (HRW), para a Palestina e Israel por ele supostamente apoiar o movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções). Também se publicaram vídeos de assassinatos cometidos pelo exército de ocupação durante as manifestações que ocorreram no dia 11 de novembro para lembrar o falecimento de Yasser Arafat, quando também vários/as jornalistas ficaram feridos/as e incapacitados/as para sempre.

Dias depois, e assim que a força aérea de Israel havia confirmado que em um bombardeio havia morrido um líder da Jihad islâmica, começaram a lançar mísseis de ambos os lados da Faixa de Gaza, deixando como resultado cerca de 32 pessoas mortas e 71 feridas, sendo 30 crianças, todas do lado palestino. Após a mediação do Egito, se conseguiu pactuar uma trégua entre ambas as partes. Por sua vez, a Autoridade Nacional Palestina (ANP), encabeçada pelo presidente Mahmoud Abbas, anunciou um mês antes que tinham iniciado os diálogos com todas as facções palestinas para poder realizar as eleições legislativas pendentes desde 2006. O povo palestino em Gaza sofreu três guerras entre 2008 e 2014 e, na Cisjordânia, os assentamentos ilegais e a segregação de estradas fazem com que a vida nos territórios ocupados seja cada dia mais dura.

AMÉRICA LATINA

A América Latina está vivendo um tempo complexo, contraditório, não homogêneo, em que se materializam os avanços da direita e das classes dominantes mas também se materializam as lutas populares e resistências aos planos e às políticas dos de cima. Não é uma guinada à direita fechada, total. A resposta dos povos se faz sentir e eles se colocam como protagonistas deste tempo. Não existem determinismos nem fatalismos, não deve ganhar tampouco a desesperança. As estruturas se expressam de determinada maneira em cada conjuntura concreta e em cada formação social, segundo a história dela. As estruturas não predeterminam os caminhos de ação, mas permitem vislumbrar o cenário em que atuam as classes sociais, ou seja, a luta de classes de todas as expressões dos oprimidos e das oprimidas. Mas insistimos, não existem homogeneidades nem se podem fazer transposições mecânicas das realidades. Com diferentes ritmos, distintos perfis, se desenvolvem as políticas dos de cima e também a Resistência Popular. Os povos da América Latina tem em seu registro e em sua memória amplos e gloriosos episódios de luta e combate.

A guinada à direita que ocorreu na região com os governos ultradireitistas encabeçados por Bolsonaro está gerando respostas populares e questionamentos. No Brasil, é alarmante o crescimento da pobreza e da violência sobre os setores populares: um desemprego de 13 milhões de pessoas e são mais de 27 milhões de pessoas com subemprego, para apontar só alguns dados do drama social. Milhões de pessoas com trabalho informal e precário, fodidas pelo cansaço de dias miseráveis e passando fome. Junto com o aumento de 20% da ação letal dos policiais contra negros, negras e a população das periferias, das classes oprimidas, o agravamento assustador do sistema carcerário e a racionalização da morte seletiva. Uma tecnologia de contra-insurgência cravada nos corpos e territórios marginalizados.

É evidente o apoio recíproco, a cumplicidade da dupla ajuste-repressão como razão de um Estado de segurança neoliberal em que dominam as finanças e sua navalha. Etapa de governo miliciano para administrar a miséria diante do escândalo de uma classe de super ricos e grandes fortunas, que toma para si mais da metade de toda a riqueza e bens comuns do país. Quer dizer, os doutores treinados na escola de Chicago ganham espaço em uma configuração política especial com o Escritório do Crime dos policiais milicianos e todo o esquema de ativismo e armação judicial que foi colocado em curso pela Operação Lava Jato.

Bolsonaro foi implicado nas linhas da investigação que levam ao mandante dos assassinos da companheira Marielle Franco. O assunto, que está longe de ser resolvido, volta à cena pública e gera algum nível de protesto nas ruas por justiça e verdade para encontrar os responsáveis no caso Marielle. Também existe algum nível de diferenças e disputas interna entre as classes dominantes, incluindo entre os grandes meios de comunicação, em que a rede Globo quer se mostrar agora como “democrática”, quando na realidade estendeu o tapete para Bolsonaro chegar ao governo. Este momento de tensão entre os de cima, e tendo presente certo descontentamento e rebeldia que os e as de baixo expressam de maneira diversa, é oportuno para mover o campo dos e das oprimidas e gerar situações de maior mobilização popular e organização.

Com Lula fora da prisão, por efeito da decisão do STF sobre os direitos de juízo com presunção de inocência, os setores da esquerda eleitoral voltam a apostar em um pacto de classes que não funciona no modo de governo de choque desta conjuntura. A gente comemora com nosso povo cada pequena vitória contra a injustiça, cada ponto de resistência que se pratica para enfrentar a guerra jurídica do sistema judicial. Porém com toda a nossa independência política e com muito respeito ao afeto popular de uma parte importante do país que se dirige a Lula nesta hora, nós não esqueceremos o castigo infame e horroroso das cadeias brasileiras, que é a máquina punitiva racista e anti-pobre da justiça burguesa. Confiar a saída política do povo brasileiro à liberdade de Lula, para que volte a ser eleito presidente, é no mínimo suicida, porque não coloca as demandas do povo brasileiro na rua e porque, definitivamente, a situação aberta no país não vai ser solucionada lá em cima. Só o povo pode varrer esse governo autoritário e neoliberal e as forças sociais e políticas que o sustentam.

Na Colômbia, o ESMAD – esquadrão policial de choque e repressão – foi pra rua com grande dureza reprimir manifestações estudantis, com várias pessoas feridas e presas. Isso é parte da política de Estado militarizado dos governos da direita colombiana, em que ficou evidente que não há margem para nenhum “processo de paz”. Foi assassinada grande parte de militantes populares, várias delas e deles eram ex-guerrilheiros e guerrilheiras. A volta à luta armada por parte de um setor das FARC é prova disso.

Os processos eleitorais e o golpe de Estado na Bolívia

Ocorreram em fim de outubro três processos eleitorais com diferentes implicações no futuro da região: Bolívia, Argentina e Uruguai.

No último 11 de novembro, o antigo líder sindical cocalero Evo Morales (MAS IPSP) viveu um golpe de Estado e foi obrigado a renunciar à presidência sob pressão direta das forças armadas e da polícia, que tinham sido reforçadas em seu governo, em meio à pressão de grandes protestos populares liderados pela direita.

Morales, que tinha deixado de cumprir o mandato anti-reeleição da constituição de 2009, uma das suas principais vitórias políticas, assim como o resultado do referendo sobre a reeleição presidencial de 2016, do qual saiu nitidamente derrotado e, de forma mais importante, o mandato indígena e sindical pela liderança coletiva, se apresentou pela quarta vez às eleições presidenciais com uma capacidade política menor, mas conservando importantes bases de apoio popular e a carta do bom desempenho econômico do modelo do capitalismo andino-amazônico, a expressão mais radical do ciclo progressista na região.

A realização do modelo político do MAS durante quase 14 anos, centrado no caudilhismo em torno da figura de Evo Morales sob o mito da representação operária indígena, cujas decisões se tomam nas cúpulas partidárias, utilizando as organizações de base como reboque, forjou um movimento verticalista que propõe saídas de cima pra baixo nas instituições da burguesia. A debilidade da figura de Evo Morales deixa um vazio de referência que abre caminhos para a ingerência do imperialismo estadunidense em conjunto com os setores empresariais mais reacionários, misóginos, racistas e neoliberais.

Seus principais rivais nas eleições gerais de outubro de 2019 foram o ex-presidente Carlos Mesa do partido Comunidade Cidadã, obrigado a renunciar em 2005 pela paralisação geral pela nacionalização dos recursos e atualmente questionado pelas suas relações com a Odebrecht, e o pastor evangélico Chi Hyung Chung do Partido Democrata Cristão, considerado como o “Bolsonaro local” e que acusava Evo Morales de converter a Bolívia em uma Sodoma e Gomorra. Os principais opositores, que haviam cogovernado territorialmente com Morales no último período, realizaram uma campanha anticomunista baseada no medo de uma segunda Venezuela, mas também apelavam para o descontentamento legítimo da população com a corrupção ou os baixos salários. Realizadas as votações, nas quais a direita dividida apostava em chegar ao segundo turno e provavelmente ganhar a eleição, na contagem dos votos durante a noite de 20 de outubro se apresentaram e denunciaram diversas irregularidades.

Diante dessas irregularidades na contagem dos votos e da soberba governamental e opositora de declarar vitória em um cenário tão apertado, se iniciou uma onda de protestos liderados pelos adversários de Morales que começaram como vigílias em frente aos centros de votação e se converteram logo em mobilizações massivas e uma paralisação civil indefinida desde 23 de outubro, que por dezessete dias bloqueou a mais populosa e conservadora região de Santa Cruz, mas também os centros progressistas de El Alto e La Paz. Ocorreram importantes mobilizações e bloqueios de vias, que contaram com a participação de empresários do transporte paralisados desde 6 de novembro, estudantes universitários, habitantes de bairros populares e setores de trabalhadores/as mineiros/as. Por sua vez, o governo mobilizava importantes forças sindicais, indígenas e camponesas em seu respaldo, negando qualquer possibilidade de diálogo político e denunciando um golpe cívico. Enquanto isso, aconteciam fortes enfrentamentos nas ruas entre pessoas partidárias e opositoras ao governo que, somadas à repressão policial, deixam o triste saldo de 24 pessoas mortas até o dia de hoje.

Essas ações denotam um nítido plano golpista, apoiado pelo governo estadunidense e a CIA. Nos dias anteriores, já havia informação acerca dos preparativos dessa ação. No entanto, a direita boliviana conseguiu captar e capitalizar certo descontentamento popular, ao menos nesse momento. O descontentamento com Evo e seu governo parte de diversos setores populares: regionais, sindicais (com a COB na cabeça), cocaleros, estudantes, profissionais, hoje parecem misturados neste marco eleitoral e a direita, reacionária e racista, trata de capitalizar com isso tudo que pode. Expressão disso são os motins das forças repressivas em todo o país, demonstrando que a herança do pensamento golpista de Banzer segue intacta nas altas patentes do exército boliviano e na polícia.

A oposição organizada em torno de Comitês Cívicos centrados em Santa Cruz radicalizou sua posição e Mesa passou de aceitar a auditoria da OEA para rechaçá-la e proclamar “ou a prisão ou a presidência”. Começou uma onda de protestos violentos que incluíram barricadas em várias estradas realizadas com veículos particulares dos manifestantes, a queima de edifícios governamentais e violência contra funcionários estatais e suas famílias, movimento que se juntou a motins policiais, com algumas demandas trabalhistas e fins políticos que ocorreram desde 8 de novembro em Sucre, Cochabamba e Santa Cruz, e daí para o resto do país. Nesse tempo, simpatizantes do MAS realizaram ações de desbloqueio de barricadas e concentrações, com apoio de setores das forças de segurança, o que gerou choques violentos com os opositores.

Morales aceitou a revisão da OEA sobre as eleições, aceitando um segundo turno eleitoral, enquanto convocava um diálogo com a oposição para o dia 9 de novembro. Após os resultados desfavoráveis deste organismo liderado pelos Estados Unidos e seus sócios políticos, o governo masista aceitou repetir as eleições presidenciais em 10 de novembro. Durante uma grande marcha para La Paz organizada pela oposição direitista que buscava reinstalar “Deus” no palácio presidencial e pedia uma intervenção do exército, a cúpula das forças armadas “sugeriu”, em uma aberta intervenção política, a renúncia do governo, coisa que finalmente se efetivou com a renúncia de Morales e García Linera, em meio a denúncias de golpe de Estado e sua ida para o México.

Chama atenção a catarata de erros de Morales e seu governo. Mais do que erros, devemos reconhecer que são parte de uma concepção que acredita nas mudanças por meio das instituições burguesas. Ele não enfrentou com firmeza o golpe de Estado assim que esse se colocou em marcha; chamou para negociar os setores mais fascistas – nazistas diretamente – que estavam impulsionando o golpe, se submeteu aos ditames da OEA (organismo da política exterior estadunidense, pronta para se intrometer na Venezuela, organismo que aplica critérios duplos, de acordo com cada país, e que respalda o governo genocida da Colômbia), entre outros fatos. E além do mais vai para o autoexílio… Com essa concepção não se produzem mudanças profundas nem se enfrenta nenhum avanço da direita, nem nenhum golpe de Estado.

No entanto, essa nova tentativa golpista se inscreve na política estadunidense para a região. Um país que eles não controlem diretamente, que mostre algum grau de certa independência na política exterior, eles o desestabilizam até derrubar o governo que veem como obstáculo. Prova disso são hoje em dia as tentativas cotidianas do império sobre a Venezuela. Ao império, importa nada o regime político da Venezuela, sua corrupção, sua inaptidão, sua burocracia e seus bolirricos; ao império importam somente os efeitos geopolíticos e a riqueza que ela possui, petróleo principalmente. Recordemos que em 2008 a Bolívia expulsou do país a DEA – agência antidrogas dos EUA – pelo seu trabalho desestabilizador e de constante apoio à oposição, inclusive organizando grupos armados. Essa foi a atividade desse organismo e a CIA financiando, organizando, treinando grupos de extrema direita para dar golpes de Estado e fazer com que o governo voltasse para o controle desses setores e da burguesia mais reacionária, mais neoliberal. A velha política do império, mais vigente do que nunca. A resposta de Evo Morales, apesar da sublevação golpista, foi renunciar como presidente e aceitar canalizar institucionalmente o descontentamento, voltando a chamar eleições, apesar dos chamados a mobilizar contra o golpe em diversas localidades da Bolívia e, em solidariedade, no resto do continente.

O povo boliviano, esse povo que tem uma imensa experiência de luta, que protagonizou a Revolução de 1952 e a guerra do gás e da água em datas mais recentes, que possui uma riquíssima tradição organizativa milenária, deu mostras de uma dignidade e firmeza incríveis. Foi pra rua enfrentar o golpe de Estado e ocorreram enfrentamentos de relevância com pessoas mortas e feridas. É um povo que não se deixa atropelar e age com decisão para enfrentar a reação. Essa mobilização popular abre um caminho. Nem tudo foi dito ainda e o golpe não se consolidou. Tem gente que fala de “guerra civil”, o certo é que os níveis de luta estão crescendo no Altiplano.

O golpe de Estado representa não apenas o projeto de saqueio dos recursos naturais sob os interesses do imperialismo, mas também revela o componente racista e colonial mais nefasto dos mais de 500 anos de submetimento aos povos indígenas. Se trata de uma cruzada cristã racista contra os povos andino-amazônicos, que estão organizados desde baixo e com a Whipala como estandarte enfrentam com altos níveis de radicalidade a repressão do exército e os ataques ultrarreacionários. A luta que os povos indígenas estão realizando em defesa das conquistas do povo e de sua dignidade deixa entrever que o eixo articulador da resistência ao golpe na Bolívia é o povo organizado peleando nas ruas.

Argentina: retorna o peronismo

Na Argentina, a vitória do peronismo foi mais apertada do que se imaginava. O ultra-neoliberal Macri recuperou 10 pontos de votos, chegando a um total de 40%. O peronismo não conseguiu superar os 50%. O cenário social no qual se dá essa troca de governo é sem dúvida marcado pelo enorme dano social e econômico causado pelas políticas de ajuste e de fome do governo Macri. Como se fosse pouco, Alberto Fernández e o kirchnerismo fizeram reiterados chamados a não ir para as ruas, não manifestar, de “aguentar até dezembro”, de “não desestabilizar”, de “não gerar um novo 2001”. O que esteve em debate nesses meses foram duas estratégias nítidas no campo da esquerda argentina: bancar a governabilidade de Macri e desocupar as ruas, como sustentavam os setores kirchneristas e afins – por omissão e aposta eleitoral estavam na mesma lógica o FIT e o PCR – e, por outro lado, um conjunto de organizações sociais e sindicais, junto com as quais impulsionamos a luta na rua sem esperar as urnas, apostando em uma saída popular.

Mas esse “quietismo” não apenas permitiu que Macri recuperasse terreno, mas também impediu uma saída de baixo para a crise em que se encontra a Argentina. Tentou-se colocar o movimento popular sob a fórmula Fernández-Fernández, mas mesmo assim se lutou. Teve gente nas ruas e conquistas concretas, poucas talvez, mas conquistas que permitem tonificar as organizações populares. Sabemos que devido ao cru avanço neoliberal, que golpeou com força as e os de baixo durante os últimos anos, não podemos esperar os tempos da politicagem. Muito menos quando estamos conscientes que a transição de governos está marcada pelas reiteradas tentativas do empresariado de impor uma reforma trabalhista a todo custo e de qualquer forma, tentando retroceder as condições trabalhistas ao século XIX. Em resumo, essa mudança de governo, longe de constituir um freio à reforma trabalhista, pode se apresentar como uma oportunidade para os setores dominantes de maquiar essas mudanças sob outro tipo de modalidade, evidentemente mais atenuada do que teria acontecido com um segundo mandato de Macri.

Com a vitória do peronismo se abre um período de cooptação dos movimentos populares novamente, de tramar por cima saídas e acordos baseados em interesses espúrios, de presença no governo dos setores mais reacionários do Justicialismo. O pacto social que está sendo tramado desde antes de o peronismo ser eleito em outubro busca preparar o terreno para assegurar a governabilidade e conter a bronca da classe trabalhadora diante da situação de ajuste e de miséria. O alinhamento e a conciliação em um amplo pacto social que inclui um setor do movimento piquetero, a igreja católica, as cúpulas sindicais da CGT e da CTA e setores empresariais no governo de Fernández busca assegurar e dar continuidade à aplicação de medidas antipopulares para conseguir pagar o enorme endividamento externo, ao mesmo tempo em que entrega os recursos naturais a multinacionais extrativistas.

Apesar do entreguismo das dirigências burocráticas, também será um período dinâmico e interessante para as lutas populares. Nossa tarefa nesse sentido continuará dirigida para ultrapassar e transcender a saída proposta por cima, recuperando a confiança na própria força das organizações populares.

Uruguai também dá uma guinada à direita

O Uruguai, por sua vez, apresentado como um “oásis de paz e estabilidade” pelo governo da Frente Ampla – imagem que se expandiu pela região, que é continuidade daquela imagem de “Suíça da América” – parece também dar uma guinada à direita.

Nas eleições de outubro o grande vencedor foi o Partido Nacional. Juntaram-se a ele o histórico Partido Colorado e o novato Cabildo Abierto, partido de origem militar, formado por ex-milicos e outros em atividade, e concentrou quase todos os grupos e personalidades fascistas que estavam espalhadas em diversos setores. Seu candidato principal é Guido Manini Ríos, ex comandante-em-chefe do exército até alguns meses atrás. Manini Ríos provém de uma família tradicional da política uruguaia, situada no espectro da extrema direita. Seu avô foi fundador do setor mais conservador do Partido Colorado em 1913 e seu tio participou da JUP (Juventude Uruguaia de Pé, grupo fascista de choque nos anos anteriores à ditadura). Família de latifundiários, políticos e militares, todos de extrema direita. Guido Manini Ríos é amigo do ex general Villas Boas do Brasil e do vice-presidente Mourão. Pra ir vendo as conexões…

Esse setor – Cabildo Aberto – obteve cerca de 11% dos votos. Uma votação alta para um partido novo ligado aos milicos. É um partido extremamente conservador e isso é nítido para o conjunto da sociedade uruguaia. O que seus votantes fazem é uma opção ideológica direta. Além do mais, nos meses anteriores houve várias denúncias sobre grupos neonazistas que estavam entrando no Cabildo Aberto e cujos membros de fotografavam com seu líder. Além disso, está aberta uma citação judicial sobre Guido Manini Ríos por ele ter ocultado informações surgidas a partir de declarações de José “Niño” Gavazzo (repressor e torturador durante o Plano Condor, diretamente implicado na desaparição e no assassinato de companheiros e companheiras da FAU) em um “tribunal de honra” sobre sua participação em assassinatos de militantes durante a ditadura. Esse partido vai ter uma participação parlamentar de 3 senadores e 11 deputados. Podemos dizer que no Uruguai o fascismo agora tem um partido próprio.

Todos os partidos de direita oferecem apoio a Lacalle Pou no segundo turno, que ocorrerá no fim de novembro. Se ganhar, o candidato do Partido Nacional (que pertence ao herrerismo, setor historicamente conservador) implementará uma lei de urgente consideração, como já anunciado, na qual entre outras medidas serão impulsionadas a desmonopolização dos combustíveis, mudanças regressivas na educação e nas reivindicações trabalhistas – e essas são apenas medidas que têm ganhado notoriedade. Por sua vez, o Partido Colorado defende o modelo chileno, quer dizer, o neoliberalismo puro e duro, porém à la uruguaia. Dessa combinação de fatores surgirá o programa de governo “multicolor”, como foi chamado por Lacalle Pou.

A Frente Ampla também propõe ajuste, talvez mais gradual, sem tocar nas áreas sociais, segundo declaram. Porém o déficit fiscal está perto de 5% e as contas públicas parecem estar complicadas até metade de 2020, justo quando o governo tem que aprovar um novo orçamento. Os pagamentos de interesses de dívida que vencem nessas datas são um ponto de afunilamento importante.

No Uruguai não estão em disputa dois “modelos” de país nessas eleições: o modelo é um só e a guinada à direita com ajuste e repressão também. O que se “define” é a “dose”, o grau da guinada, se será mais abrupto ou menos.

Portanto, o próximo ano é de esperar ajuste e garrote vindo de cima mas, por outro lado, de baixo, vai ter Resistência.

Uma onda de rebeldia na América Central e no Caribe

As grandes jornadas de protesto em Porto Rico, iniciadas desde 13 de julho, através de mobilizações massivas como a marcha de meio milhão de pessoas nos dias 17 e 22 e greves gerais, levaram no dia 24 de julho à renúncia do governador Ricardo Roselló e do Partido Novo Progressista por escândalos de corrupção relacionada à ajuda humanitária e comentários de desprezo e descriminação contra a população, em meio à crise econômica experimentada na ilha.

Por outro lado, são de grande importância as diversas ondas de protesto no Haiti contra o governo do empresário Jovenel Moïse e do Partido Haitiano TetKale, que ocorreram em fevereiro, junho e setembro, em meio à profunda crise econômica, escândalos de corrupção e um acordo do governo com o FMI para aprofundar reformas neoliberais. As mobilizações, que retomam os protestos contra a fraude eleitoral de 2016, contaram com violência contra os bairros ricos da cidade de Porto Príncipe e diversas greves gerais, deixando o trágico saldo de 77 mortes.

Da mesma forma é fundamental e está ainda aberta a onda de lutas realizadas em Honduras desde 10 de outubro e generalizadas desde o dia 18 contra o governo de Juan Orlando Hernández e o Partido Nacional, salpicado de escândalos de corrupção e de narcotráfico pelo próprio Chapo Guzmán, que retomam as lutas contra a fraude eleitoral de 2017, protagonizadas por estudantes universitários e setores populares.

A mobilização popular massiva como resposta para a crise econômica, a paralisação ativa na cadeia de produção, distribuição e serviços, o descontentamento social com governos impopulares permeados pela corrupção pública e privada e o desprezo da burguesia parlamentar pelas condições de vida do seu povo explicam essa revitalizante onda de rebeldia centro-americana e caribenha, a qual temos que apoiar e com a qual precisamos aprender.

A etapa que se abre a partir das rebeliões no Equador e no Chile

Outubro, dizíamos, trouxe mudanças e trouxe a luta dos povos. Começou com o levante do povo equatoriano. Desde 2 de outubro no Equador se registrou uma extensa mobilização popular que alcançou uma vitória importante contra o pacotaço neoliberal impulsionado pelo governo do empresário Lenín Moreno do partido Aliança País, retomando as lutas realizadas neste mesmo ano por estudantes de medicina, as greves de fome vitoriosas de docentes, trabalhadores e trabalhadoras do setor elétrico aposentados/as e a paralisação cívica da região de Charqui.

O governo Moreno, aprofundando as políticas pró mercado desenvolvidas pelo próprio Rafael Correa, decidiu implementar diante da crise econômica uma reforma estrutural acordada com o FMI para obter um crédito de 4,2 bilhões de dólares que incluíam o decreto 883, que impunha um drástico aumento do preço da gasolina de até 120%, o que por sua vez implicava aumento em cadeia em todos os demais setores econômicos, e sobretudo uma reforma trabalhista que impunha uma redução de salários para a maioria de trabalhadoras e trabalhadores temporários do setor público em 20%, mais de 20 mil demissões de trabalhadoras e trabalhadores do Estado, a redução do 50% do período de férias, bem como confiscos salariais obrigatórios e a antecipação de uma reforma trabalhista precarizadora.

Diante do decreto de aumento da gasolina, o povo foi pra rua. O governo de Lenín Moreno reagiu decretando Estado de Sítio. O grau de mobilização popular aumentou com forte presença da CONAIE (Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador), que marchou sobre Quito. O governo fugiu da capital e ela ficou sob controle popular durante vários dias. Mas vejamos isso com mais detalhe.

O pacotaço e seu duro golpe contra as trabalhadoras e os povos do país despertou diversas resistências. Em primeiro lugar, uma curta paralisação de empresários do transporte que bloqueou estradas, pontes fronteiriças e vias urbanas, organizados na Federação de Cooperativas de Transporte Público de Passageiros (Fenacotip), que se prolongou por 48 horas. Em segundo lugar, destaca-se a importante resistência indígena de comunidades provenientes principalmente da zona andina e em menor medida da Amazônia, organizada pela Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE), anteriormente golpeada pela repressão correista, que se constituiu na direção efetiva do movimento. A CONAIE organizou a grande marcha de dezenas de milhares de pessoas, com centenas de caminhões cheios de participantes, sobre a cidade de Quito, que conseguiu ocupar fugazmente a Assembleia Nacional em 8 de outubro e ocupar diversos edifícios públicos em todo o país. A situação obrigou o governo a se mudar para Guaiaquil e decretar o Estado de Exceção, o Toque de Recolher na capital, a censura da imprensa e a militarização do país.

Em terceiro lugar se realizou uma importante manifestação operária organizada em torno da Frente Unitária de Trabalhadores (FUT), e importantes setores estudantis e populares, que realizou paralisações parciais em refinarias de petróleo e uma importante greve geral em 9 de outubro. O movimento teve um novo pico na manifestação pelo dia da resistência indígena em 12 de outubro, assim como diversos protestos nas grandes cidades do interior, com foco no centro de Quito, onde indígenas, camponesas e camponeses, operárias e operários e estudantes ocuparam o centro da cidade e conviveram em acampamentos organizados em parques e universidades privadas.

Ocorreram 11 dias de protesto massivo, panelaços, bloqueios de vias e estradas na metade do país, e centenas de milhares de pessoas mobilizadas nas ruas, com um saldo trágico de 11 mortes, 1300 pessoas feridas e 1100 pessoas presas, que recordaram as heroicas rebeliões de 1995 e 1997 contra as políticas neoliberais. As populações indígenas decretaram Estado de Exceção em seus territórios e retiveram militares e policiais deslocados para atividades repressivas para ser julgados pelas instituições de justiça indígena. Ao mesmo tempo houve queimas e saqueios em algumas zonas comerciais, em meio à retórica governamental de não recuar nas reformas e as acusações propagandísticas contra Correa e Maduro sobre um nebuloso plano de desestabilização.

Finalmente, o muito debilitado governo Moreno se sentou para negociar no dia 13 de outubro com a direção de algumas das organizações, suspendendo o decreto que eliminava os subsídios aos combustíveis, embora os demais aspectos do pacotaço se mantenham ainda vigentes. Ainda que a demanda pela renúncia de Moreno não tenha se aprofundado, o governo tenha buscado excluir os sindicatos e organizações urbanas das negociações e os elementos de auto-organização popular não tenham se estendido a todo o país, os protestos massivos foram importantes pois demonstraram uma rearticulação do movimento popular, debilitado e fragmentado pelo correismo, em meio ao aumento de sua autonomia política e unidade intersetorial. Neste contexto de aumento das lutas e de busca de alternativas populares para a crise e o ajuste neoliberal, é desejável uma rearticulação de algumas expressões do anarquismo organizado no país.

Em resumo, organizações indígenas, camponesas, sindicatos de trabalhadoras e trabalhadores, estudantes e jovens são as pessoas participantes e animadoras dessa revolta popular que pôs em xeque a polícia e o exército. Mobilizações com altos níveis de enfrentamento com as forças repressivas e com total independência de classe, já que foram postos para correr os políticos vinculados ao ex-presidente Correa que apareceram nas mobilizações. O povo não está disposto a deixar-se instrumentalizar e usar pela casta dos políticos. Um saber popular de profundas implicações para a concretização do Poder Popular.

O governo teve que revogar o decreto e recuar em suas medidas. Uma vitória popular de um povo que já derrubou vários governos.

No Chile um protesto massivo de estudantes secundaristas no metrô contra o aumento do preço das tarifas de energia e transporte público de Santiago implementado em 6 de outubro foi fortemente reprimido, derivando em uma jornada de rebeldia nacional ainda aberta especialmente desde os protestos nacionais do dia 18 de outubro. O segundo governo de Sebastián Piñera e a coalizão Chile Vamos atacou a legitimidade do protesto juvenil e correu para aplicar a Lei de Segurança do Estado, mostrando um grande desprezo pelas condições de vida da classe trabalhadora e dos setores populares e uma defesa dura de sua política econômica neoliberal, herdeira da ditadura cívico-militar de Pinochet e de três décadas de governos da Concertación (coalizão de centro-esquerda) e da direita.

Os protestos estudantis continuaram e se generalizaram pela capital, envolvendo cada vez mais o sistema de metrô e, por vezes, as trabalhadoras e trabalhadores, usuárias e usuários do sistema. A isso logo se somou a mobilização de trabalhadoras da educação e da saúde, e mais tarde organizações como a Central Unitária de Trabalhadores (CUT) e a Confederação de Estudantes do Chile (CONFECH) aderiram à mobilização, organizando grandes greves gerais como as de 4 de novembro. Assim se generalizaram panelaços e concentrações massivas em todo o país, como as vividas desde o dia 20 de outubro, com expressões como a marcha do dia 25 de outubro, a maior da história recente do país, que reuniu cerca de um milhão e duzentas mil pessoas em Santiago, com foco na Plaza Italia, a mobilização de centenas de milhares de pessoas em Viña del Mar e a sede do Congresso em Valparaíso no dia 27, ou a marcha das e dos habitantes de Limache que percorreram 100km até Santiago. A atividade de estudantes secundaristas organizadas massivamente na Assembleia Coordenadora de Estudantes Secundaristas (ACES) e na Coordenadora Nacional de Estudantes Secundaristas (CONES) revelou-se fundamental, mas também se somou o movimento de mulheres e o povo mapuche, que realizou concentrações na Araucanía, destruindo símbolos coloniais, movimentos todos com um longo histórico de luta contra esse quebrado regime bipartidário chileno.

No meio de uma manifestação popular, parecida com as grandes jornadas de protesto nacional contra a ditadura de 1983 e 1986, e um aumento da violência popular com barricadas, saqueios e incêndios em diversos prédios, o governo Piñera falou que o país estava em guerra e a primeira dama falou de uma invasão alienígena. Decretou-se o Estado de Exceção e o Toque de Recolher na maioria das cidades do país e ocorreu uma violenta repressão que generalizou os maus tratos e a tortura, o assédio e o abuso sexual e a repressão por parte das forças policiais e militares. Ao mesmo tempo, Piñera se viu obrigado a revogar o aumento da passagem, decretar umas reformas sociais mínimas em matéria de aposentadoria, salário mínimo e congelamento de tarifas, realizar uma mudança cosmética em seu gabinete e convocar um diálogo político visando a uma possível reforma constitucional.

Ainda que aparentemente desgastada, as jornadas de protesto popular no Chile ainda estão abertas e as assembleias territoriais em praças públicas, colégios, universidades, bairros e sindicatos sem mantêm sob o lema de que o Chile acordou e de uma crescente demanda de fora Piñera. Até hoje há um lamentável saldo de 30 mortes, 2 mil pessoas feridas de 5 mil presas. É de notar que a atividade dos e das anarquistas organizadas, mesmo que minoritária, tem sido importante e, no meio da luta, florescem formas de auto-organização popular. O atual movimento pode alcançar importantes conquistas econômicas e salariais, pressionar por reformas legislativas em matéria de transporte, educação, aposentadoria ou saúde e levar a um aumento nítido dos níveis de organização, mobilização e autogestão popular.

O povo chileno fez os 30 anos de neoliberalismo e toda a herança pós-ditadura chiarem. A repressão foi dura mas os policiais militares foram expulsos das ruas pelas pessoas, por isso Piñera decretou o Estado de Exceção e o Toque de Recolher, tirando o exército dos quartéis. O povo desafiou ambas as imposições e continuou na rua. Mobilizações massivas nos centros urbanos, outras nos bairros, barricadas, demonstrações de raiva e rechaço aos símbolos do modelo… O povo quebrou a normalidade no Chile, com e sem greve geral. As mobilizações continuam e por baixo está fermentando um processo de organização e resistência, se acumula uma ampla e rica experiência e se abre uma nova etapa. Incerta, porém uma etapa de povo na rua desafiando o poder.

No entanto, os partidos de esquerda, em sua maioria, impulsionam a convocatória de uma Assembleia Constituinte que dê ao Chile uma nova constituição, derrubando a herdada da ditadura de Pinochet. Ainda que seja uma reivindicação com sentido, já que parte da herança do pinochetismo é a constituição e a ordem jurídica que ela garante e que nenhum governo – incluídos os da Concertación – ousou tocar, ela dá margem para uma “solução por cima” à crise aberta por baixo graças à mobilização popular. Dá margem para que os partidos do sistema encontrem uma “solução” aos problemas do povo chileno, garantindo os mesmos direitos… às classes possuidoras e dominantes no país e a essa odiosa instituição que garante a ordem burguesa que é o exército. Nenhuma constituição no capitalismo tocará a propriedade privada em todos os seus termos nem garantirá o desmantelamento das forças armadas, nem socializará os lucros e a propriedade do cobre. A experiência de Allende e da Unidade Popular fala nitidamente por si só dos limites que a burguesia e o império “toleram”.

Mas o mais complexo da constituinte é que coloca nas mãos dos opressores e daqueles que estão dispostos a sucedê-los em seu papel a solução para as necessidades populares e seu inevitável engano, porque existem mil formas de burlar textos jurídicos consagrados. Coloca-se dessa forma novamente o povo a reboque dos partidos do sistema, de suas discussões, obriga a tomar partido por um deles e deixar de lado a organização e a causa popular. É um curral.

Por outro lado, a alternativa está nessa organização de baixo que fez tremer e chiar o modelo. Um processo de unificação de lutas populares, de busca por um plano de soluções para a crise construído pelas organizações populares. Uma articulação das oprimidas e oprimidos de baixo para cima, construindo Poder Popular, com autogestão e democracia direta. Fortalecer as organizações populares e um processo de convergência devem ser os objetivos da militância de intenção revolucionária.

Queremos ser explícitos e explícitas: quando dizemos Poder Popular dizemos capacidade de ação e decisão do povo, de suas organizações de base articuladas de forma federalista, de baixo para cima. É um processo nitidamente popular, por fora do Estado e contra ele. Podemos mencionar como exemplos históricos as coletivizações em plena Revolução Espanhola, a Machnovitchina na Ucrânia durante a Revolução Russa, a experiência em Rojava hoje em dia, mas também uma infinidade de processos que os povos latino-americanos construíram e constroem em que a participação das e dos de baixo é decisiva.

Por ora, as mobilizações continuam e esse processo segue aberto. Vastas experiências e ensinamentos devem ser tirados daqui, porque se abre uma nova etapa.

Queremos expressar todo nosso apoio às companheiras e companheiros da Federação Anarquista Santiago (Chile) e da Revolução Libertária de La Paz (Bolívia), que estão inseridas nas mobilizações e impulsionando uma orientação de trabalho de base em meio à luta.

Tempo do povo

Com as revoltas do Equador e do Chile se inicia um tempo de povo na rua. Um tempo dos povos mobilizados por toda a América Latina. É de se esperar outras revoltas, rebeliões, acontecimentos que possam habilitar situações pré-revolucionárias ou que as preanunciem. Em cada país em seu ritmo, com sua idiossincrasia e de acordo com cada conjuntura concreta. Tudo isso em uma perspectiva de médio-longo prazo.

Se inicia um ciclo de lutas populares contra o neoliberalismo e suas consequências. Porque essa etapa do capitalismo, de neoliberalismo cru, gera sem sombra de dúvidas mais resistência e gente a rua. Diante de tanto despojo e repressão, o povo se mobiliza. Não é um ciclo exclusivo da direita, como se apregoou. Certamente os progressismos – como os conhecemos até 2015 – estão chegando ao seu fim. Os que perduram, mutaram por influência da direita, o ajuste imposto de cima e os limites econômicos do sistema em escala mundial. Eles voltam para o saqueio total, mas as e os de baixo estão fermentando suas respostas e uma saída realmente popular.

Se bem que vão aumentar os graus da repressão, são evidentes os ensinamentos que os povos equatoriano e chileno nos dão: é possível superar a repressão, inclusive as forças armadas, com povo na rua e praticando ação direta em todos os níveis. Por exemplo, no Equador um tanque foi colocado fora de combate pela ação do povo.

É fundamental fortalecer as organizações populares, contribuir nos debates acerca das vias e caminhos de mudança, elucidar que os caminhos que o sistema abre sempre terminam em um precipício. É de baixo que se constrói um povo forte e o federalismo, único modo organizativo que confia nas organizações populares e não em vanguardas auto-eleitas e pretensamente “iluminadas”. Não existe saída possível “por cima”, nos âmbitos e instituições do sistema, esses espaços só podem servir à burguesia e ao império. A mudança vem do povo e do que o povo puder construir, com suas limitações e problemas, mas será muito mais rica do que as podres instituições burguesas, instituições de opressão e morte.

Está em jogo a vida e a construção de uma sociedade diferente. Nessa luta estamos embarcadas/os e o Anarquismo Organizado – o Especifismo – tem muito para dizer em propostas de autêntica emancipação.

NÃO AO GOLPE DE ESTADO NA BOLÍVIA!!

VIVA A RESISTÊNCIA DOS POVOS!!

FORTALECER A LUTA E OS PROCESSOS POPULARES!!

PELA CONSTRUÇÃO DE PODER POPULAR!!

PELO SOCIALISMO E A LIBERDADE!!!

ARRIBA LOS E LAS QUE LUCHAN!!

FEDERAÇÃO ANARQUISTA URUGUAIA (FAU)

FEDERAÇÃO ANARQUISTA DE ROSARIO (FAR) – ARGENTINA

ORGANIZAÇÃO ANARQUISTA DE CÓRDOBA (OAC) – ARGENTINA

COORDENAÇÃO ANARQUISTA BRASILEIRA (CAB)

GRUPO LIBERTÁRIO VÍA LIBRE – COLÔMBIA

Não ao golpe civil-militar na Bolívia!

Publicado originalmente em: https://anarquismo.noblogs.org/?p=1208

Repudiamos a ação golpista que se desenrola neste momento na Bolívia. Sob pressão do imperialismo, do exército boliviano (herdeiros da ditadura de Hugo Banzer) e da extrema-direita boliviana, a renúncia de Evo Morales evidenciou a articulação golpista formalizada nas manifestações de direita que ocorreram logo após os resultados eleitorais.

O principal articulador das passeatas de direita foi o golpista e empresário Luís Fernando Camacho, líder da chamada União Cívica, Camacho é um católico fervoroso e oriundo das regiões mais ricas da Bolívia.

Áudios vazados demonstram a articulação do imperialismo para realizar o golpe por meio de seus mecanismos de guerra suja, com o objetivo de garantir os interesses econômicos e políticos na região. Por esses áudios, desconfia-se igualmente, do envolvimento do governo brasileiro na ação golpista.

O imperialismo volta a atuar na América Latina para acabar com quaisquer ensaios de mínima soberania nacional na economia.

Entendemos que deste modo, não podemos nutrir nenhuma ilusão pela via institucional e tampouco ceder à direita um único centímetro de direitos populares. Somente a organização popular dos/as de baixo pode garantir a manutenção e conquista de direitos sociais e econômicos. É só a auto-organização popular e a ação direta que pode derrotar a ação imperialista em nosso continente.

Que o povo boliviano derrote os golpistas nas ruas e construa referências de poder popular para esmagar o imperialismo e a extrema-direita boliviana!

Nenhum golpe civil-militar na Bolívia!

Que o destino dos povos não seja definido pelas Forças Armadas, mas sim pela luta popular!

Enfrentar o golpe das FFAA e a direita fascista!

Defender conquistas pela luta e organização!

Pela construção do poder popular!

Não passarão!

Coordenação Anarquista Brasileira (CAB)
Federación Anarquista Uruguaya
Federación Anarquista de Rosario (Argentina)
Federación Anarquista Santiago (Chile)
Organización Anarquista de Córdoba (Argentina)
Vía Libre (Colombia)

SOLIDARIEDADE AO POVO DO CHILE! CONTRA O AJUSTE E A REPRESSÃO DE PIÑERA!

Publicado originalmente em: https://anarquismo.noblogs.org/?p=1205


Como tem acontecido nos últimos anos em diferentes países da região, produto do surto de ajuste e repressão que atinge diferentes setores da classes oprimidas, vemos nas ruas uma grande resistência ativa e popular. Analisados em conjunto essas ondas parecem responder, como é geralmente, ao alinhamento de governos para interesses imperialistas.

Além do aumento do custo de vida, insegurança no trabalho, pilhagem dos ativos bens comuns, falta de moradia, saúde e educação, outro denominador comum é o repressão selvagem que os Estados realizam para conter as enormes mobilizações, em muitos casos com o uso da força militar.

Podemos dizer hoje que esse também é o caso no Chile. Viemos de décadas de luta pelo acesso à educação, moradia, em defesa do salário e acordos de recuperação de territórios ancestrais, com destaque para os/as estudantes, portuários, movimento de mulheres, assembléias comunidades ambientais e mapuche, entre outros setores.

Hoje explode massivamente a rebelião contra o aumento do transporte público, contra medidas do governo Piñera, que não hesitou em enviar as forças repressivas para rua – o mesmo que a ditadura de Pinochet -, e restringir ainda mais os direitos de protesto e participação política, impondo um toque de recolher e somando dois mortos e pelo menos 16 feridos até agora nos dias de repressão

Mas a resistência também aumentou e devemos reconhecer como uma conquista o fato de Piñera recuar com o aumento de passagem.

Assim como aconteceu no Equador, Haiti, Porto Rico, onde o avanço do poder popular conseguiu conter o ataque das classes dominantes, esperamos que o mesmo ocorra no Chile, onde os setores populares têm um rico histórico de lutas e resistência ao longo da história. Acreditamos que esse movimento iniciado por estudantes e outros setores populares, poderão colocar um freio tanto nas políticas neoliberais quanto à perseguição e repressão que o governo desencadeia nos de baixo.

Do anarquismo organizado, acreditamos que é de vital importância multiplicar nossa participação e promover ativamente esses processos de resistência popular, nascidos no acúmulo de tensões e reivindicações populares, orientadas a gerar objetivos, estratégias e alianças com diferentes setores da classe oprimida.

Mostra-se prioridade transcender e transbordar qualquer tentativa de liderar eleições, que os setores reformistas institucionais nos acostumaram (deslocando os interesses da classe oprimida pelos da burguesia), como eles tentaram no Equador, onde estavam claramente expostos e desorientados. A necessidade de uma greve geral e de uma grande mobilização para derrubar o ajuste e a repressão de Piñera está à vista.

A solidariedade ativa das organizações populares em todo o continente devem se expressar imediatamente em embaixadas, consulados e multinacionais chilenas com sede nos países da região.

Viva a luta do povo chileno!

Abaixo ao ajuste e a repressão de Piñera!

Arriba las/los que luchan!

CAB – Coordenação Anarquista Brasileira

FAU – Federación Anarquista Uruguaya

FAR – Federación Anarquista de Rosario (Argentina)

FAS – Federación Anarquista Santiago (Chile)

OAC – Organización Anarquista de Córdoba (Argentina)

[CAB] BASTA DE INTERVENÇÃO EM ROJAVA! TODO APOIO À REVOLUÇÃO CURDA!

Publicado originalmente em https://anarquismo.noblogs.org/?p=1201

Depois de mais de meia década a implantar um novo jeito de viver, produzir e existir – com ecologia social [1], com igualdade de gênero e derrotando o capitalismo, o terrorismo e o patriarcado cotidianamente em uma revolução social libertária [2], as e os bravos combatentes do Curdistão, no noroeste da Síria, hoje amanheceram precisando lidar com mais um ataque violento contra sua autonomia e seu povo.

Dessa vez, são os Estados Unidos, que se beneficiaram do fato de os exércitos curdos serem a única força terrestre [3] enfrentando cidade a cidade os fundamentalistas do Estado Islâmico, que agora abrem as portas e estendem o tapete para que a Turquia, governada pelo facínora Erdogan, cometa um genocídio feroz contra o povo curdo, destruindo sua revolução e tomando seus territórios liberados [4].

O povo curdo, através dos seus exércitos populares, destruiu o Estado Islâmico [5], perdendo mais de 10 mil combatentes que deram suas vidas pela liberdade de seu povo, ao mesmo tempo em que inaugurou um dos processos mais avançados de luta popular revolucionária, construindo, de uma só vez, uma sociedade anticapitalista, libertária, ecológica, com liberdade sexual e radicalmente feminista [6].

A brava rebeldia em Rojava, que muito nos inspira e cujos ganhos são também sentidos por nós, aqui neste canto do mundo, como sopros de esperança e luzes que apontam para o poder da ação direta e revolucionária feita sem Estado e sem patrão, é uma rebeldia que não se dobrou diante de cada nova investida do terror religioso e do terror de Estado, e que seguirá, mais uma vez, em pé, de punho erguido contra mais esse ataque se prepara no horizonte.

Nos solidarizamos radicalmente ao povo do Curdistão, denunciando que o imperialismo não hesita em atacar as ousadas experiências dos povos ao redor do mundo, e nos colocamos lado a lado às unidades de proteção popular em Rojava, estendendo o ombro fraterno e o punho militante sempre em riste a defender a revolução, a resistir ao imperialismo e a construir outro mundo sem estado, sem patriarcado e sem capital.

Todo nosso apoio à resistência curda!
Não ao ataque turco e a qualquer intervenção estrangeira!
Não arredar pé! Rodear de solidariedade os povos em luta!

  1. https://rojavaazadimadrid.org/la-ecologia-social-y-el-mundo-no-occidental/?fbclid=IwAR26EwNKsnAMW4CLleJ6E8zQTOaQK4VvP1O6JHLwULfTkY_YHy8d7oRK0UY
  2. http://www.seer.ufu.br/…/criticasociedade/article/view/39283
  3. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64452019000100009&fbclid=IwAR1drdTUv-meMrqJySU8nZv7Au219pPI2xFn84_pyZ52BtGhmzRf4w8-oD0
  4. https://sicnoticias.pt/mundo/2019-10-07-Curdos-sirios-alertam-que-invasao-militar-turca-vai-fazer-ressurgir-Daesh?fbclid=IwAR1evGEn3d4JNWkJNz-h_6WOg0dE4ISyfcbMPsHs49SmyPCsGspSHRbAfcc
  5. http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/06/forcas-curdo-sirias-expulsam-estado-islamico-de-kobane.html?fbclid=IwAR0GRi9QyU4tqyrM_ZGTRDsjxicaihWM_yc9GGja-62qLRA2faFer3XVWE4
  6. https://www.vice.com/pt/article/9kwpzv/a-revolucao-mais-feminista-que-o-mundo-alguma-vez-testemunhou?fbclid=IwAR0qOD9ESjNe_UwCINBAiK4awM3hwWKrzRUkr3Gew5nHxhIEvE6JYgSxpiM

[CAB] Contra a Fome, o Desemprego e a Vida Cara e Violenta para os Pobres.

Com mais de 200 dias de governo Bolsonaro, a situação do povo piora cada vez mais. Os ricos, os políticos e os jornalistas da grande mídia disseram que a aprovação da reforma da previdência ia tirar o país do buraco, fazer a economia crescer e melhorar a vida do povo. Mas a economia cresce mesmo é no bolso do patrão e na fatura do banqueiro.

A reforma da previdência é um ataque sobre o direito de aposentadoria das trabalhadoras e trabalhadores! É uma promessa para o mercado e não para os pobres. O que se chama de “mercado” é a briga de negócios dos capitalistas pra morder o filé e cortar na carne das classes oprimidas.

O projeto político do governo Bolsonaro e da sua corja de puxa sacos é de soltar os cachorros, tocar medo e acabar com os direitos duramente conquistados pelas classes oprimidas em uma vida de lutas e provações.

Um governo entreguista que deseja completar e aprofundar a entrega dos recursos naturais, como petróleo, minério e nossa água para as grandes economias capitalistas. Economias que desmatam criminosamente as florestas, que permitem todo o tipo de violência aos povos indígenas e que envenenam a comida, liberando produtos químicos extremamente danosos à saúde, para serem usados pelo agronegócio.

Um governo que quer vender as termoelétricas até 2020, o que causará o aumento da conta de luz para o trabalhador. Não podemos esquecer que o Brasil é um país de grande potencial energético natural, com vantajosas possibilidades de uso das energias renováveis como o sol, o vento e as marés.

Bolsonaro com seu ministro Paulo Guedes, vendeu oito refinarias da Petrobrás e o controle de distribuidoras da companhia. Também acabou como monopólio estatal do mercado de gás, o que causará na prática, aumento do preço do gás de cozinha e dos derivados do Petróleo. Praticamente tudo o que consumimos possuem derivados do petróleo. A gasolina e o diesel que já foram motivo de uma grande e poderosa greve de caminhoneiros e populares. O projeto de Bolsonaro é fazer o Brasil virar um quintal dos Estados Unidos.

Um governo que odeia os pobres e corta na carne do povo.

O desemprego no Governo Bolsonaro atingiu 12,1% da população. São mais de 13 milhões de pessoas desempregadas. Sem contar aqueles e aquelas que desistiram de procurar emprego e a quantidade enorme de trabalhadores(as) sobrevivendo de “bicos” e trabalho informal, o que aumenta essa massa pra quase 30 milhões.

Guedes e Bolsonaro aplicam uma política econômica ao gosto dos patrões:  baixam o poder de compra do salário do(a) trabalhador(a), deixam o peão ferrado e sem garantias no emprego, destroem vagas de trabalho e limitam a distribuição de riqueza e renda.

Essas medidas também têm como objetivo disciplinar o(a) trabalhador(a), chantageando e desorganizando a luta coletiva, a solidariedade, causando medo e reprimindo as greves. Aliás, o governo miliciano de Bolsonaro tem na lei antiterrorismo, assinada por Dilma Roussef durante as manifestações de 2013, uma grande aliada na perseguição de militantes e movimentos sociais, que convenientemente serão enquadrados como movimentos terroristas. Quando na realidade o verdadeiro terrorismo no Brasil é o dos poderosos contra a saúde, a dignidade e a vida do povo preto e pobre desse país. A justiça no Brasil não é cega, é racista e serve aos poderosos.

Tecnicamente já estamos vivendo uma recessão, que é quando a economia encolhe. Tal política de terra arrasada, tem como objetivo destruir o salário do(a) trabalhador(a) e permitir aos empresários explorar mais, controlar mais, pagando menos. Sem falar nos perdões às dívidas de banqueiros e empresários, que somos obrigados(as) a engolir goela abaixo.

Esse governo nefasto, junto a parlamentares e empresários aprovou a reforma da previdência na Câmara dos deputados, destruindo o direito de aposentadoria no Brasil. Muitos(as) trabalharão até a morte sem se aposentar. E os(as) que estavam para se aposentar, terão de trabalhar muito mais. Os militares ficaram fora da reforma da previdência. Eles são um grupo privilegiado que faz parte do governo entreguista e anti povo de Bolsonaro.

O PT e o governo Dilma abriram a porteira da desgraça quando cortaram investimentos e mexeram nas regras dos direitos trabalhistas como o seguro desemprego da juventude. O golpe aumentou o grau do ajuste contra o povo. No governo Temer, a elite brasileira congelou os recursos para a educação, saúde e serviços públicos com a PEC 95/2016. Bolsonaro e seu governo vão mais longe, cortam mais fundo na educação, na saúde e nos serviços sociais com o objetivo de entregar parte desses serviços para seus amigos da iniciativa privada e do capital financeiro. Eles governam aos socos e pontapés para o aprofundar o caos nos serviços públicos e a pobreza, aumentando ainda mais a opressão que desgraça a vida de muita gente, destruindo sonhos e a esperança de uma vida digna para todos(as).

A vida do pobre fica mais cara e difícil. Com essa política, o governo fez com que tudo aumentasse de preço. Os legumes e cereais aumentaram 12% este ano, segundo dados do IPCA (índice que monitora a inflação no país). Para se ter idéia, o feijão aumentou de 15 a 40%! Se alimentar ficou muito mais caro, enquanto nosso salário, vale menos. O aluguel subiu quase 5% no ano e o transporte público aumentou 7% apenas este ano. Essa política é planejada, governa a crise fazendo o pobre pagar a conta da farra dos capitalistas.

O resultado da política neoliberal apoiada por movimentos como o MBL e também por líderes religiosos e astros da TV, são a fome, a miséria, a exploração e um país mais oprimido e sufocado. “Liberdade Econômica” é o privilégio do burguês de tirar o couro do peão. Na surdina, o governo aprovou mais um ataque (às) trabalhadoras e (aos) trabalhadores: a Medida Provisória 881, que recebe o apelido infeliz de “MP da Liberdade Econômica” é uma legalização do abuso do patrão sobre os seus empregados e empregadas.

É mais um buraco pra quem trabalha se afundar. Quando fica frouxo o trabalho e o registro de ponto aos domingos, só tem um lado que ganha.Toda trabalhadora e trabalhador sabe que essa vantagem não é nossa. Que o “extra” daquele domingo fodido de trabalho vai fazer falta se a empresa não pagar indenizado e que se não tem horas registradas o supervisor, o gerente ou o carrasco te controla como quer e joga tudo no banco de horas pra não pagar um extra.

Ao lado do aumento do custo de vida e da redução do povo a um(a) trabalhador(a) saqueado(a) de seus direitos, o Estado brasileiro radicaliza o processo de matança nas periferias e no campo. No presídio de Altamira no Pará 62 vidas foram brutalmente tiradas pelo “deixa que os pobres se matem”. O recente assassinato de 5 jovens negros e da menina Agatha de 8 anos no Rio de Janeiro, estimulados pela política genocida do governador Witzel escancara um projeto que está na base do governo Bolsonaro, baseado no elogio à tortura, ao extermínio, ao encarceramento em massa e nas milícias assassinas como poder associado.

A saída virá nas ruas, com luta popular e ação direta!

Frente a esse quadro de dor, de pobreza e repressão, a saída só virá das ruas, do povo organizado. Em poucos meses de governo, já tivemos uma terrível amostra do aprofundamento do Estado Policial de Ajuste. Queremos uma vida digna, comida na mesa, condições dignas de trabalho, saúde e educação públicas; não queremos ver nossa juventude ser exterminada pelo braço armado de um Estado racista e genocida.

Queremos riqueza distribuída e democracia direta pra decidir nosso destino. Para enfrentar esses ataques, a ação direta, a solidariedade e a organização serão as armas na luta contra o avanço da destruição de nossas vidas.

Esperar as próximas eleições? Não!!! Não temos tempo pra isso! Só o povo salva o povo! Hora de dar um basta nos eleitoreiros, de construir independência dos governos e dos patrões. Construir uma mobilização popular que seja decisiva pela sua explosão nas ruas, no trabalho, nas vilas , favelas e subúrbios. Que possa parar  pela revolta popular o governo de ajuste e repressão, que não se reduz aos partidos eleitorais da democracia burguesa.

Frente a vida cara para os mais pobres e para a classe trabalhadora:

Frente ao genocídio do povo indígena e do povo negro:

Luta popular nas ruas pra derrotar os ataques e barrar a ação destruidora do governo Bolsonaro!

Fortalecer o sindicalismo combatente e de base, os movimentos sociais, a educação e a cultura popular!

Nenhum direito a menos! Que as riquezas sejam distribuídas ao povo! É isso que queremos, nem mais e nem menos!

[CAB] 28 DE SETEMBRO: ABORTO, DIREITOS REPRODUTIVOS E A LIBERDADE DAS MULHERES

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“Poderei ser presa, poderei ser julgada e enviada para a cadeia, mas não estarei nunca em silêncio; nunca consentirei ou me submeterei a autoridade e tampouco farei as pazes com um sistema que degrada a mulher à mera incubadora e que engorda graças a suas inocentes vítimas. Aqui e agora declaro guerra a este sistema e não descansarei até que se tenha aberto o caminho para uma maternidade livre e uma infância saudável e feliz.”

Emma Goldman no texto “The Social Aspects of Birth Control”, publicado na revista Mother Earth em abril de 1916. Tradução nossa. 

Em nossa construção anarquista e feminista, a autodeterminação reprodutiva sempre foi pauta defendida pelas mulheres em luta. Nesse 28 de setembro, dia de luta pelo aborto legal e seguro, pela descriminalização e legalização; no espírito de luta das Mujeres Libres, de Emma Goldman e tantas companheiras que nos precederam, refletimos sobre a conjuntura política à luz desta agenda tão cara para os direitos das mulheres.

Uma série de acontecimentos da conjuntura requerem nossa atenção e reação. Neste mês Bolsonaro anunciou que solicitou ao MEC um projeto para acabar com o que chama de “ideologia de gênero”[1] nas escolas, medida que objetiva interditar o debate de gênero e diversidade sexual no âmbito da educação. Na América Latina no geral há um forte movimento contra a suposta ideologia de gênero, levada a cabo por governos com apoio de bases católicas e evangélicas, numa guerra contra as mulheres e os avanços conquistados pelos movimentos organizados.  A censura nas artes têm tido como alvo prioritário as peças, filmes, livros e criações que tratam desse tema, como no exemplo recente da Bienal do Rio de Janeiro.

Após o lançamento do programa “Abrace Marajó”, da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, uma recente investigação na Ilha de Marajó demonstra a relação consequente da fome, da pobreza e da ausência de políticas públicas com a exploração sexual de meninas e mulheres. É um dos locais com os índices mais altos de exploração sexual infantil com meninas se prostituindo por comida, sendo abusadas pelos pais, tios, avôs e engravidando dos estupros cometidos pelos familiares. O Anuário de Segurança Pública 2019, divulgado também esse mês, traz as sangrentas estatísticas de aumentos de feminicídios e de estupros, com uma menina estuprada a cada 4 horas.

Uma nova resolução do Conselho Federal de Medicina retirou das mulheres grávidas a escolha sobre procedimentos indesejados sobre seus corpos se os médicos acharem que não é o melhor para o feto. Procedimentos dolorosos ou invasivos poderão ser feitos mesmo sem autorização das mulheres, em mais uma manobra onde a medicina tutela os corpos em nome dos direitos de um feto, deixando claro que para o sistema somos incubadoras, não pessoas de direitos.

O discurso religioso que contamina as políticas públicas segue se acirrando. O novo procurador-geral da República Augusto Aras assumiu compromisso com setores evangélicos através de um manifesto para valores cristãos e pautas morais. Na pauta, além da anticorrupção, estão temas como a proibição do aborto, reconhecimento exclusivo da família heterossexual e monogâmica, cura gay, combate ao nome social e reconhecimento de identidades de gênero, criação de cargos de estado para a “defesa da liberdade religiosa”. Em meio a crises no governo, há um movimento de maior aproximação de Bolsonaro com evangélicos para driblar as crises diplomáticas, a questão ambiental e os ruídos com o lavajatismo, acenando com mais isenções fiscais para as igrejas e reforço das pautas morais.

Por outro lado, as mulheres que são mães têm tido o futuro dos seus filhos arrancados pela mão do Estado racista e patriarcal a serviço do capital. Muitas mães choram a morte de seus filhos pela política genocida que corta nossa carne e é máquina de moer pobres e negros. Muitas crianças vivem a violência absoluta da miséria de tudo: não têm transporte, não têm moradia digna, não têm comida, não têm escola, não têm atendimento médico, não têm afeto. Os ricos e poderosos ao mesmo tempo impedem o direito de decidir das mulheres e nos matam com suas políticas antipovo que nos exploram só fazem aprofundar as desigualdades sociais.

Mas e o que tudo isso tem a ver com o aborto?

O tema do aborto é ainda uma questão relegada ao campo da religião, da moralidade e da clandestinidade. É pauta das feministas que defendem como um direito, mas também das igrejas e dos políticos, abordado numa agenda para a religião e um modelo de família.  O patriarca branco é a versão familiar do corpo político nacional. As narrativas disciplinadoras do controle da força reprodutiva e de trabalho das mulheres na família e na vida pública são pilares da ordem racial, sexual e econômica do capitalismo. O controle dos nossos corpos e o cisheterossexismo são instrumentos para a manutenção de uma ordem global baseada em explorações múltiplas. Todos os elementos que pontuamos se interligam demonstrando que as políticas de morte e de “vida” dos poderosos e o controle dos corpos mantém o sistema funcionando e reproduzem as desigualdades. É por isso que os temas chamados morais estão na ordem do dia da ofensiva conservadora e neoliberal em curso.

Nas ruas, pelo mundo afora, as mulheres gritamos pelo nosso direito de decidir. Nos congressos, nas igrejas, nas mesas dos poderosos de ternos e fardas, homens se unem para impedi-lo a todo custo. A legislação do aborto é feita por homens para os homens, onde a criminalização do aborto é um exemplo escandaloso da negação da liberdade das mulheres. Decidir ser mãe ou não ser mãe é a expressão de uma liberdade. Não reconhecemos nenhuma lei de deuses, homens, ou culturas que possam nos impor a maternidade ou a negação dela (no caso de políticas de esterilização). Não há nada que possa impedir uma mulher de interromper uma gestação. Mas o direito de decidir e políticas de educação e saúde sexual eficazes podem nos impedir de morrer.

Quando falamos em aborto, estamos falando não apenas do procedimento em si, que queremos disponibilizado na rede pública de saúde de forma legal e segura, mas de uma série de temas e pautas que envolvem os direitos reprodutivos. É uma questão que não admite debate no âmbito do ser contra ou a favor, mas sim no campo da saúde pública e do direito ao corpo. Quando falamos em aborto estamos falando de educação sexual, orientação de planejamento familiar, atendimento psicológico, acesso a contraceptivos, combate à desigualdade de gênero.

Não abrimos mão da liberdade de escolher. A luta pelo aborto legal e seguro é uma luta por liberdade, pelos nossos corpos, pelas nossas vidas. Não recuamos da luta contra o avanço conservador e pelo direito à vida plena de todos os corpos. Defendemos uma educação emancipadora de gênero e sexualidade como forma de combate à violência de gênero e à violência LGBTfóbica. Queremos autonomia e autogestão dos nossos corpos. Educação sexual para prevenir, contracepção para não engravidar, aborto legal, seguro e gratuito para não morrer. Precisamos estar organizadas e tomar as ruas em luta. Com ação direta, lutar contra o estado racista, o capitalismo e patriarcado. Construir o poder popular para barrar a opressão dos nossos corpos. É o caminho que nós, anarquistas, trilhamos.

POR NENHUMA A MENOS!

POR TODAS AS MULHERES MORTAS EM ABORTOS CLANDESTINOS NENHUM MINUTO DE SILÊNCIO!

TODA NOSSA VIDA DE LUTA!

Construir um povo forte! Construir mulheres fortes!

Coordenação Anarquista Brasileira

[1] “…termo cunhado pelo Vaticano, mas que hoje serve de guarda-chuva para reunir diferentes grupos de interesse que lutam contra o avanço dos direitos sexuais e reprodutivos, visando a preservar uma estrutura de poder que tem o homem branco heterossexual no topo de todas as hierarquias sociais. O termo é a divergência entre o movimento feminista e os interesses religiosos e políticos, que associa a luta por igualdade no âmbito dos direitos humanos com perversões e crimes como pedofilia, no delírio de uma conspiração feminista global.” Fonte: http://reporterpopular.com.br/especial-8m-mulheres-resistem-queimem-as-bruxas-ideologia-de-genero-e-a-guerra-contra-as-mulheres/