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[CAB] 25 de julho – Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha

TODA MULHER NEGRA É UM QUILOMBO!

“[…]. É preciso compreender que classe informa a raça. Mas raça, também, informa a classe. E gênero informa a classe. Raça é a maneira como a classe é vivida. Da mesma forma que gênero é a maneira como a raça é vivida. A gente precisa refletir bastante para perceber as intersecções entre raça, classe, gênero, de forma a perceber que entre essas categorias existem relações que são mútuas e outras que são cruzadas. Ninguém pode assumir a primazia de uma categoria sobre a outra.”

Ângela Davis.

Nós Negros e Negras e a condição de escravidão.

A estimativa é que, ao longo de 400 anos, tenham sido retirados da África 12,5 milhões de pessoas, em uma das maiores migrações forçadas da história. O Caribe e a América do Sul receberam 95% dos/as negros/as que chegaram às Américas. O Brasil recebeu quase a metade dos 11 milhões de pessoas escravizadas desembarcadas nas Américas.

O comércio da escravidão serviu como sustentáculo para a criação do capitalismo, quer pela acumulação de riquezas nas metrópoles – uma vez que o tráfico transatlântico foi o que gerou receitas para a criação das indústrias na Europa –, quer pelo próprio mercado da escravidão, que foi o negócio mais rentável nas Américas e que possibilitou a feitorização das colônias ameríndias para os séculos de exploração brutal e desenfreada das nossas “veias abertas”: as empresas negreiras eram altamente sofisticadas do ponto de vista empresarial, trabalhavam com altíssimas taxas de lucro – cerca de 20% líquidos por viagem*.

A colonização não teve apenas um sentido econômico central, possuiu também outros sentidos condicionantes, como o político e o social. Durante a colonização, houve um contato violento entre as culturas negras, indígenas e europeias, envolvidas em um projeto racista da elite brasileira, que investiu em um embranquecimento gradual e silencioso, mascarado de “democracia racial”. Moramos num lugar comum, perto daqui, chamado Brasil, feito de três raças tristes como já disse Belchior, mas esse mito das três raças que geram pela harmonia delas uma nova etnia, a brasileira, não é mais do que pura mentira, esconde toda a violência que sofreram as raças subjugadas nesse processo de dominação. É desse mesmo mito que surge as pérolas que dizem: “no Brasil não existe racismo”, “eu não sou racista” e que não conseguem enxergar que mesmo não havendo uma política de diferenciação, como foi o aparthaid dos EUA e da África do Sul, a integração brasileira foi tão sangrenta quanto. A verdade é que a formação do povo brasileiro surgiu de um estupro colonial, sagrado e paternal: a supremacia branca através do poder do Estado provocou um genocídio do povo negro e indígena, explorando nosso povo para a produção de riquezas. A palavra “estupro” é fundamental na descrição: concebido com a intenção de intimidar e aterrorizar as mulheres, os proprietários de escravos encorajavam seu uso terrorista para colocar as mulheres negras em posição de inferioridade. Praticamente todas as narrativas sobre a escravidão no século XIX trazem relatos de violência sexual sofrida pelas mulheres nas mãos de senhores e feitores, a conjugação da supremacia branca e masculina. Os portugueses já eram um povo mestiço antes da chegada ao Brasil, devido seu contato histórico com sarracenos, árabes e africanos. Por isso, não detinham o medo de “poluir-se” como tinham os dominadores norte-americanos e sul-africanos. Logo, parte do projeto de embranquecimento das nossas elites vinham pela prática do estupro. Já a palavra “sagrado” coloca-se em questão, pois tudo isso foi feito com as bênçãos de uma igreja branca e patriarcal (papa), de imagem e semelhança de seus deuses brancos, na qual proliferava aos quatro ventos e em favor dos ricos, que negros e negras não tinham alma à serem salvas.

Com a abolição formal da escravidão, não houve a tão sonhada integração do negro à sociedade de classes, o que gerou criminalidade e encarceramento. A opção por imigrantes não foi só uma opção de trabalho, mas de branqueamento da população, em uma “segunda fase” do projeto das elites brancas. Vivemos em uma sociedade racista, que explora e maltrata nosso povo negro desde violências policiais nas periferias urbanas e nas comunidades quilombolas, a violências simbólicas e institucionais.

Violências de gênero, classe e raça.

O racismo brasileiro encontra na misoginia um mecanismo eficiente de opressão. O racismo institucional atinge as mulheres negras assustadoramente, tendo em vista que são as mais afetadas pelas desigualdades socioeconômicas de um país ainda escravocrata e que vive um retrocesso dos direitos conquistados com muita luta pelos/as de baixo. Todas as reformas, Propostas de Emenda Constitucional e Medidas Provisórias arquitetadas pelos de cima vêm para atingir todos/as os/as de baixo, mas que terão impacto diferenciado sobre grupos historicamente esquecidos como as mulheres negras que são as que menos terminam o Ensino Fundamental e Médio, tampouco o Ensino Superior. São também as que mais trabalham, porém com rendimento mínimo e em condições de subemprego. São as que menos recebem assistência do SUS (como menor tempo de atendimento, maior mortalidade infantil e por doença falciforme etc.), o saneamento básico não chega em todas as nossas comunidades, fazendo com que sejamos as mais atingidas por doenças. De acordo com o mapa da violência (2015) o homicídio das mulheres negras cresceu em 54,2%. Em relação a violência doméstica 58,86% são de mulheres negras. A mortalidade materna das mulheres negras também é a maior com 53,6% e são as que mais precisam abdicar de algum aspecto de nossas vidas para dar conta de todas as barreiras colocadas pela supremacia branca e patriarcal – seja o trabalho que se quer, o lazer que se gosta, a família unida, dentre tantos outros.

Nos centros penitenciários femininos, segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) de 2014, duas a cada três detidas eram negras (68%). Das detidas, 57% eram solteiras, 50% tinham o Ensino Fundamental Incompleto e 50% tinham entre 18 e 29 anos. O Brasil é o 5º maior com população carcerária feminina. Esse é só um retrato do extermínio e da criminalização da população pobre, negra e periférica que tem suas vidas ceifadas através do braço armado do Estado – a polícia. Ainda de acordo com o Infopen, o tráfico de drogas é o crime que mais prende mulheres no Brasil. Esse número chega a 68%, seguido por roubo (10%) e furto (9%).

A guerra às drogas justifica a morte do povo negro nas favelas. E são as mulheres negras que mais sofrem com o extermínio de seus filhos/as, tendo em vista que os pais abandonam as crianças mesmo até antes de nascer.

A mídia contribui para a sensualização do corpo da mulher negra, o que é determinante para os casos de estupros. Como exemplo típico, é a mulher negra e jovem (e por que não dizer, nordestina no caso do Brasil?) que é a mais objetificada no Carnaval. Sem falar nas propagandas de cerveja, carro e outras mercadorias que, para serem vendidas, têm seu valor adjetivado pelo corpo feminino, na maioria, corpo de mulheres negras. A mídia reforça e naturaliza a concepção de que “a carne mais barata do mercado é a negra” e serve para apreciação e uso pelo homem.

As mulheres negras também sofrem quando não podem manifestar sua espiritualidade, cultura e religiosidade. São inúmeras as violências contra a umbanda e o candomblé – religiões de matriz africana – além da criminalização. Em 2015, casos como o da menina Kaylane Campos, atingida com uma pedrada na cabeça, aos 11 anos, no bairro da Penha, na Zona Norte do Rio, quando voltava para casa de um culto e trajava vestimentas religiosas candomblecistas, e de um terreiro de candomblé que foi incendiado em Brasília nos mostra o quanto a intolerância aliada à supremacia branca e cristã produz racismo e violência, disseminando o ódio.

Negras Resistências

Cada mulher negra que se mantém caminhando e enfrenta o racismo e o machismo em sua rotina diária é um ícone de força e celebração da negritude.

Desde o início da escravização no Brasil as mulheres negras permanecem firmes em resistências. Quer por meio de ação direta, como faziam as nossas velhas pretas nas cozinhas dos brancos, quer por meio da resistência organizada nos quilombos. Em muitos casos, a resistência das mulheres negras envolvia ações mais sutis do que revoltas, fugas e sabotagens, incluía por exemplo aprender a ler e a escrever de forma clandestina, bem como repassar para as mais novas conhecimentos tidos como subversivos pelos senhores.

Atualmente, a organização em movimentos sociais mistos, porém auto-organizados por identidade de gênero ou racial, são nossas ferramentas de luta. Só a organização e a autodefesa das mulheres negras contra o machismo, a supremacia branca, o capitalismo e o Estado podem nos libertar. Temos ciência que a luta parlamentar não nos trará frutos de resistência, pelo contrário, fortalecerá as novas correntes de escravidão.

O silenciamento de Tereza de Benguela – mais uma mulher negra negligenciada pela história brasileira – representa uma forma de fazer história para a qual não podemos nos curvar. Uma história branca, machista e eurocêntrica, que entoa muitos feminismos, mas que não cabe nas nossas fileiras. Grita a necessidade de construirmos um feminismo nosso, não eurocêntrico, com nossas raízes indígenas e quilombolas.

Viva Dandara!

Viva Tereza de Benguela!

Viva Negra Bonifácia!

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[1]                      * http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-67252011000100021&script=sci_arttext

Mais um episódio de racismo e agressão do Poder Repressivo do Paraná. Toda solidariedade a Renato Freitas.

Na tarde da última quinta-feira (25 de agosto), Renato Freitas, jovem advogado negro, foi detido pela Guarda Municipal por estar ouvindo “RAP muito alto” próximo a um prédio público no centro de Curitiba. Levado para delegacia, também acusado de desacato à autoridade, foi agredido, colocado nu em uma cela e ofendido com inúmeras injúrias raciais. Mais um exemplo da violência cotidiana que os jovens negros sofrem todos os dias nas mãos das polícias.

A criminalização e violência que jovens negros, pobres e da periferia sofrem diariamente são marcas de um sistema punitivo racista. As polícias são formadas para selecionar as pessoas negras, vigiá-las, criminalizá-las ou executá-las, e usam como desculpa um suposto “combate à violência” para justificar o terrorismo contra o Povo.

Mesmo considerando que a maior parte dos abusos cometidos por policiais não é registrada, alguns números que destacam o genocídio do povo negro e a violência policial já demonstram o absurdo: no Brasil, estima-se que por ano mais de 2500 pessoas negras são assassinadas (mais de 70% dos homicídios); são mais de 700 mil pessoas encarceradas em condições desumanas, e mais de 60% delas são negras; a polícia brasileira é a que mais mata no mundo (maior parte, pessoas que já se renderam).

Este ano, só no primeiro semestre a polícia do Paraná matou 156 pessoas. No Rio de Janeiro, ainda há luta pela liberdade de Rafael Braga, jovem negro e ex-morador de rua, foi preso por portar uma garrafa de pinho sol ao passar perto das manifestações de Junho de 2013. Em Maceió, das 898 pessoas assassinadas esse ano, apenas 2 eram brancas.

Todos os dias são milhares de Amarildos, Cláudias e Eduardos condenados à morte nas mãos da Polícia. Todos os dias a população periférica sofre o terrorismo do Estado nas mãos de Unidades Pacificadoras, Guardas Municipais militarizadas e da PM. Renato foi mais uma vítima, por ser negro e por estar ouvindo um estilo musical que representa a cultura popular, a resistência negra, periférica e crítica da sociedade. Estas barbaridades têm que acabar e só a luta popular pode transformar esta situação.

                Devemos rodear de solidariedade aquelas e aqueles lutam e resistem diariamente, aquelas e aqueles que são criminalizados e massacrados pelo Estado. E devemos urgentemente nos organizar enquanto Povo Oprimido nos movimentos sociais, e fazer as transformações por nossas próprias mãos, nós por nós!

Toda solidariedade a Renato Freitas!

Pelo fim da criminalização e genocídio do povo negro!

Liberdade para Rafael Braga!

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