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[CAB] MULHER É RESISTÊNCIA NA LUTA POR VIDA DIGNA!

Pubicado originalmente em https://anarquismo.noblogs.org/arquivos/1245

MULHER É RESISTÊNCIA NA LUTA POR VIDA DIGNA!

Entra ano, sai ano, e as condições das mulheres seguem ao descaso pelos de cima. No contexto atual, com um governo federal de extrema-direita, que destila ódio pelas “minorias históricas” e leva a cabo medidas de miséria, absurdos conservadores, perseguições e sucateamento da máquina pública, não nos faltam motivos pra seguir lutando e construindo a dignidade de nossa gente, pela esquerda e desde baixo. O Brasil é um país com dimensões continentais, que sofre ataques da mais suja corja da política institucional por todo o território, além de estar sujeito aos dissabores e desmandos de um judiciário racista, misógino, elitista e meritocrata. 

A América Latina é a região mais desigual do planeta (1), consequência direta de nosso passado colonial, em que a desigualdade tem gênero e raça. O projeto imperial baseado na escravização de populações indígenas e negras, no modelo colonial de família, do homem branco heterossexualformata o sistema no qual tudo passa a ser uma moeda econômica. A exploração econômica baseada na distribuição desigual da terra, no saque e na devastação de recursos naturais, na urbanização desordenada, num sistema desigual de arrecadação de impostos (que tributa o consumo e não a renda ou propriedade) e que muito pouco reverte em serviços para as populações, são fatores que estruturam a desigualdade do nosso povo.

Em nosso continente, os 10% mais ricos concentram uma parcela maior da renda e os 40% mais pobres recebem a menor fatia do que em qualquer outra região do mundo. A consequência é uma diferença profunda nos índices de expectativa e qualidade de vida e no acesso aos direitos mais básicos como educação, saúde, moradia, emprego e recursos.

Como reação, por toda a nossa América Latina, vimos a revolta popular acontecer no último período e sabemos que o que leva o povo pra rua é o alto custo de viver, a vida cara e violenta para quem mais luta e batalha todos os dias. É a insegurança no trabalho, a privatização dos bens comuns, a falta de moradia, saúde e educação, é o preço de se alimentar bem, do transporte coletivo, a violência desmedida aplicada pelo Estado contra quem vai às ruas para se manifestar; é a luta pela recuperação e demarcação de territórios ancestrais. Pelas ruas do Haiti, Equador, Chile se viu a mobilização de um povo forte e diverso, em que os movimentos de mulheres, assembleias populares e povos originários organizados tiveram o protagonismo das reivindicações da classe oprimida.

 

MULHER É RESISTÊNCIA NA LUTA CONTRA O DESEMPREGO

  Dados recentes do IBGE(2) apontam que, apesar de representar 52,4% da população em idade de trabalhar, o grupo feminino responde por mais da metade do nível de desocupação. No recorte por idade, gênero e cor, jovens mulheres negras são as mais prejudicadas pelo desemprego. Essas taxas foram observadas em todas as grandes regiões. As populações negras apresentam dados de que, ainda que busquem mais por emprego (algumas chegam a esperar dois anos nas filas de vagas), têm percentual de desocupação superior à população branca em aproximadamente dois terços. As recentes Reformas Trabalhista, da Previdência e Carteira Verde Amarela, que dificultam o acesso a possibilidades de trabalho e nos condenam a trabalhar até morrer, são medidas antipopulares de aprofundamento da política neoliberal, pois “facilitam” para os empresários e retiram cada vez mais direitos do povo que busca uma forma de sustento. Esses pontos tratam apenas do trabalho formal e são um sinal de que nem a informalidade está dando conta de absorver as pessoas que perdem o trabalho, quando a precarização é forte – dentro da categoria de desemprego,  existem até as pessoas que não se julgam aptas a trabalhar e por isso desistem de procurar emprego, fazendo o que podem para sobreviver. Nós mulheres também somos maioria  em empregos informais(3), terceirizados, mal-remunerados e com escassa proteção dos direitos. Somos milhões de diaristas, manicures, ambulantes, motoristas de aplicativo, entregadoras, faxineiras. Com longas jornadas de trabalho, duplas e triplas jornadas e nenhuma proteção social. Sem contar o avanço conservador, que planta a semente do ódio de gênero nas mentalidades empreendedoras e difunde que “não vale a pena contratar mulheres, pois elas engravidam e têm que tirar licença maternidade remunerada”. Em resumo: a mulher tem que ser dona de casa, tem que ter filhos e ficar em casa cuidando para que o marido possa trabalhar e prover a casa – a fotografia de uma família “de bem”. 

 

MULHER É RESISTÊNCIA NA LUTA CONTRA A VIOLÊNCIA

Em 2019, o IPEA publicou o Atlas da Violência(4), que traz dados sobre o aumento de casos de feminicídio nos estados brasileiros. Como se não fosse o suficiente, também há dados de que 60% das mulheres que vivem com seus companheiros sofrem violência doméstica, sendo 10% com casos de violência agravada. Ser mulher é ter que resistir até dentro de casa, quando o Estado legitima como crimes passionais assassinatos que não têm nada além de ódio de gênero.

Além da violência que sofremos dentro de casa, também enfrentamos a violência organizada de Estado que nos atinge seja pela ausência de serviços públicos de qualidade, seja pela mão armada de forças treinadas da PM e do Exército. Aqui fazemos memória ao assassinato de Marielle Franco, mais uma ação orquestrada entre tantas para dizimar o povo negro e pobre e para enviar um recado a todas e todos que se colocam contra o massacre desenfreado promovido nas periferias.

Se, por um lado, sofremos e vemos nossas conhecidas, amigas, irmãs, mães, filhas e vizinhas sendo submetidas a violências físicas, psicológicas e políticas cotidianamente, temos que ressaltar também o crescimento da solidariedade, dos olhares mais atenciosos a nós mesmas, que se reproduzem cada vez mais nas escolas, comunidades, universidades e sindicatos. União por meio de assembleias, espaços para denúncias, acolhimento e autocuidado, grupos que se preocupam com as necessidades básicas do lar das mulheres de baixo.

Rechaçamos os discursos tradicionais e conservadores dos poderosos e da mídia manipuladora de padrões que buscam proteger os valores familiares tradicionais, reforçando o modelo patriarcal!

MULHER É RESISTÊNCIA NA LUTA PELO ACESSO À SAÚDE

Os cuidados com a saúde também costumam ser relegados às mulheres, que cuidam de si e de familiares e dependentes. Começando pela alimentação, que é a chave da boa saúde, passando pelos cuidados com a higiene diária e, nos casos extremoschegando aos cuidados de pessoas acamadas e que necessitam de gestão da medicação e repouso, lá estão as mulheres da comunidade, batalhando pela integridade da vida.

Os planos de saúde no Brasil e na América Latina são considerados artigos de luxo para quem pode pagar. Gastos basais de manutenção de um plano podem chegar a 46% da renda de uma família(5), sem contar o gasto com medicamentos. O Sistema Único de Saúde – modelo exclusivo no Brasil – é a mão estendida para quem não tem como arcar com a saúde privada. Ainda que sofrendo ataques de desmonte cada vez mais, como fechamento de postos, demissão de funcionários/as, cortes na compra de materiais e medicamentos, atrasos nos salários, o SUS é a forma que o povo tem para acessar a saúde e o bem-estar.

No Chile, sonho econômico dos poderosos do andar de cima, a saúde é privada, caríssima e… precária! Os postos estão sempre cheios, os quadros não melhoram e os pacientes ainda têm que pagar pelo serviço prestado. Afundam-se em dívidas impagáveis, sendo que muitos/as idosos/as, já cansados de trabalhar e sem esperança de seguir vivendo de maneira digna, cometem suicídio(6).

A vida cara para o povo brasileiro afeta ainda mais as mulheres negras e periféricas, que resistem também ao racismo institucional e às políticas de branqueamento – desde os direitos reprodutivos até tratamentos especializados. E por falar em direitos reprodutivos, o caráter nefasto do governo atual sugere explicitamente a esterilização forçada em massa de mulheres negras ou em situação de rua, com a alegação absurda de que “a esterilização de pobres e miseráveis é um recurso necessário para o combater miséria e crime”(7) e (8). Ou seja, essa é a política pública defendida para as mulheres de baixo, ao invés de saúde e educação. Do outro lado, o puritanismo conservador do Estado faz questão de retirar a autonomia dos corpos femininos, dificultando a implementação do aborto seguro, minando ideologicamente a possibilidade do debate(9)por meio de argumentos falaciosos e de viés religioso(10).

MULHER É RESISTÊNCIA NA LUTA PELA EDUCAÇÃO

O acesso à educação e uma formação de qualidade ainda é uma realidade distante para muitas mulheres. A educação sexual e de gênero, que levamos como pauta nas lutas, foi retirada do PNE (Plano Nacional de Educação), assim como da nova BNCC (Base Nacional Comum Curricular). Enquanto isso, pelo menos 184 mil casos de violência sexual contra crianças e adolescentes foram registrados entre 2011 e 2017, de acordo com boletim epidemiológico do Ministério da Saúde. Ainda, núltimo dado do Ministério da Saúde, consta que 72% das pessoas que sofrem violência sexual são menores, sendo que 18% são menores de 5 anos. Nós, mulheres latinoamericanas que nos levantamos pelo direito de decidir sobre nossos corpos, gritamos “educação sexual para decidir, anticonceptivos para não abortar, aborto legal e seguro para não morrer”.

Não nos restringimos somente ao aborto quando falamos em educação sexual e de gênero, mas também sobre proteção, saúde, autocuidado e cuidado com o outro. Além disso, entendemos também que a discussão é uma ferramenta para que nós, meninas e mulheres, possamos identificar as diversas violências que sofremos ao longo de nossas vidas, assim como as desigualdades que nos atravessam. Como se não bastassem esses ataques, o que o governo propõe como “educação sexual” é uma campanha ridícula e fundamentalista pautada na abstinência sexual.

Sobre os últimos números da taxa de escolaridade, muitos  setores liberais e progressistas comemoraram o aumento da escolaridade de nós mulheres em relação aos homens. Todavia, ainda temos jornadas duplas e até triplas, fator que se agrava mais em relação às mulheres negras. Mesmo assim, nos instruindo por conta própria e com outras companheiras, enfrentando casos de assédio nos locais em que estamos, resistimos e avançamos.

As mulheres também são resistência na Educação Básica brasileira. Com mais de 2,2 milhões de profissionais pelo Brasil, 80% da rede é constituído por mulheres (dados do Censo Escolar da Rede Básica, INEP). As mulheres são a maioria na categoria de professores, assim como também são a maioria de trabalhadores da limpeza e merenda escolar. Nesse sentido, são essas mulheres que têm enfrentado diretamente a precarização e os ataques à Educação pública no país, que têm feito luta todo dia nas escolas das periferias, do campo e da cidade. Não podemos deixar de mencionar que, significativamente, a Educação Básica realizou diversas greves no decorrer de 2019; destacadamente, Mato Grosso e Rio Grande do Sul vivenciaram greves intensas de mais de 60 dias, com corte de salários, ameaças e perseguições. As mulheres, como maioria nessas categorias, estavam nas linhas de frente dos enfrentamentos, protagonizando as greves e defendendo a Educação Básica pública como direito. SOMOS RESISTÊNCIA NA LUTA PELA EDUCAÇÃO. Desde o movimento secundarista, nas universidades, nas escolas, nos movimentos de mulheres da floresta e do campo, lutamos por uma educação que seja autônoma, de qualidade, gratuita e libertadora.

MULHER É RESISTÊNCIA PARA ACABAR COM A FARRA DOS RICOS E A SANHA AUTORITÁRIA

Setores reformistas muito têm falado sobre o “voto feminista”. Mas nós, mulheres anarquistas, que nunca tivemos ilusões no parlamento burguês, rechaçamos esse caminho. Supor que novos “representantes” eleitos, mesmo que sejam mulheres feministaspodem promover justiça social é ingenuidade ou jogo de poder de quem opera na arena da política institucional, reformista e eleitoral. Nenhum avanço é feito se não pela pressão popular, pelo grito e pela luta das e dos de baixo. Ninguém sabe o que é melhor para nós do que nós mesmas. Os mesmos tiranos de sempre nos oprimem e retiram direitos. Os governos não passam de fantoches do mercado que usam o Estado para nos matar e lucrar, garantindo os privilégios dos ricos. O horror do sistema capitalista cruel e assassino, que destroça corpos e populações inteiras para garantir a exploração e interesses dos poucos que detêm dinheiro e poderNós acreditamos que todas e todos devem ter vez e voz de forma igualitária, o que não acontece quando há alguém no poder para decidir a partir de seus interesses. Acreditamos na igualdade e solidariedade entre nós mesmas. 

A atual cena política está conturbada pelo confronto aberto entre Congresso e Governo, com contornos de “crise institucional”, com convocação em favor de um golpe autoritário e que conta com o apoio aberto de figuras proeminentes no governo, como o general Augusto Heleno e o próprio presidente Jair Bolsonaro. Se, por um lado, reconhecemos que a tática reformista de disputar o Estado  não aponta para câmbios estruturais (ou seja, não está em jogo romper com as estruturas de dominação – econômica, racial e de gênero), por outro lado, não será com um aprofundamento da concentração do poder político nas mãos sanguinárias da milicada que as angústias do povo pobre serão solucionadas. Contra mais esse avanço conservador, que com certeza representará uma nova escalada no cerceamento das liberdades públicas e individuais (ainda mais contra nós, mulheres) a saída é uma só: a radicalização da democracia, ultrapassando os limites do fajuto sistema representativo burguês. Assim como às mulheres cabe o direito de decidir sobre nossos corpos, é direito do povo definir diretamente qual será seu futuro. Contra a sanha autoritária dos milicos e o saque dos ricos aos bens coletivos, construir uma frente das e dos oprimidos contra o modelo antipovo e de ajuste e repressão!  Pelo direito popular de tomar decisões sem intermediários, pela anulação do sistema da dívida pública (que sequestra 50% do orçamento nacional para pagar o sistema financeiro), da reforma trabalhista (que cortou direitos da classe trabalhadora) da reforma da previdência (que liquida com aposentadoria da maioria e o seguro social que protege os vulneráveis), e contra todos os cortes de verbas e leis de arrocho sobre a saúde, a educação e programas sociais! 

O fruto que produzimos é resultado da semente que plantamos. Só alcançaremos vitórias se a mudança for feita dentro de um espírito de revolução social, sem conciliação, sem parlamentos, trazendo uma transformação completa das condições de exploração que vivemos. O bolo dos ricos é feito do que nos roubam. É nossa tarefa nos mantermos firmes na luta e nos prepararmos para tomar o que nos pertence. Lutar contra a pobreza e o aumento do custo de vida para o povo brasileiro e pela distribuição igualitária das riquezas. Lançar mão do que for necessário para dividir esse bolo, pois violentos são os que nos exploram. 

Com autorganização e democracia direta, construir o caminho para cobrar essa dívida.

LUTAR E RESISTIR NAS RUAS!
8M NAS JORNADAS DE LUTA DAS MULHERES!
14M EM MEMÓRIA DE MARIELLE FRANCO E CONTRA A REPRESSÃO E AS POLÍTICAS DE MORTE DO ESTADO!
18M NA LUTA NACIONAL DA EDUCAÇÃO E PELA DEFESA DOS SERVIÇOS PÚBLICOS!
A DERRUBAR ESTADO, CAPITALISMO E PATRIARCADO!
MULHER É RESISTÊNCIA NA LUTA POR VIDA DIGNA!

 

No Batente #7 – 100 anos da Greve Geral

Este é o sétimo número do jornal No Batente, órgão de informação e análise do Coletivo Anarquista Luta de Classe (CALC). Ficamos felizes por mais uma edição poder chegar aos companheiros e companheiras de luta!

Nesta edição, lançada em julho/agosto de 2017, homenageamos os 100 anos da Greve Geral de 1917 no Brasil, relembramos a histórica onda de ocupações de escolas secundárias no Paraná em 2016 e colocamos elementos sobre os 5 séculos de resistência dos povos originários no Brasil e mais.

Leia o no BATENTE #7 clicando no link – NO BATENTE #7 – ou na imagem acima.

Jornadas Anarquistas 2017, Montevidéu – Uruguai

Na tarde do dia 13 de fevereiro, a Federação Anarquista Uruguaia recebeu delegações de distintos lugares para uma mesa redonda entre organizações políticas, desde a concepção especifista que marca nossos modos de atuar e organizar. O propósito desta reunião internacional, que dá sequência a edição de Porto Alegre (Brasil) em 2015, foi o de ampliar em nossa região do mundo o debate sobre os elementos da etapa sistêmica e o que traz de específico a atual conjuntura histórica. Trocar informações, experiências e análises para a atuação social política do anarquismo organizado hoje, com os problemas e matizes que nos apresentam o tempo em que lutamos e resistimos.

Já faz tempo que importantes problemas teóricos, metodológicos e também políticos estão colocados e exigindo uma atualização de acordo com a nova situação que nos toca viver” diz um documento apresentado ao plenário.

O socialismo esteve presente e fazendo propostas no marco deste período histórico de tantas mudanças. Muitas são as experiências que tem colhido, não poucos são seus fracassos também. Quantos de seus paradigmas caíram junto e concepções inteiras tem demonstrado na prática que não conduziam ao propósito enunciado. Toda uma concepção autoritária, de instalação do socialismo por cima, tem ido pro ralo. Nem por isso o socialismo caiu. Segue sendo o antagonista do sistema vigente.

O acento posto pelo socialismo libertário na capacidade de resistência dos povos, no saber que sua experiência social constrói, a solidariedade tantas vezes praticada, são hoje mais necessários do que nunca. Não é a ciência, nem o desenvolvimento das forças produtivas, nem a ‘história’ em si e nem o progresso os que trarão mudanças que a humanidade e os pobres do mundo necessitam, hoje talvez mais pobres do que nunca .”

O documento aponta em seus parágrafos finais: “Colocando a bom serviço a técnica, a ciência e as teorias mais atualizadas e fecundas, as organizações de combate, políticas e sociais inseridas profundamente no processo em curso, com suas aspirações éticas e firme vontade resistente, terão que fazer o novo sulco deste tempo. (…) Que não arrotem vitórias prematuras os inimigos e os capituladores. Não haverá fim da resistência e da esperança

Em seu conjunto participaram delegações da FAU (Uruguai), Federação Anarquista de Rosário (Argentina), Via Libre (Colômbia), Federação Comunista Libertária e Comunidades Organizadas (Chile), FARPA, CALC, FARJ, FAG, Org. Maria Ieda (pela CAB Brasil), OSL (Suíça), Alternativa Libertária e Coordenação de Grupos Anarquistas (França).

Adiantamos sinteticamente que o acordo geral que chegamos aponta neste momento ao nosso desenvolvimento teórico-político articulado com o aumento da incidência libertária nas dinâmicas de luta e resistência da cena social política.

Reproduzimos abaixo recortes do texto que foi considerado durante a plenária e que tematizam o acionar do sistema em nossa época e aparecem categorias de análise para nossa produção teórica.

Estaremos publicando em breve o texto integral.

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Neoliberalismo no econômico, no ideológico e nas relações sociais

As mudanças que trouxe todo o processo de um período histórico, o que tem sido chamado de “reforma neoliberal”, ou simplesmente “neoliberalismo”, incluiu o que já é mais que conhecido: mercantilização dos serviços de saúde, pensões e seguros, as transformações substantivas do sistema educativo, as privatizações de empresas públicas, a introdução nas instituições estatais de modalidades de gestão próprias do setor privado, os mecanismos de flexibilização laboral e de contratações, etc. Junto a isso a injeção no ideológico social de uma “cultura de empresa”. Não é um processo de mudança que pode ser explicado só através do econômico, intervém nele, simultânea e constantemente fatores de outra ordem como: o político, ideológico, cultural, judicial e mudanças de racionalidade geral.

Dita mudança produziu como efeito uma grande fragmentação no campo social, especialmente no âmbito dos oprimidos e explorados. Um profundo individualismo, um processo massivo de individualização, que mudou boa parte do caráter das relações, tentou instalar outras modalidades que tem como centro a instabilidade e a fluidez. Onde o sentimento de pertencer a coletivos e comunidades sociais é deslocado com intenções de faze-los desaparecer.

Com razão que tem sido dito que estamos ante uma situação social histórica onde domina o mundo um sistema ecocida e genocida que está levando a humanidade à beira do precipício. Junto com uma política de exacerbação do consumo, que se designa como consumismo, vai uma destruição brutal da natureza, do ecosistema.

Biopolítica que mata e/ou deixa morrer

As perspectivas, no marco do sistema dominante, não são nada boas, são macabras. Sua política, sua forma de produção não mudam os rumos, fazem parte substancial de sua eistência. Sua depredação da natureza, sua exploração humana e a criação de miséria e “população sobrante” seguirão como suas dependentes.

É a presença de uma nova biopolítica onde hoje se combinam fazer morrer e deixar morrer, mais do que fazer viver.

Por estratégias de poder mundial temos: guerras de intervenção com massacres de populações, milhares de assassinatos de civis, destruição de hospitais, sequestros e assassinatos de prisioneiros, cadeias clandestinas em diferentes países para a tortura brutal e o assassinato, os ataques com drones tão “cirúrgicos” e “precisos” que deixam centenas de civis assassinados. Enormes populações desses “estados falidos” que depois de seu destroço ficam a deriva, mergulhados na fome e no desespero. Essas enormes populações de imigrantes vivendo em barracos até militarmente controlados e sem o mais elementar pra sobreviver. Multidões a nível mundial estimadas pelo poder como material sobrante que não importa nada, que pode se deixar que morra. Vão produzindo um enorme contingente humano que está expulso de todo direito, está preso para fora e sua vida não vale nada. Pois a lógica operante é: não são necessários para a produção e não tem capacidade de consumo.

A resistência que se manifesta dia a dia

As mudanças sistêmicas referidas estão aí, abarcando todo o tecido social. (…) mas isso ocorre no marco de um processo permanente de tensões sociais. De rebeldias, enfrentamentos, insatisfações, fortes resistências.

Ainda que a Resistência existe ao extenso e largo do poder dominante e tem múltiplas expressões regionais, não tem que ser necessariamente algo atomizado. Pelo contrário, distintos nós resistentes, agrupamentos, estendem frequentemente laços entre si e compõem em tais circunstâncias forças sociais que originam mudanças conjunturais. Como modo de exemplo tomemos a militância comum de camponeses, indígenas, feministas, ecologistas e grupos de DDHH ou levantamentos populares compostos por uma gama de resistências como na chamada Primavera Árabe ou no movimento Indignados da Espanha. Muitos processos de subjetivação em meio de tensões que são unidos por laços solidários. Processos subjetivos, engendrados em confrontações, que podem ser políticos e com propostas próprias em determinadas circunstâncias.

As resistências, por tanto, não são marginais senão ativas no centro de uma sociedade que se abre em redes; existem, nos fatos, os militantes do mundo dos oprimidos capazes de viver a miséria do mundo até o final com rebeldia e liberdade, de identificar e enfrentar as novas formas de exploração, dominação e sujeição.

Nossas reflexões e a atualidade

Nos anima então uma o propósito interessado de refletir sobre enfoques teóricos que possam resultar efetivos estrategicamente para confrontar-se com formações empíricas, favorecendo assim uma concepção de de teoria social não divorciada de uma prática de ação política com intenções de ruptura. Ao mesmo tempo, se tenta buscar uma alternativa conceitual frente aos numerosos problemas que hoje proliferam, e que em vez de tomar seriamente a pluralidade e a contingência de um mundo social que tem se transformado, por suposto sem tocar no núcleo duro do sistema mundo capitalista, termina ignorando as significativas variações existentes na vida coletiva contemporânea, gerando assim estancamentos e certas fossilizações no âmbito teórico-político com suas consequências no campo da ação social-política.

Por exemplo, esta nova configuração sistêmica traz consigo, além de uma nova racionalização, uma nova forma de Estado. Constituído em um processo, já tem elementos diferentes do Estado chamado de bem estar social. Mantém sim, mas dentro de outra articulação, o caráter repressivo das demandas de autonomia dos indivíduos e os coletivos, seu papel de contenedor dos conflitos sociais, seu monopólio da força repressiva. Em qualquer caso a dinâmica e determinadas críticas das classes detentoras do poder dominante coincidiram na necessidade de dar uma virada de página e de superar (reformando a fundo) a racionalidade welfarista (Estado de bem estar) em curso. Criou assim, em enunciados “teóricos” e nos fatos uma nova racionalidade, para a atual situação do sistema em seu conjunto como para o Estado que o integra. Não interessa um Estado não interventor, mas que sua intervenção seja de determinada maneira. Seja salvando bancos falidos depois de grandes roubos; fazendo espaço e apoiando o capital financeiro; criando forte controle sobre populações jogadas na miséria e descontentes; ou criando estados de exceção para zonas estimadas por eles perigosas no seio de países “democráticos”.

Para um conjunto dessas práticas, um dos discursos de verdade, uma ideologia operativa, será o da segurança da população, Ela vai cumprindo macabras funções ao mesmo tempo que pretexta levar a democracia e defender direitos fundamentais no terreno exterior, a países e regiões, com essas frequentes e criminais ocupações ou destruição de países que suas estratégias geopolíticas de poder indicam.

Uma nova ordem interior respaldada por um sistema de informação geral, “uma espécie de mobilização permanentes dos conhecimentos do Estado sobre os indivíduos”. Isto implica uma nova modalidade de relação entre o saber, a informática e o poder: não se trata exatamente da informação e do saber ao mesmo tempo global e individualizante da era das disciplinas, mas de um saber abarcador, massivo, que quer captar os grandes movimentos de conjunto. Importam especialmente territórios, “zonas vermelhas”.

Outro aspecto para que esta nova ordem interior funcione, é procurar a constituição de um “consenso” que possa significar uma certa regulação feita efetiva pelo mesmo povo oprimido que faça que “a ordem se autoengendre, se perpetue, se autocontrole”.

Para isso além dos mecanismos e dispositivos do sistema intervirão organizações e expressões sociais “amigas” que se desenvolvem no campo popular e que nos fatos já estão integradas no sistema. Que pensam com a mesma lógica.

A nova estratégia de governo e novo Estado neoliberal consiste em garantir os fluxos (financeiros, humanos, tecnológicos, etc.) e maximizar a proteção em áreas de circulação massiva. Nesse sentido, se identificam zonas chave para a segurança e a economia (centros comerciais, aeroportos, jurisdições fronteiriças, etc) e logo se calculam os custos e benefícios do investimento em dispositivos de vigilância, que traçarão a linha divisória entre zonas seguras e zonas desprotegidas. O fim é “poder determinar em cada momento quem se desloca, de onde vem, aonde vai, o que ele faz ali onde está, e se efetivamente tem acesso a rede em que se desloca e se tem ou não proibição”.

[CAB] 25 de novembro: Dia Internacional da Não-Violência Contra a Mulher. Lutar contra todos os tipos de violência hoje e sempre!

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O dia 25 de novembro foi instituído como o Dia Internacional da Não-Violência Contra a Mulher em 1999, homenageando as irmãs Pátria, Minerva e Maria Teresa Mirabal, “Las Mariposas” – brutalmente assassinadas em 1960 a mando do ditador Rafael Leônidas Trujillo, da República Dominicana. As três, que combatiam corajosamente a ditadura de Trujillo, foram estranguladas por agentes do Serviço de Inteligência Militar dominicano que, para simular um acidente de carro, jogaram seus corpos em um precipício. Em 2016, o movimento feminista também lembra os dez anos de vigência da Lei Maria da Penha.

Em vários espaços, várias formas de violência destroem nossas vidas: violências domésticas, no ambiente de trabalho, nas ruas, nos transportes coletivos, nas escolas e universidades – quer sejam violências físicas, sexuais, psicológicas ou simbólicas. O Estado, o patriarcado e o capitalismo estão intimamente envolvidos na opressão e repressão de nossos corpos e vidas.

Em série especial chamada “Violência contra a mulher no mundo”, de 2014, a Organização das Nações Unidas (ONU) reúne dados importantes para entendermos o problema social da violência contra a mulher. Segundo este documento, a violência contra a mulher é a violação de direitos humanos mais tolerada no mundo. Essa pesquisa usa o termo feminicídio para designar toda violência contra mulher que leva ou pode levar à morte.

Os números do feminicídio são alarmantes e se dividem majoritariamente entre 1) feminicídios íntimos: 35% de todos os assassinatos de mulheres no mundo são cometidos por um “parceiro”; 2) feminicídio não-íntimo: são crimes cometidos por alguém que não tenha relações íntimas com a mulher. A América Latina é uma das regiões mais conturbadas por crimes como estes: estupros, assédios e assassinatos; 3) crimes relacionados ao dote: é mais evidente no continente asiático, onde a cultura do “dote” ainda é forte; 4) casamentos forçados: mais de 100 milhões de meninas poderão ser vítimas de casamentos forçados durante a próxima década; 5) mutilação genital feminina: mais de 135 milhões de meninas e mulheres vivas já foram submetidas a essa prática aviltante em 29 países da África e Oriente Médio; 6) “Crimes de honra”: são homicídios de mulheres, jovens ou adultas, a mando da própria família, por alguma suspeita ou caso de “transgressão sexual” ou comportamental, como adultério, recusa de submissão a casamentos forçados, relações sexuais ou gravidez fora do casamento – mesmo se a mulher tiver sido estuprada. O crime é praticado para não “manchar o nome da família”. 5 mil mulheres são mortas por “crimes de honra” no mundo por ano.

Além disso, segundos dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em todo o mundo, 52% das mulheres economicamente ativas já sofreram assédio sexual no ambiente de trabalho.

Em um documento chamado “Diretrizes Nacionais para Investigar, Processar e Julgar com Perspectiva de Gênero as Mortes Violentas de Mulheres – Feminicídios”, pesquisa aponta que no Brasil, a taxa de feminicídios é de 4,8 para 100 mil mulheres – a quinta maior no mundo, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).

No nosso país, 43% das mulheres em situação de violência sofrem agressões diariamente; para 35%, a agressão é semanal, segundo o Centro de Atendimento à Mulher. Em média, a cada 11 minutos uma mulher é estuprada em nosso país, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Num ranking mundial elaborado pelo Fórum Econômico Mundial, que analisou a desigualdade de salários entre homens e mulheres em 142 países, o Brasil ficou na 124ª posição, com uma previsão de 80 anos para que elas ganhem o mesmo que eles. Igualdade de salários só em 2095! As brasileiras ganham, em média, 76% da renda dos homens, segundo o IBGE.

Segundo o mapa da violência de 2015, a população negra, com poucas exceções geográficas, é vítima prioritária da violência homicida no país. As taxas de homicídio da população branca tendem, historicamente, a cair, enquanto aumentam as taxas de mortalidade entre os negros. Por esse motivo, nos últimos anos, o índice de vitimização da população negra cresceu de forma drástica. O número de homicídios de mulheres brancas caiu de 1.747 vítimas, em 2003, para 1.576, em 2013. Isso representa uma queda de 9,8% no total de homicídios do período. Já os homicídios de negras aumentaram 54,2% no mesmo período, passando de 1.864 para 2.875 vítimas.

O principal agressor da mulher é o seu “companheiro” ou “ex-companheiro” e o local onde é realizada a agressão é, em 71,9% dos casos, o ambiente privado (residência), seguido da rua com 15,9%. A violência física é a mais frequente (48,7%), seguida da violência psicológica (23%) e, em terceiro lugar, vem a violência sexual (11,9%).

Todos estes dados passam longe da cruel realidade das mulheres, pois muitas violências e violações não são sequer denunciadas, mas servem à reflexão sobre a dimensão do problema da violência contra a mulher no mundo. Pensar em um processo de transformação social exige necessariamente que pensemos no enfrentamento a todas as formas de violência contra a mulher, cotidianamente, através de nossas organizações políticas e movimentos sociais.

O Estado, através dos poderes executivos, legislativos e judiciário negligencia políticas públicas de gênero, oprime e criminaliza as mulheres. A mídia machista objetifica nossos corpos e legitima as violências de gênero. O capitalismo nos explora mais e nos paga menos pelos mesmos serviços.

A atual conjuntura de corte de direitos sociais em nosso país avança também sobre nossas liberdades. A conhecida lei da mordaça impede professoras de abordar em sala de aula assuntos como diversidade sexual e de gênero. A contracepção através da pílula do dia seguinte pode ser barrada. O aborto é proibido, criminalizado e sua ilegalidade já fez centenas de mulheres pobres vítimas em clínicas clandestinas neste ano.

É urgente nossa organização e auto-organização para barrar o capitalismo, o patriarcado e o Estado, pois sabemos que só através da luta social cotidiana, internacionalista, desde baixo e à esquerda podemos transformar essa realidade.

Precisamos tomar as ruas contra as ofensivas do Estado, fortalecer a auto-defesa e criar espaços de solidariedade para o enfrentamento a todos os tipos de violências contra a mulher. Façamos nós por nossas mãos tudo o que a nós nos diz respeito!

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Construir mulheres fortes!

Construir um povo forte!

Coordenação Anarquista Brasileira (CAB)

[CAB] 28 de setembro: Dia de Luta pela Descriminalização do Aborto na América Latina e Caribe

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“O sistema machista quer nos proibir com um papo furado, mas se homem engravidasse já seria legalizado.”

Brisa Flow

O dia 28 de setembro foi escolhido como o dia de luta pela descriminalização e legalização do aborto durante o V Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe, realizado na Argentina, em 1990.  Mas a discussão sobre o tema não é recente, pelo contrário. Em nossa tradição feminista e anarquista, Emma Goldman defendia em seus escritos a necessidade de descriminalização do aborto, bandeira que levantou em sua atuação sindicalista nos EUA e na União Soviética, após sua deportação.

Na Rússia Soviética, o decreto de 1920 tornou visíveis as necessidades das mulheres de interromper a gestação e tornou o aborto legal. Para o acesso ao aborto as mulheres enfrentavam uma burocracia absurda e seus pedidos entravam numa “lista de prioridade”. Aos olhos do Estado, o desemprego, a pobreza e a ilegitimidade levavam as mulheres a abortar, sendo quase impossível o acesso ao aborto legal quando se tratava de uma escolha da mulher em outras circunstâncias. Além disso, na URSS os médicos não utilizavam anestesia nas cirurgias de aborto, pois eram consideradas de menor importância, provocando um sofrimento doloroso para as mulheres e fazendo com que mesmo sendo legal, muitas mulheres recorressem ao aborto ilegal ou não abortassem. No curto verão da anarquia na Espanha, em janeiro de 1937 o Conselho de Saúde Catalão promulga um decreto de liberalização e controle do aborto nos hospitais.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 8,7 milhões de brasileiras com idade entre 18 e 49 anos já fizeram pelo menos um aborto, destes 1,1 milhão foram provocados.

O papel socialmente atribuído à mulher na sociedade faz com que derrubem apenas sobre os nossos braços a responsabilidade de prevenção e cuidado e o peso da gravidez. Percebemos que no círculo criminalizante do aborto, sempre somos nós, mulheres, as mais penalizadas. Respondemos com nossos corpos e nossas liberdades por uma gravidez gerada por homens e mulheres.

No Brasil o aborto é crime. A mulher que aborta, e quem quer que a auxilie, podem ser penalizados. Exceto os casos em que o aborto é legal no Brasil: risco de vida da mãe (diagnosticado de forma bem imprecisa pelos médicos e nos últimos momentos antes do parto, ou mesmo durante), em caso de estupro e quando o feto é anencéfalo. Fora estes casos, a mulher que comete o aborto é enquadrada no artigo 124 do Código Penal. Código este que é bastante ineficaz para evitar o aborto, mas totalmente eficaz para matar as mulheres.

Disto tiramos duas consequências sociais principais: nós, mulheres do povo, devemos procurar clínicas clandestinas e sem segurança para abortar. As mulheres que não tem como pagar colocam sua vida em risco com métodos caseiros. As ricas conseguem abortar sem riscos indo para fora do Brasil. As que pagam, mas realizam o procedimento aqui, ainda correm risco de morte, pois na maioria das vezes as clínicas clandestinas não possuem estrutura. O caso mais recente foi o da Caroline, grávida de cinco meses e mãe de uma menina de 10 anos, que procurou a clínica para o procedimento e acabou morrendo com um corte na barriga. A outra consequência é que mulheres podem ser presas por causar aborto. Como anarquistas, somos anticárcere e não aceitamos, de nenhuma forma, que mulheres sejam presas por interromper a gestação. O aborto não é um caso de polícia, mas sim de saúde pública! Quantas morrerão até que algo seja feito?

Nestes tempos em que cresce o conservadorismo espelhado em instituições e pessoas “públicas”, vemos nossos direitos cotidianamente ameaçados. A figura repugnante do ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, levou ao Congresso muitos projetos de lei que ameaçam nossas vidas, dentre eles o PL 5069/2013, que torna crime o anúncio de métodos abortivos e a prestação de auxílio ao aborto, especialmente por parte de profissionais de saúde. Além disso, o PL 5069/2013 tem impacto direito no atendimento às vítimas de violência sexual, uma vez que considera estupro apenas as práticas que resultam em danos físicos e psicológicos e que a prova deverá ser realizada por exame de corpo de delito.  Eduardo Cunha também é autor do PL 1545/2011 que prevê pena de 6 a 20 anos para médicos ou médicas que realizam aborto, além da cassação do registro profissional.

Além das ameaças ao aborto legal para casos de estupro, o acesso a métodos contraceptivos também segue sendo ameaçado. O PL 1413/2007 de Luiz Bassuma, proíbe a distribuição, a recomendação pelo SUS e a comercialização pelas farmácias da pílula do dia seguinte. O mesmo deputado é autor do Estatuto do Nascituro (PL 478/2007), que proíbe o aborto mesmo em caso de estupro e transforma o aborto ilegal em crime hediondo.

Só a luta e a organização nas ruas podem barrar o avanço do conservadorismo sobre nossos corpos. Precisamos estar organizadas, quer em movimentos sociais mistos, quer em movimentos auto-organizados por mulheres. A construção do poder popular para barrar a opressão dos nossos corpos é o caminho que nós, anarquistas, trilhamos. E o poder popular se constrói cotidianamente, nas lutas populares, por fora das urnas, de forma horizontal e independente, sempre tendo na mira o socialismo libertário em que nós mulheres possamos ser verdadeiramente livres.

POR TODAS AS MULHERES MORTAS EM ABORTOS CLANDESTINOS NENHUM MINUTO DE SILÊNCIO! TODA NOSSA VIDA DE LUTA!

Construir um povo forte! Construir mulheres fortes!

Coordenação Anarquista Brasileira

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[CAB] Contra a cultura do estupro, a resistência é a vida.

https://anarquismo.noblogs.org/?p=492

A Coordenação Anarquista Brasileira (CAB), reunida em plenária nacional, quer declarar seu completo repúdio e indignação com o caso de estupro coletivo de uma adolescente de 16 anos por mais de trinta homens ocorrido na cidade do Rio de Janeiro.

A cultura do estupro não é recente em nossa história, pelo contrário, está na gênese da formação social do Brasil, pois sob a consígnia da miscigenação cultural existe um país formado a partir do estupro colonial de negras e indígenas.

A cultura do estupro existe a partir da inadmissível ideia que os corpos e as vidas das mulheres servem naturalmente à dominação masculina. Reside em nosso meio como permanente lembrança que vivemos em uma sociedade extremamente violenta com as mulheres, caracterizando um quadro de guerra civil contra as mulheres, em que todos os dias morrem algumas das nossas.

Ainda que antiga, a cultura do estupro se fortalece em momentos conjunturais de negação do direito e da existência humana das mulheres. É o momento em que vivemos, quando o o patriarcado e a religião, institucionalizados por meio do Estado, cortam possibilidades de existência digna por todos os lados: saúde, educação, trabalho, cultura e mobilidade.

Levantamento do IPEA, feito com base em dados de 2011, mostrou que 70% das vítimas de estupro no Brasil são crianças e adolescentes; cerca de 15% dos estupros registrados no sistema do Ministério da Saúde envolveram dois ou mais agressores; 70% dos estupros são cometidos por parentes, namorados ou amigos/conhecidos da vítima. De acordo com dados mais recentes, em 2014, o Brasil teve um caso de estupro notificado a cada 11 minutos. Diante deste cenário, preocupa-nos a chegada das Olimpíadas no Rio  de Janeiro, pois sabemos que o acontecimento de megaeventos contribui para o aumento da exploração dos corpos de mulheres e adolescentes, comercializadas como atrativos turísticos.

Reiteramos que devemos permanecer firmes e resistentes contra o avanço sobre os corpos, as vidas e os direitos das mulheres, fortalecendo discussões e práticas feministas em nossas organizações e nos movimentos sociais em que estamos.  É importante também nos atentarmos para a construção da autodefesa como forma de resistência em rede, jamais isoladas.

Mexeu com uma, mexeu com todas!

Estupradores não passarão!

Machistas não passarão!

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Fortaleza, 28 de maio de 2016.

Coordenação Anarquista Brasileira

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