Retirado de: http://www.federacaoanarquistagaucha.org/?p=1082

O mal estar corre nas ruas do país. A recessão econômica e as amargas medidas do governo Dilma/PT a nível federal e Sartori/PMDB a nível estadual buscam salvar os lucros de banqueiros e empresários, cortando direitos, investimentos e aumentando o custo de vida sob o farsante argumento de que o momento é de “sacrifício para todos”. Aliado a isso tudo, o cheiro podre da corrupção sistêmica impregnado no ar, em que se articula uma complexa constelação de interesses e “escândalos” que envolvem desde os partidos da coalizão governista como aqueles da oposição de direita, grandes empresas e banqueiros e os grandes conglomerados de comunicação.
A operação Lava Jato da Polícia Federal trouxe à superfície um esquema bilionário de saque e espoliação dos recursos da Petrobrás, um trapaceiro “toma lá da cá”, operado por políticos e empresários pra financiar campanhas eleitorais e privilegiar negócios privados. No entanto, nem só de “Lava Jato” e “Petrolão” se alimenta esse artifício estrutural na política brasileira, a corrupção. Recentemente, o chamado “escândalo” do HSBC tem revelado uma complexa rede internacional de lavagem de dinheiro e sonegação fiscal em paraísos fiscais na Suíça, administrada pelo próprio banco. Entre os implicados brasileiros encontramos os principais conglomerados de comunicação, como a rede globo, bandeirantes, o grupo folha e abril. Daí que esse caso não é motivo de alarde nos chantagistas telejornais de grande audiência.
Depois de ganhar as eleições por um fio, o governo Dilma desmonta a tática de marketing por esquerda (pra não perder eleitores desiludidos) e chama os quadros do sistema financeiro, da patronal e do agronegócio para afiar a faca do ajuste fiscal e do tarifaço contra o povo.
Vida cara e precária. Arrocho nos trabalhadores.
A promessa do capitalismo brasileiro, que vinha crescendo pela mão de uma desapropriação violenta dos bens comuns, pela dominação dos capitais do agronegócio, mineradoras e empreiteiras, quebra a cara com a queda do preço das “commodities” e da desaceleração do capitalismo chinês. As idéias triunfalistas de um país de classe média, puxado pelo consumo e o endividamento de massas, pelos empregos precários e a inclusão dos pobres como sujeito flexível do mercado, mostram sua fragilidade e já entram em desencanto em amplas camadas de trabalhadores do país.
A classe operária vive de novo as demissões na indústria e na construção civil. Só no ramo de autopeças a patronal prega mais uma chantagem, exigindo infinitos incentivos fiscais e flexibilização de direitos, ameaçando em caso contrário com 30 mil demissões ao longo do ano. A falta de água e luz cria calamidade nas periferias urbanas e o preço das contas de energia, da alimentação e dos serviços aumentam mais que a renda dos trabalhadores. A mudança de regras do seguro-desemprego e do acesso a benefícios previdenciários corta direitos e coloca sobretudo uma classe trabalhadora jovem e localizada em empregos precários (terceirizações, telemarketing, construção) em uma situação de maior vulnerabilidade e risco. Agora, as patronais sanguessugas podem demitir hoje e recontratar amanhã para se livrar dos encargos e assim engordar ainda mais seus lucros.
Os impostos castigam o consumo dos setores populares e médios, enquanto aliviam os ricos, donos de empresas e grandes fortunas. Em contrapartida a saúde e a educação pública seguem sucateadas, o transporte coletivo é péssimo, a justiça criminaliza a pobreza e a polícia é racista e mortal nas vilas, favelas e subúrbios.
Os precarizados, a massa dos trabalhadores brasileiros, alçados como modelo do regime de trabalho flexível e super-explorador, sujeitos de uma rotina de pesados sacrifícios, dão sinais de cansaço e irritação. A patronal, não satisfeita com os inúmeros incentivos vindos dos governos, quer mais trabalho precário e pressiona o governo pela lei de terceirizações.
A insatisfação cresce por todos os lados e chega a transbordar para além das velhas estruturas, normas e regras que o sistema oferece para sua canalização. Insatisfação representada por um sentimento difuso que, entre outras coisas, expressa rebeldias que vem de baixo.
Eles são todos sócios da trapaça burguesa-politiqueira.
A Lava Jato não fez nenhuma descoberta extraordinária. Ela volta a pôr em evidência um modo suprapartidário de governar que não toca nos privilégios das oligarquias, no poder dos grupos econômicos e financeiros e no regime ideológico das práticas institucionais. Trata-se de corrupção sistêmica. Como já dissemos outra vez, quem governa com o sistema, pelo sistema é governado.
Os partidos, os políticos, as burocracias, as empreiteiras, os bancos e os lobistas corporativos são todos sócios na corrupção e na impunidade. Uma mão lava a outra e todos tem sua vez. Quem não pactua não governa.
Na concepção liberal burguesa, a representação sempre foi um mecanismo legitimador da usurpação das forças coletivas e dos bens comuns pela vontade das minorias. Por isso que para defender a Petrobras e o patrimônio público a luta dos trabalhadores e do povo deve superar o controle burocrático estatal. Tem que ser uma luta para avançar na gestão direta do patrimônio público, pela mão das organizações operárias e populares.
Qual direita cara pálida?
O agravante desse escândalo é que o PT, do mensalão de 2005 somado ao trambique com as empreiteiras na Petrobras, se afunda de vez na vala comum da política burguesa. E não é a esquerda que se degenera, como quer fazer passar o discurso monopolista da grande mídia e sim um PT domesticado pelo poder conservador das instituições e que cultiva entre os seus aliados, funcionários e políticos de carreira, um patrimônio formado pelos valores, as técnicas, os discursos e a bagagem ideológico-cultural da direita, daqueles que tomam o lado das injustiças e desigualdades da ordem burguesa.
O governismo vive os piores dias na sua carreira de partido da ordem. Enquanto o PT evolui na direção do centro e da direita, governa entre tropeços e comendo na mão das oligarquias. Já o outro setor da direita de partidos como o PSDB e DEM que figuram como oposição, pra não perder o bonde, se reagrupa e faz barulho aliado com as posições mais conservadoras e ultra-reacionárias.
Os grupos monopolistas que controlam a mídia de massas, em que pese terem sido favorecidos por verbas publicitárias, desonerações fiscais pelo governo e vista grossa pelas suas diversas sonegações fiscais, engrossam o caldo do oportunismo. Por um lado empurram as “verdades” da direita, travestidas de um discurso econômico “técnico” e pretensamente objetivo que defende a fatalidade do ajuste fiscal e por outro, surfam no discurso da corrupção para quebrar a moral de toda esquerda classista pela vidraça do PT.
O antipetismo que se manifestou massivamente nas ruas de todo o país no dia 15 de março, como há muito não acontecia, foi convocado por grupos da direita, partidos e formações liberais-conservadoras, as grandes mídias e seus “intelectuais”, setores evangélicos fundamentalistas e a fuzilaria ultra-reacionária de saudosistas do golpe de 64. Por sua vez, essa convocatória também foi capaz de sensibilizar parte expressiva dos trabalhadores, justamente indignados com os intermináveis casos de corrupção, pela estafante vida nas grandes cidades e o aumento no custo de vida. Hoje estes setores da direita já ensaiam uma qualificada disputa pelos rumos do descontentamento popular.
É preciso que se diga, sem meias palavras, que foram encorajados pela capitulação dos sucessivos governos petistas, que se ajoelham aos agiotas do sistema financeiro, sentam no colo das velhas raposas da oligarquia lideradas pelo PMDB e se atolam no balcão de negócios do Planalto, do Congresso e das estatais.
Outra ideologia, outras práticas para construir um povo forte.
A política que não avança na relação de forças contra o poder dominante deixa terreno a ser ocupado. O projeto histórico da frente de centro-esquerda liderada pelo PT, depois de alcançado seu objetivo de chegar à presidência da república, deixou plantada uma desorientação que não é fácil de medir. O avanço da direita na aliança governista e na oposição das ruas, assim como o sentimento confuso de setores populares entre fogo cruzado nos dão hoje uma amostra do lastro político-ideológico dessa trajetória.

A experiência do PT, na busca e na conquista do governo, integrando-se nas instituições e nas regras do jogo, trouxe uma mudança importante na cultura e nos valores da esquerda. Aqueles sonhos e esperanças que foram mobilizados e produziam um sujeito de cambio que lutava em todas as frentes do povo para transformar o país e construir socialismo, foram esmorecendo. Muitos militantes do trabalho de base viraram os arrivistas de gabinete, ratos de aparelho. Quando muito, os teimosos foram simplesmente ignorados e substituídos pelos técnicos de gestão ou funcionários burocráticos da máquina. Sindicatos e movimentos sociais trocaram a independência da classe trabalhadora por cargos e ministérios, se fizeram gestores de fundos de pensão, assessores empresariais e linhas auxiliares do governo. Um processo que não se iniciou com a conquista da presidência, encontrando raízes ainda na década de 1980.
Essa subjetividade muito apegada a disputa de cargos e direções do aparelho e que põe o partido antes das lutas da classe, também fez escola entre a esquerda que não foi a reboque.
As relações de poder que encontram nessa conjuntura o suporte das idéias e os movimentos da direita têm haver, em grande parte, com esse processo histórico de desarticulação de forças sociais que amarga o campo classista. A colaboração de classes, a burocracia e o governismo desarmaram as organizações sindicais e populares, dividiram as lutas e as atrelaram ao estado. Formaram uma ideologia que reproduz as práticas das instituições burguesas, que faz do povo um sujeito que espera pelo que vem de cima.
Mudamos tudo ou não se muda nada.
Não formamos parte corrente do impeachment e tampouco as fileiras da tropa de choque do governo. Essa polarização que procura capturar as rebeldias que vem de baixo, definir e qualificar a luta social segundo as suas idéias, é o palco da briga entre elites e classes dominantes, uma briga entre vizinhos de condomínio privado, onde aos de baixo cabe, quando muito, o papel de simpáticos figurantes.

É preciso ter clareza na análise e firmeza em nossos princípios classistas para não entrar no brete que os de cima tentam nos impor, onde tanto o bando governista como o bando da oposição de direita tentam insinuar que estamos fazendo o papel de linha auxiliar de seu “rival”. Nosso caminho não tem saída por cima e busca agrupar forças sociais para atravessar sem fraquejo uma etapa de resistência e fragmentação. Unidos com os setores classistas e os movimentos sociais que vem de baixo, contra o tarifaço, o ajuste fiscal e o passo abusado das direitas. Sem confiança na “mágica” dos acordos de cúpula, seja qual for a procedência. Fazer crescer junto com a insatisfação social as rebeldias do povo, a ação direta, a solidariedade, a participação popular. Reorganizar o tecido social para lutar nas ruas, nas greves e ocupações, desenvolvendo as organizações de base como os núcleos fortes do poder popular. De baixo pra cima, com federalismo e democracia de base, criar os músculos da frente dos oprimidos capaz de construir uma mudança real que Socialize a riqueza e o poder.
CONTRA A TRAPAÇA DOS RICOS E O ARROCHO DO GOVERNO E DOS PATRÕES! ORGANIZAR A REBELDIA DAS RUAS, GREVES E OCUPAÇÕES!
Federação Anarquista Gaúcha – FAG / 20 anos!!!
Integrante da Coordenação Anarquista Brasileira – CAB