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[CAB] Declaração do IV Encontro Regional Sul da Coordenação Anarquista Brasileira – 2015

Retirado de: http://anarquismo.noblogs.org/?p=334

Nos dias 24 e 25 de outubro, em Curitiba/PR, o Coletivo Anarquista Luta de Classe (CALC) do Paraná, o Coletivo Anarquista Bandeira Negra (CABN) de Santa Catarina e a Federação Anarquista Gaúcha (FAG) do Rio Grande do Sul, organizações do sul do país que compõem a Coordenação Anarquista Brasileira (CAB), estiveram presentes em seu IV Encontro Regional. O encontro serviu para discutir a conjuntura econômica, política e ideológica do Brasil, de modo a fortalecer o anarquismo organizado e nossa incidência no seio da luta dos de baixo.

Vivemos em uma etapa de resistência na luta de classes no Brasil e é necessário entendermos nosso momento histórico e o papel que as organização revolucionárias devem cumprir para o acirramento da luta e avanço da classe oprimida. É hora de construirmos e consolidarmos os movimentos sociais de base, independentes e combativos. As Jornadas de Junho de 2013 nos serviram para mostrar a força social e a capacidade de influência que hoje a esquerda possui, uma esquerda que possui dificuldades de compreender a conjuntura e que precisa construir os movimentos desde baixo para conseguir conquistas permanentes e que acumulem para um projeto de transformação.

Em um momento de recessão econômica, aumento da carestia de vida e ajuste fiscal; com o esgotamento do pacto de classes governista, imposição de pautas conservadoras na política nacional, criminalização da pobreza e da luta popular, é só semeando a rebeldia nos locais de moradia, trabalho e estudo, independentes dos controles burocráticos, que vamos conseguir imprimir uma alternativa radicalmente transformadora – socialista e libertária.

É necessário que consigamos espalhar as greves contra o ajuste, com ação direta dos trabalhadores, democracia de base e organismos de união territorial; ativando uma cultura de solidariedade das lutas, de apoio mútuo, de construção intersetorial e antirepressiva; lutando e criando poder popular com um plano de unir as rebeldias que querem uma mudança social.

O anarquismo especifista surge como alternativa de projeto a longo prazo; frente aos projetos tradicionalmente pautados pela esquerda da disputa do Estado, de direções deslocadas das bases da classe e pela direita conservadora que vem ascendendo. Temos de seguir com a organização e mobilização em nossos locais de atuação, acumulando forças, fomentando a luta, organização e a solidariedade no seio de nossa classe, promovendo também o intercâmbio de acúmulos de nossas lutas. O anarquismo especifista no sul do Brasil se fortalece, organizado na Coordenação Anarquista Brasileira, sempre junto aos setores oprimidos, construindo um povo forte desde abaixo e à esquerda.

POR UM ANARQUISMO ESPECIFISTA ENRAIZADO NAS LUTAS POPULARES!

CONTRA O AJUSTE FISCAL E A CRIMINALIZAÇÃO DOS POBRES E MOVIMENTOS SOCIAIS!

NÃO TÁ MORTO QUEM PELEIA!

LIUTAR! CRIAR! PODER POPULAR!

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[MOB-PR] Organização, Apoio Mútuo e muito Trabalho Coletivo. Construção da Primeira Sede do MOB-PR

Retirado de:                                             https://organizacaodebase.wordpress.com/2015/07/27/organizacao-apoio-mutuo-e-muito-trabalho-coletivo-construcao-da-primeira-sede-do-mob-pr/

Após algumas semanas de muito esforço e trabalho, finalizamos a construção da Primeira Sede do Movimento de Organização de Base (MOB) no Paraná, localizada na Portelinha-Nova Santa Quitéria em Curitiba.

Com a organização e trabalho de militantes do MOB de Curitiba, Região Metropolitana e apoio de trabalhadores e trabalhadoras desta e outras regiões do Paraná conseguimos finalizar a construção de um espaço que contribuirá muito para os trabalhos de educação popular, economia coletiva, organização política e atividades culturais que desenvolvemos e vamos desenvolver na Portelinha e região.

Agradecemos o trabalho e apoio de todas e todos que contribuíram para a construção da Primeira Sede do MOB-PR!

Viva a Organização do Povo!
Viva a Portelinha!
Viva o Movimento de Organização de Base!
LUTAR! CRIAR PODER POPULAR!

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[CAB] Jornal Socialismo Libertário #30 – Julho/2015

Retirado de: https://anarquismo.noblogs.org/?p=242

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RETOMAR OS VALORES E AS LUTAS DA CLASSE TRABALHADORA

O primeiro semestre de 2015 segue com as nefastas políticas do governo PT/PMDB garantindo o máximo lucro para o capital empresarial e financeiro (nacional e internacional), e com o ataque aos direitos do povo. Está claro que mulheres, negros, indígenas, pobres e camponeses estão excluídos destas políticas, tocadas pelo executivo junto a um congresso conservador e reacionário e um ministério que busca implementar as políticas de austeridade do sistema financeiro, do agronegócio e da precarização da classe trabalhadora, não restando mais nada do projeto petista de conciliação de classes.

Tudo isso reforça que não há, e nunca houve, possibilidade de disputa deste governo. Ou que o problema seja de “crise de direção” ou que o governo esteja politicamente em uma situação de “refém” para garantir a governabilidade. Pelo contrário, o PT tomou a decisão política de governar de tal forma, fazendo o povo sangrar e evidenciando mais uma vez que o mecanismo representativo não constrói poder popular nem transformação social.

Os recentes acordos bilaterais firmados com os Estados Unidos indicam mais uma guinada à direita do governo Dilma. Acreditando na necessidade destas políticas, o governo vem aplicando um receituário marcadamente neoliberal frente a uma conjuntura internacional que não possibilita mais as mesmas condições anteriores que alavancaram as políticas neodesenvolvimentistas nesses 12 anos de PT no governo. E as últimas quedas vertiginosas da bolsa da China, que chegaram até 30%, podem causar impactos na economia brasileira e selam o esgotamento da política neodesenvolvimentista.

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CORTAM NA CARNE DOS TRABALHADORES. QUEREM PRENDER OS JOVENS NEGROS E POBRES QUE NÃO SE AJUSTAM.

O governo segue a receita da austeridade. Já sofremos nos estados e municípios com as políticas de ajuste fiscal e graves cortes sociais, como na saúde e na educação. Fazendo o povo pagar uma conta cara para o lucro dos investidores internacionais. Dentro desse pacote, a ampliação das terceirizações (PL 4330) e o ataque a direitos como o seguro-desemprego e a aposentadoria (MPs 664 e 665) fazem a classe trabalhadora virar carne barata no capitalismo de mercado. O Programa de Proteção ao Emprego criado pelo governo Dilma em medida provisória é um plano de socorro aos patrões que autoriza redução salarial de até 30%. É um retrocesso brutal feito com a chancela das burocracias da CUT e da Força Sindical. O acordo coletivo específico entre empresa e trabalhador, previsto na MP, abre precedente pra flexibilização dos direitos trabalhistas. Para as mulheres a situação é ainda pior. Em nossa sociedade patriarcal e opressora a terceirização e a precarização no mundo do trabalho sempre foram uma realidade, com salários mais baixos e desigualdade de direitos em relação aos homens.

Em paralelo avançam uma série de iniciativas conservadoras e de ataque aos direitos humanos, como a redução da maioridade penal e a tentativa de excluir a temática de gênero do debate educacional. Os setores da direita do governo em conjunto com a oposição de direita tentam avançar as pautas conservadoras que aprofundam a criminalização e o extermínio dos/as pobres e fazem retroceder avanços importantes na luta contra as opressões de gênero e sexualidade. Os Povos indígenas também sofrem com a perda de seus territórios e o campesinato com a estagnação da reforma agrária e a falta de ações que garantam sua vida e permanência no campo. Com as pressões de bancadas como a ruralista, evangélica e da bala, estas pautas vem se materializando, contando com a ajuda da mídia burguesa que faz terrorismo e trabalha para naturalizar determinados valores conservadores na população.

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DE DENTRO E DE FORA DO GOVERNO A DIREITA LATE E MORDE O OSSO

Enquanto o governo Dilma evolui para a direita, os setores burgueses que não vestem a farda do governismo se alinham com as posições mais extremas e conservadoras para se distinguirem na turbulência da cena política. O conservadorismo ganha inserção e cresce na base da sociedade. O PT está jogado na vala comum da política burguesa, sujo até o pescoço na corrupção dos políticos e patrões, encurralado entre a barganha das oligarquias e o fogo oportunista da direita opositora. As hipóteses de cassação de mandato ou impeachment voltam a ameaçar e para todos os efeitos provocam a sangria da presidenta até as eleições de 2018. A crise do governismo faz palco de uma luta feroz de setores das classes dominantes e das elites dirigentes. Briga de cachorro grande para ver com quem fica com o osso e com quem se reparte o farelo.

A reforma política dirigida por Eduardo Cunha no congresso é um projeto em causa própria para lavar a cara dos políticos e patrões, parasitas dos recursos e bens públicos. Estão fora de pauta os mecanismos de participação e democracia direta dos de baixo. Outro elemento a se levar em consideração são as diversas iniciativas em curso de construção de frentes, campanhas e mobilizações por parte da esquerda. Em nenhum dos casos parece estar em jogo um processo que possibilite o acúmulo organizativo e ideológico das classes oprimidas para mudar a correlação de forças no país. A experiência tem mostrado que tais “frentes” tem sido movidas mais em um sentido pragmático eleitoral do que de mobilização popular concreta. Valores e práticas históricas da classe trabalhadora, como a greve geral e o piquete não devem ter seu sentido esvaziado como mero slogan ou visando a autopromoção política. Eles são fruto de mobilização social e sintomas de quando os trabalhadores sentem que tem força e que é preciso fazer ações para contrapor a opressão dos patrões e poderosos.

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PARA OS OPRIMIDOS A SAÍDA NÃO VEM DE CIMA. NUNCA VEIO.

Duros ataques nos direitos e condições de vida também produzem resistência, como foram as greves dos trabalhadores do setor público, estudantes e professores estaduais e federais do Paraná, duramente reprimidas pelo governo. Como as recentes greves nas mais de trinta instituições de ensino federais. E é essencial que as ações populares e mobilizações sejam dotadas de métodos que estimulem o protagonismo da base e sejam fruto da luta cotidiana. Ação direta, federalismo, autogestão e greve geral são valores históricos da classe trabalhadora e devem ter seu sentido ideológico retomado e reafirmado. É essencial que os organismos sociais como movimentos populares e sindicatos tenham autonomia política e tenham seus rumos decididos por suas bases, livres de práticas verticalizadas e burocratizantes.

Pela unidade de classe e mobilização do povo contra os ataques conservadores e dos poderosos! Punho fechado contra a redução da maioridade penal e contra a criminalização da pobreza! Repudiamos as atuais políticas de terceirização, flexibilização e precarização do trabalho! A greve é um direito e, assim como as manifestações e os protestos, não devem ser reprimidos nem criminalizados pelo Estado e pela mídia burguesa! Todo apoio às lutas e à articulação entre o povo do campo e da cidade. Contra as políticas de exclusão dos pobres das cidades e pelo acesso a um transporte digno, eficiente e sem catracas! Todo apoio às lutas da juventude, mulheres, negros, LGBTT e resistência contra todas as formas de opressão!

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LUTAR, CRIAR PODER POPULAR!

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Breve análise Socialista Libertária sobre o resultado das urnas em 2014

Após um apertado resultado nas urnas, a candidata petista Dilma sela mais quatro anos para o Partido dos Trabalhadores governar o executivo do país. Como bem sinalizávamos, a saída à esquerda neste período não pode vir das urnas (leia em: Elementos da Conjuntura Eleitoral 2014). Nenhuma das candidaturas majoritárias, inclusive a candidatura vencedora do PT (supostamente à esquerda), se compromete em romper com o capital financeiro ou dar fim aos mecanismos jurídicos que obrigam o pagamento da dívida pública (a absurda Lei de Responsabilidade Fiscal). A nefasta dívida pública abocanha 42% do rendimento anual, e sem mexer neste pagamento, nos rendimentos dos bancos, nenhuma mudança significativa pode vir no campo da educação, saúde ou transporte.

Ambas as candidaturas (PT e PSDB) foram financiadas pelo grande capital (agronegócio, bancos, empreiteiras e indústria alimentícia), ficando claro que sequer fazem questão de esconder ou omitir suas relações umbilicais com o capital.

 

Ainda no campo da economia, sabemos que esta vem em franca desaceleração. Por um lado, a desaceleração descontenta os de cima, que vem lucrando menos, e por outro começa a gerar mais revolta aos de baixo, que tendo seu consumo baseado no crédito bancário agora estão endividados (57 milhões de brasileiros endividados, destes, 60% endividados no dobro do salário). O rentismo (princípio econômico característico deste governo) sugere como solução para inflação a alta da taxa de juros, que vai na direção contrária do crescimento, afinal aumentar a taxa de juros afasta o capital produtivo capaz de gerar mais e melhores empregos, como favorecer políticas cientificas e educacionais, e ainda atrai os abutres da especulação.

Mais uma vez as classes dominantes sugerem que a solução para o crescimento é cortar na carne dos trabalhadores, cortando direitos, privatizando serviços, aumentando impostos e reduzindo o orçamento já esparso para as garantias sociais (como o Bolsa Família). Como nos 12 anos anteriores, sabemos o que PT fará, atacará os trabalhadores e seus direitos (como já fez privatizando a saúde federal no caso da EBSERH e na reforma da previdência), jogando algumas migalhas aos mais precários (Bolsa Família e Mais Médicos), dando uma aura de governo dos pobres, favorecendo o pacto de classes, por meio de exorbitantes lucros aos de cima e distribuição de migalhas para os miseráveis.

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Sabemos que este governo não buscará desconcentrar renda e gerar empregos por meio da expansão dos serviços e obras que beneficiam a população. Sabemos que não irá na contramão das privatizações ampliando os serviços e direitos. Sabemos que a reforma agrária já é parte do passado do PT e não está nos planos do PT da “Carta aos Brasileiros”. Isso porque seu compromisso já foi selado com as classes dominantes, algo que ocorreu bem antes das eleições de 2014.

Politicamente devemos destacar ainda que ambas as candidaturas fazem coalizão com setores conservadores (neopentecostais, ruralistas, etc.) nas bancadas federais (senado e congresso). Pactos estes que devem pesar mais ainda contra os direitos humanos (regulação das drogas, luta antimanicomial, direitos homoafetivos e da mulher, a exemplo do aborto), afinal como apontou o DIEP (Departamento Intersindical de Estudos Parlamentares), esta é a composição da Câmara mais conservadora desde 1964.

No campo da política, o único compromisso mais claro do PT é com a dita reforma política. Reforma esta que não visa colocar mais poder nas mãos da população para decidir questões estratégicas do país, como o pagamento da dívida, privatizações, direitos humanos, mas sim reformular o desgastado sistema político representativo e burguês,  visando o reabilitar frente a massa descrente, que no primeiro turno se absteu em cerca de 30% do processo. Nível de abstenção tamanho, que só é menor do que o de 1998 desde a “abertura democrática”.

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Poucos dias após a vitória de Dilma, tudo indica que os apelos das ruas não serão ouvidos. O governo afirma que seguirá com o modelo e quando fala em promover o diálogo não pensa em fazê-lo com as massas revoltosas que ocupam as ruas desde 2013, mas com a oposição (PSDB), com o capital, com a mesma mídia que o ataca. O PT faz questão de afirmar que não há cisão na sociedade: “Conclamo, sem exceção, a todas as brasileiras e brasileiros para nos unirmos em favor do futuro de nossa pátria. Não acredito que essas eleições tenham dividido o país ao meio. Creio que elas mobilizaram ideias e emoções às vezes contraditórias, mas movidas por um sentimento comum: a busca por um futuro melhor” (discurso de Dilma no pós vitória).

Nós, anarquistas organizados, ao contrário, continuamos entendendo que este país continua dividido em explorados e exploradores. Por isso, não acreditamos em um projeto que oferece aos explorados o pacto de classes em troca de míseras migalhas. No lado de cá da trincheira, no lado dos explorados, serão mais 4 anos de luta ou o quanto for necessário para que possamos construir uma realidade de socialismo e liberdade. Vemos que só é possível chegarmos à sociedade que queremos por meio de um projeto de classe, o Poder Popular, que não se constrói nos acordos com a classe dominante e seu Estado, nem nas eleições, mas na luta cotidiana, na construção do poder que vem de baixo, nas marchas, movimentos, sindicatos e em todo e qualquer espaço de luta das classes exploradas.

ou se vota com os de cima ou se luta com os de baixo

Para nós, a máxima ainda vale: Ou se Vota com os de Cima ou se Luta com os de Baixo!

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[CAB] Indicações para uma Caracterização do Período Histórico Brasileiro

Retirado de: http://www.anarkismo.net/article/23092

Análise conjuntural do período histórico presente aprovada no I CONCAB.

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O mundo atual apresenta fortes e singulares acontecimentos que nos permitem fazer um corte analítico. O 11 de Setembro, as guerras imperialistas no Afeganistão e no Iraque, o golpismo financeiro levado a cabo por instituições corporativas e governos, a desestabilização dos regimes de força repressiva do mundo árabe e também as mudanças políticas vividas pela América Latina em mais de uma década – todos esses acontecimentos nos apresentam um cenário complexo que toma um lugar em nosso país.

O sistema capitalista volta a atravessar crises, conflitos e questionamentos que condicionam ajustes em seus mecanismos de poder. Nada indica que estamos às portas de uma mudança revolucionária, mas é verdade que vivemos um período mais agitado, em que se está quebrando o silêncio, a resignação e o medo; estão em cena protestos massivos de trabalhadores e populares. Europa e EUA vivem um drama econômico-social fora do padrão dos grandes centros capitalistas, com cortes de salário, aposentadoria, direitos sociais, além de desemprego e recessão. O capitalismo mais feroz, no seu jogo financeiro por violentos lucros, aplica golpes infames na economia mundial, concentrando mais riqueza nas classes dominantes e, ao mesmo tempo, negociando lixo no mercado e apostando na desgraça das maiorias; faz a sociedade pagar com pobreza e precariedade os seus prejuízos e guarda os ganhos no bolso dos patrões.

Estão em curso grandes lutas e protestos populares pelo mundo, nos quais a juventude tem participado com força e os trabalhadores defendido seus direitos, respondendo, em cada lugar, a distintas pautas, fatores e inquietudes, todos os quais derivam do mesmo sistema. Porém, essas lutas não estão necessariamente articuladas entre si. Ao mesmo tempo indicam, por sua ocorrência em várias regiões do globo, descontentamentos – uma experiência rica dos povos, uma produção de idéias e representações coletivas que podem abrir novas possibilidades. Mas não é certo que esse processo aponte numa mesma direção e nem que ele questione o conjunto do sistema. De nossa parte, consideramos ser tão necessário quanto válido afirmar que sem uma força social em ação – capaz de se acumular e reunir a vontade dos oprimidos, com independência das instituições burguesas e um projeto de ruptura apoiado por todos os meios de uma organização política – o sistema não cairá de podre.

A América Latina também passa por processos e surgem novos elementos que têm sua importância para o momento. Os EUA não encontram o mesmo alinhamento regional à sua política imperialista. Rebeliões populares que derrubaram governos na Bolívia, no Equador e na Argentina conquistam uma forte posição dos movimentos sociais na cena política contra as políticas de privatizações, desemprego e corte de direitos. Na Venezuela, um golpe de estado dos escuálidos, apoiado pelos serviços do império, foi derrotado nas ruas pelos mais pobres. Em mais de uma década, partidos de formação nacionalista-reformista ou de centro-esquerda têm chegado ao governo, alçados por um vivo sentimento popular de rejeição ao modelo do neoliberalismo.

No lugar comum da realidade regional, os países sul-americanos aderem ao Plano de Integração da Estrutura Regional Sul-Americana (Plano IIRSA). Independente da estampa dos governos, progressistas ou alinhados com o imperialismo, ambos os modelos têm levado a cabo os projetos do plano IIRSA, com um discurso comum de desenvolvimento econômico. Entre os efeitos desses projetos estão: o favorecimento das transnacionais, a partir da exploração dos bens naturais do continente (água, minérios, biodiversidade, hidrocarbonetos); a devastação ambiental e a destruição de comunidades tradicionais; a dependência dos países aos organismos financiadores dos ditos projetos de desenvolvimento.

Deve ser dito que cada realidade nacional tem seus processos internos, suas próprias características. Grosso modo, em que pesem as continuidades estabelecidas pela mão de governos e instituições que fazem o papel conservador dos lacaios de sempre, ou os refluxos e a decepção em relação às fantasias criadas pelo mecanismo eleitoral, pode-se reconhecer variantes que têm atualidade e apresentam outros desdobramentos. Há não muito tempo, Honduras sofreu um golpe de Estado pelo tímido ensejo de realizar reformas, que iam ao encontro de algumas demandas populares. Percebem-se processos sociais dinâmicos, que ora coincidem com as pautas oficiais, ora tencionam, por meio da luta de classes, por avanços que não podem ser absorvidos pelo sistema. Não cremos que a estrutura imperial esteja em xeque. Estão em curso políticas que reajustam as relações do continente, em um contexto histórico-social particular, que não necessariamente produzem rupturas.

Ao longo de sua história, o capitalismo não tem se apresentado sempre com a mesma cara: tem logrado realizar ajustes exigidos pela situação geral para fazer a gestão das suas crises; tem feito um jogo criativo com suas estruturas fundamentais para dar continuidade a seu domínio, às injustiças, misérias e desigualdades brutais que historicamente o acompanham. Esse tempo mais perturbado, mais nervoso e conflitivo, que traz problemas urgentes para o controle do poder dominante, definitivamente não vai acabar com o sistema pela força das coisas – o sistema não tem tendência para se liquidar assim. Considerar os momentos, a correlação de forças de um período, os problemas que debilitam uma estrutura de dominação sempre inserta no antagonismo social é uma condição para uma atuação política mais decisiva.

BRASIL

Podemos considerar em nosso país que, dos anos Lula para cá, o sistema variou seu modelo. Sem dúvidas, o modelo operativo que está em curso, no quadro de uma inflexão importante em toda região, tem características determinadas por uma reacomodação dos elementos do sistema para sua incorporação social mais efetiva. Isso é levado a cabo em um período que traz esperanças, confusões, buscas, e apresentam-se em cena meios de mudança, curvas, frustrações. Já dissemos: está em jogo criativo um modo de articulação que conserva o núcleo duro do poder fora da mira de projetos radicais e trata de sua reprodução por mecanismos mais frescos. Em grandes linhas, apresentamos a seguir as características fundamentais dessa etapa.

Essa etapa está marcada pela chegada ao governo de um partido de centro-esquerda, o Partido dos Trabalhadores (PT), com bases no movimento sindical e popular, e por meio de um compromisso com as estruturas do poder e as classes dominantes. Dentro deste marco, articula-se a cooptação burocrática de organizações tradicionais da classe trabalhadora e da esquerda pelos aparelhos de Estado. Por sua vez, evidencia-se também a divisão dos setores da direita entre a esmagadora coalizão governista, com uma eficiente tecnologia de recrutamento por corrupção e fisiologismo, e as combalidas forças conservadoras do bloco de poder que foi deslocado do governo. A administração do PT distingue-se por avançar em pautas que as autoridades burguesas de outro momento não puderam fazer: congelamento salarial, reformas da previdência e ajustes fiscais no setor público, cortes no investimento social, paralisação da reforma agrária, desregulação ambiental e favorecimento de novas modalidades privatistas de gestão das coisas públicas.

Podemos notar, ainda, a emergência da produção de discursos dominantes no corpo social – com efeitos de verdade nas instituições e práticas mundanas – que validam idéias de uma solução nacional conciliadora, na qual figuram o Estado pactuador, o crescimento econômico e a ascensão social. São discursos cotidianos, que naturalizam os fundamentos históricos da violência e da exploração da formação capitalista brasileira, constituem um sujeito social relativamente integrado pelas formas do consumo, das ajudas do governo, etc. e que formam uma estrutura ideológico-cultural que atua em sentido de promover uma percepção de melhores condições de vida, sem, no entanto, haver alteração da violenta estrutura das desigualdades sociais do Brasil.

A continuidade do capitalismo brasileiro, sujeito ao controle de mercado dos grupos transnacionais, coloca o país em um lugar de destaque no sistema mundial como grande produtor e exportador de commodities (produtos primários), alcançando índices elevadíssimos de produtividade e atraindo investimentos externos graças ao crescimento do mercado interno, proporcionado por mecanismos de endividamento das camadas populares que garantem lucros recorde para o capital financeiro. O sistema bancário influencia decisivamente a estrutura da dívida pública e as ações do governo. Contudo, a participação do Estado brasileiro no incremento de subsídios e na indução do crescimento industrial marca uma variante no modelo econômico, que alguns estudos vêm chamando de neodesenvolvimentismo. Nesse rumo, um setor das classes dominantes faz pressão em causa própria por melhores condições, proporcionadas pelo governo, visando ter sua fatura na feroz disputa capitalista pela apropriação privada das riquezas.

O governo promove uma política centralizadora, com 65% do orçamento público concentrado na execução da União; os municípios, em sua maioria, dependem de convênios estabelecidos com os ministérios para obter seus recursos. Além disso, todos os grandes conglomerados empresarias têm financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o empresariado nacional lucra com a utilização de recursos dessa instituição. Além disso, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) possibilita a articulação entre o governo federal e os investimentos privados, com a execução sendo feita em parceria com os estados e municípios. Os investimentos do PAC, até o fim de 2010, chegavam a R$ 619 bilhões. Para 2012, o governo Dilma já anuncia um corte de R$ 55 bilhões no orçamento, atingindo áreas como a saúde e a educação, que sofrerão, juntas, um corte de R$ 7,4 bilhões. Só a educação sofreu um corte de R$ 1,9 bilhão. Enquanto isso o pagamento de juros e amortizações da dívida pública consomem 48% dos recursos do Orçamento Geral da União para 2012.

A correlação de forças das classes e setores presentes nesse modelo social brasileiro está atravessada por uma moderação do governo, que se equilibra num pacto com as oligarquias, os grandes capitais, os interesses burocrático-corporativos, somando-se a isso as políticas melhoristas e compensatórias para os pobres. São funcionais a esse “modelo operativo” uma adesão popular muito expressiva às estruturas do poder, aos seus mecanismos de conservação e reprodução e uma técnica de assimilação e/ou debelamento dos conflitos com os setores organizados da luta de classes.

Reajustes do salário mínimo – um aumento real, desde 2003, de apenas 54,2% em relação à inflação –, crédito consignado e programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, são fatores que têm possibilitado a construção da imagem de uma suposta ascensão social de setores populares historicamente excluídos. Os níveis de emprego relativamente estáveis em termos estatísticos são elevados, sobretudo, por formas precárias e superexploradoras, dentro da conjunção renda-consumo-dívida, produzindo uma integração econômica relativa, parcial, imagética, que não desestrutura as desigualdades sociais brasileiras.

O estrato social de cerca de 40 milhões de pessoas, que técnicos do governo e meios de comunicação vêm chamando de “nova classe média”, é um grosso setor da classe trabalhadora, que enfrenta uma rotina estafante de exploração patronal e vive seus dias para pagar as contas de seu consumo. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 37,8% das famílias estão endividadas e não sabem como pagar suas dívidas; têm pouca participação política e uma formação cultural ditada pela pauta da mídia corporativa. Trata-se de um setor que tem acesso ao consumo e uma sensação de acesso àquilo que ostentam as ditas classes médias ou os ricos; entretanto, tal setor não é atendido pelo discurso do crescimento econômico quando se trata de conquistar igualdades de condição que permitam o acesso aos bens culturais e às liberdades negadas pela estrutura de dominação de classes.

PRIVATIZAÇÕES

Foi nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso que a privatização de empresas públicas e serviços essenciais se aprofundou. Porém, durante esse processo houve muita resistência por parte dos movimentos sociais. Não podemos esquecer da histórica greve da Petrobras em 1995, um dos primeiros embates com o novo governo. No entanto, infelizmente, empresas como a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e Embratel foram privatizadas.

Durante todo esse período, os formadores de opinião das classes dominantes, através dos meios de comunicação de massa, introduziram no imaginário popular a impossibilidade de eficiência da máquina pública e elegeram a privatização como única saída para os problemas dos serviços públicos. Por trás disso, havia grandes interesses da burguesia nacional e internacional para garantir sua fatia nos desejados lucros dessas empresas.

Remando contra as informações despejadas diariamente pela grande mídia, os movimentos sociais tentaram colocar o que realmente estava em jogo com essas mudanças. Não era diferente com os militantes do PT, que sempre tiveram poderosa influência nos principais movimentos sociais – basta tomarmos como exemplo a Central Única dos Trabalhadores (CUT) que, desde sua origem, tem uma forte ligação com esse partido. Independentemente de toda a crítica que possamos ter à CUT e toda a sua política de conciliação de classes, que passa a vigorar a partir do final dos anos 80, não há como negar que ela, e conseqüentemente o PT, que sempre deteve o controle majoritário desta central, foram uma das principais vozes contra a política de privatização implementada no país.

Com a chegada do PT ao governo federal, as privatizações ganharam continuaram; entretanto, com uma nova roupagem, elas têm sido realizadas por outros métodos, aparentemente suavizados, como as concessões, as parcerias público-privadas e as fundações.

Em relação à saúde, consideramos que o Sistema Único de Saúde (SUS) foi um direito conquistado por uma ampla articulação dos movimentos sociais. Diga-se de passagem, foi garantido na Constituição de 1988, no contexto de um governo que não tinha nem mesmo origem de esquerda, o que dirá uma prática nesse sentido. Isso deixa claro que o direito à saúde não foi nos dado de mão beijada, mas às custas de muita luta. Os grandes empresários da área de saúde e seus governos nunca engoliram essa derrota, e sempre minaram a implementação do SUS, tal como foi concebido. No governo de FHC, por exemplo, foi aprovada a lei das Organizações Sociais (OS), que possibilitou que empresas privadas administrassem diversos serviços públicos, principalmente na área da saúde. Tal ação vem precarizando as contratações de trabalhadores e moldando o serviço público com a lógica empresarial, na qual a manutenção no mercado conta mais do que o atendimento das necessidades humanas.

Nesse mesmo governo, o próprio PT entrou com uma ação de inconstitucionalidade no STF, que ainda se encontra em julgamento. Hoje permanece majoritariamente contra as OS, embora algumas das gestões municipais e estaduais que participem lidem com essa modalidade de gestão. No lugar das OS, defendem as Fundações Estatais de Direito Privado, que seriam empresas públicas, mas regidas por uma lógica do direito privado. Ou seja, o fundamental da crítica permanece, que é a precarização nas contratações de trabalho e a lógica da suposta “eficiência” do mercado, embora digam que são empresas públicas e que, portanto, não se trate de privatização. Essa proposta não foi colocada em votação no congresso e, portanto, não vale para a esfera federal. Ainda assim, alguns estados já criaram leis de Fundações Estatais próprias, como é o caso da Bahia e de Sergipe, ambos administrados pelo PT.

Do mesmo modo ocorreu no governo de Dilma Rousseff, quando se aprovou a lei que criou a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares. Essa empresa foi criada para administrar o quadro de pessoal dos Hospitais Universitários (HU) e permitir novas contratações por regime de CLT, pondo fim aos concursos públicos dessa instituição. Levemos em conta que os HUs são, em todo o país, hospitais de referência para o SUS, com serviços de alta complexidade, muitas vezes inexistentes em outros locais. Para que essa empresa possa funcionar, é preciso a aprovação nos Conselhos Universitários de cada Universidade, aos quais esses HUs são subordinados. Porém, os mediadores do governam passam a divulgar a idéia de que não haverá novos concursos públicos e as contratações só ocorrerão via Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). Mesmo sabendo que o concurso público é uma garantia constitucional, essa ameaça colabora com a implantação dessa empresa, a qual, por mais que seja uma empresa pública, pretende administrar diversos trabalhadores por contratação precarizada.

No caso dos Correios, a grande ameaça de privatização é a quebra do monopólio postal, permitindo que os Correios concorram com empresas privadas. O governo ainda não se empenhou na aprovação desse projeto, mas conseguiu transformar em lei a MP 532, que transforma os Correios em uma empresa de capital aberto, permitindo a entrada no mercado de ações e abrindo espaço para um processo de privatização mais aprofundado.

Com a desculpa de que é necessário melhorar os serviços dos aeroportos para receber os grandes eventos que o país vai sediar, especialmente Copa do Mundo e Olimpíadas, o governo começou a vender os aeroportos nacionais para empresas privadas. Iniciou a privatização com os aeroportos de Brasília, Guarulhos e Campinas; juntos, eles representam a movimentação de 30% dos passageiros e 60% da carga em todo Brasil. Os aeroportos davam lucro e são estratégicos para o país. Passam para o controle de empresas privadas, mas o governo fala que não privatizou, mas fez apenas uma concessão – que, no caso de Guarulhos, é de 20 anos. A população pagará, provavelmente, tarifas mais caras, como ocorreu em outros cantos do mundo. O governo promete espalhar a privatizações para outros aeroportos.

Nesse contexto de Copa do Mundo e Olimpíadas, também segue em curso um processo de privatização do espaço urbano, que implica remoções e apropriações privadas que têm por objetivo para atender aos megaeventos.

Na educação, o governo aplica nas universidades públicas federais o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) e nas privadas o Programa Universidade para Todos (PROUNI). Travestido na proposta de expandir o ensino superior no país, o governo segue a fórmula do mercado para a educação, passando rios de dinheiros para as universidades privadas garantirem a matrícula de alunos de baixa renda e, ao mesmo tempo, isentando-as de impostos (caso do PROUNI), ou endividando os estudantes via Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e ampliando as vagas nas universidades federais, de maneira desordenada (caso do REUNI). Essa ampliação aumenta a proporção de alunos por professor e não garante a infra-estrutura necessária para acomodar novos estudantes. Se, por um lado, passa para as instituições privadas um dinheiro que melhoraria muito as condições precárias das universidades federais, por outro, compromete a capacidade das universidades de realizar pesquisa e extensão e as sucateia, fundamentando-se na lógica do mercado e não na melhoria de vida da população.

São também similares as políticas para a rede técnica e tecnológica, que se expande, norteada por um discurso de qualificação profissional e de melhoria nas condições de vida dos trabalhadores, mas atende aos interesses de mercado e eleitorais. A transferência de verba pública para o setor privado também se repete no caso do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC). Isso se torna, ainda, uma política pública mais ampla para todo o setor da educação tecnológica profissionalizante, por meio do Plano Nacional de Educação (PNE).

Junto com esses elementos, podemos apontar os constantes ataques à autonomia política e pedagógica das instituições educacionais, que se repetem em todos os níveis de ensino, impondo a lógica burocrática e empresarial ao sistema público e dificultando a construção de uma democracia de base, que possa trazer uma perspectiva popular para a discussão dos rumos da educação.

Em relação ao petróleo, desde 1997, com a criação da Agência Nacional de Petróleo (ANP), houve a quebra do monopólio estatal e a realização de leilões para concessão da extração a outras empresas. Com isso, grande parte das ações da Petrobras está nas mãos de capitais privados e na bolsa de Nova York. Hoje, o Brasil é o 13o produtor de petróleo do mundo e o 8o consumidor. Com o pré-sal, vem a proposta de um modelo de partilha na exploração. O regime de concessões continuaria no pós-sal e o petróleo do pré-sal seria dividido entre o Estado e as empresas de petróleo. Ao mesmo tempo, delineia-se um tipo de prática subimperialista por parte do governo brasileiro, e da Petrobras, em países como a Bolívia, Paraguai e Equador.

OS MOVIMENTOS SOCIAIS E A LUTA DAS CLASSES OPRIMIDAS

O movimento sindical atravessa uma fragmentação sem precedentes. Os grupos dirigentes da máquina sindical burocrática e dependente assinaram o pacto governista, como poder corporativo, co-gestor de fundos públicos, políticas desenvolvimentistas e instâncias de colaboração de classes. A oposição de esquerda custa a se reorganizar nessas novas condições e levantar pelas bases uma frente unida que possa enfrentá-la por meio de estruturas de participação massivas e independência de classe. Ainda assim, o movimento dos trabalhadores abre seus conflitos e investe em ações promissoras nos locais de trabalho.

Pelos canteiros das grandes obras do PAC sucedem-se e repetem-se greves operárias, que se defendem da sanha das empreiteiras. Os servidores públicos de distintas esferas da administração fazem resistência dura aos ajustes fiscais do governo. Algumas categorias de envergadura nacional promovem lutas e greves com graus de protagonismo de base, contrapondo com êxito a burocracia sindical. Os trabalhadores do magistério fazem a luta pelo piso nacional e enfrentam a chantagem em relação aos planos de carreira.

Diante desses fatos, é possível afirmar que sindicatos e centrais vivem, nos últimos oito anos, o que se poderia chamar de um novo boom da atividade reivindicatória e grevista, se compararmos, principalmente, aos anos do governo FHC, embora as lutas sejam de resistência, pela manutenção e não pela a incorporação de direitos, sem conseguir lograr grandes avanços. Tal crescimento, entretanto, veio atrelado, por um lado, a uma grande onda de cooptação de lideranças, que passaram a exercer cargos e a freqüentar gabinetes, e, por outro, a criminalização das mobilizações dessas categorias e a restrições aos direitos de greve.

O sindicalismo combativo foi, pouco a pouco, se moldando à lógica das mesas de negociações, cada vez mais burocratizadas e surdas ao clamor dos trabalhadores das bases.

No contexto da luta por direitos humanos, a criação da chamada Comissão da Verdade apresentou inicialmente algumas limitações. Por parte do Executivo, tal comissão foi impulsionada como uma tentativa de aliviar os constrangimentos políticos que vinham causando sucessivas denúncias em escala internacional contra as violações aos direitos humanos no país. Apesar dos limites que foram impostos a essa comissão, as recentes mobilizações nacionais, que agitam o tema, são um importante caminho para pautar de forma contundente a questão. A investigação dos crimes cometidos pelos militares e a punição dos assassinos torturadores estão na ordem do dia na luta por memória, verdade e justiça. Embora a luta por memória faça menção ao passado para que vigore a verdade no presente, a tortura no Brasil atravessa o tempo histórico e ainda hoje segue vigente nos presídios, nos manicômios e nas ações policiais nas comunidades pobres.

A luta no campo tem batalhas agressivas contra um inimigo reforçado pela estratégia do agronegócio, com reivindicações indígenas, quilombolas e ações dos sem terra por reforma agrária. Segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), o ano de 2011, no governo Dilma, foi o pior para a reforma agrária nos últimos 16 anos. Um dos argumentos utilizados por Celso Lisboa Lacerda, presidente do INCRA, é que o foco das ações da entidade está voltado para a melhoria nos assentamentos já existentes, revelando uma imensa contradição, quando se constata a ausência de estruturas mínimas como estradas, energia, escola, saneamento e assistência técnica adequada a uma agricultura ecológica.

Destacando a situação da educação, de 2002 a 2009 foram fechadas no Brasil mais de 24 mil escolas, em torno de 80% localizadas no campo. No sudeste 2.126 escolas rurais foram fechadas no mesmo período. Só no Rio de Janeiro, foram fechadas 134 escolas rurais municipais e o ano letivo de 2012 se inicia com a extinção de aproximadamente 70 escolas públicas estaduais de ensino noturno, que atendem jovens e adultos, em prédios compartilhados com o município.

O agronegócio, que responde por apenas 16% dos estabelecimentos agropecuários do país, recebeu, em 2011, mais de R$ 107 bilhões, e seguiu sendo a prioridade do governo, enquanto somente R$ 16 bilhões foram destinados à agricultura familiar, que ocupa nove vezes mais pessoal que os estabelecimentos patronais e produz cerca de 80% da nossa alimentação. Seguem avançando as frentes de transgênicos, agrotóxicos e as aprovações do Código Florestal.

Somente entre 2008 e 2011, 29 tipos de sementes transgênicas – entre soja, milho, algodão e feijão – foram aprovadas. Dentre estas, o maior absurdo é o feijão, produto principal da alimentação brasileira, que apresentou falhas gravíssimas nos testes de segurança da EMBRAPA e, mesmo assim, foi aprovado às pressas pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBIO).

Segundo Gabriel Fernandes, da entidade agroecológica AS-PTA, em entrevista à revista Caros Amigos: “A indústria investe mais em sementes transgênicas resistentes a agrotóxicos para fazer a venda casada. Entre 2003 e 2009, período de forte expansão da soja transgênica da Monsanto, resistente ao herbicida glifosato (“mata-mato”), o Brasil passou a usar 5 vezes mais esse produto, segundo a ANVISA. Desde 2008, o Brasil passou a ser o país que mais usa agrotóxicos no mundo.” Ainda relacionando o avanço do agronegócio com o lucro dos poderosos e os impactos na agricultura familiar, as mudanças no Código Florestal e sua votação final na Câmara dos Deputados “não poderá mais consertar os erros cometidos pelos parlamentares. O texto que vier a ser aprovado, mesmo que em nada altere aquele que veio do Senado Federal, inevitavelmente causará anistias, diminuirá a proteção de áreas preservadas e, consequentemente, incentivará o aumento do desmatamento, sendo em seu saldo final apenas a reprodução dos interesses mais imediatos de uma pequena parcela da sociedade”, conforme foi colocado na carta enviada à presidente Dilma pela Jornada de Lutas das Mulheres Camponesas de 2012.

Segundo o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Ministério de Minas e Energia favorece as empresas construtoras de barragens, pois são elas que dão sustentabilidade ao próprio governo. As barragens geram problemas sociais, ambientais e estruturais que não serão contornados com o passar dos anos. O fato de as famílias ficarem sem casa, sem terra, sem comida, sem trabalho, sem ter um local para plantar, vem contribuindo para o aumento da pobreza no país. Atualmente, comunidades ribeirinhas, indígenas, pescadores e extrativistas somam 150 mil famílias atingidas pela expansão energética e aproximadamente 50 mil famílias serão atingidas por conta da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte. Certamente a região amazônica será a mais atingida em função das novas hidrelétricas previstas para os próximos anos.

É provável que o número de atingidos venha aumentar. Entre as barragens que causaram maior impacto, destaca-se o complexo do rio Madeira, no estado de Rondônia; a barragem de Estreito, que está localizada entre o Maranhão e o Tocantins; a Usina Foz do Chapecó, em Santa Catarina; e a barragem de Acauã. Belo Monte também entrará para a lista das hidrelétricas que causaram muitos impactos sociais e ambientais.

Também num contexto de reestruturação rural e urbana, que busca atender as demandas de megaeventos esportivos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, movimentos de resistência contra obras e projetos de higienização e de favorecimento ao turismo passam a se organizar fora de organismos institucionalizados e ser responsáveis por mobilizações radicalizadas e combativas. Obras como ampliação de vias, construção de estádios, realocações de comunidades pobres dos centros econômicos das cidades para as periferias, têm um claro perfil de “limpeza social”, e permeiam todas as cidades e estados escolhidos como sedes destes megaeventos.

Abre-se um declarado estado de violações, em que o capital privado estrangeiro e os interesses dos poucos grupos que se beneficiam com esses megaeventos se sobrepõem aos direitos sociais conquistados pelo povo e as garantias mais básicas como moradia, saúde e educação.

A luta das classes oprimidas e do projeto socialista passa uma etapa de refluxo, de reestruturação dos meios organizativos, de ações dispersas e fragmentárias que não têm condições de formar um conjunto de elementos ideológicos e programáticos que se coloque como antagonismo forte ao sistema. Uma parte importante dos setores populares, das organizações e sindicatos embarcou nas velhas promessas do crescimento econômico e vêm se curvando às idéias do neodesenvolvimentismo.

Há uma crise dos movimentos sociais, das organizações de base, das forças acumuladas pela luta que impede a superação dos atos espontâneos e o alcance de ações federadas. Estão seriamente ajuizadas pela história recente as estratégias de esquerda que buscam mudanças sociais por dentro das instituições funcionais às relações do poder dominante.

O tempo é de divisão de águas, ajuste de lentes para pensar as condições e possibilidades da relação de forças do momento. Exige capacidade de inserção de um projeto finalista revolucionário no interior dos problemas e conflitos deste presente histórico. Trabalho de base entre as demandas populares que não são absorvidas pelos controles do modelo capitalista, na direção de um povo forte, de práticas de ruptura que favoreçam a construção histórica de um sujeito antagônico às estruturas do capitalismo.

* Documento aprovado no I Congresso da Coordenação Anarquista Brasileira, Rio de Janeiro, 8, 9 e 10 de junho de 2012.