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[CAB] Repúdio ao Massacre de Paraisópolis: mais um capítulo do genocídio brasileiro

Nota publicada orginalmente em: http://bit.ly/2P57Isd

O governo de São Paulo, por meio de sua sanguinária PM, é o maior responsável pelo massacre que terminou com nove pessoas mortas no ataque a um baile funk na madrugada deste domingo, 1º de dezembro de 2019, na favela de Paraisópolis, em São Paulo. O Baile da 17, um dos mais conhecidos da cidade, foi cercado pela PM, que agrediu a multidão gratuitamente, com bombas e balas de borracha. Segundo as notícias, as vítimas morreram pisoteadas, a partir do desespero provocado pela repressão brutal.

A motivação alegada pela PM, de que entrou na comunidade porque perseguia homens armados, parece uma desculpa absurda diante do número de mortos e dos vídeos divulgados até aqui. Moradores relatam que são constantes os ataques e esculachos da polícia aos bailes funk, mas a violência nunca havia sido tão grande como desta vez. Sabe-se que os bailes de favela são um fenômeno com diversas contradições, não muito diferentes de qualquer festa que envolva a juventude. Mas somente as festas de periferia são alvo da mão militarizada do Estado. Há um mês, um PM foi assassinado no bairro em uma troca de tiros, e desde então os moradores vêm sendo ameaçados, o que reforça a hipótese de uma retaliação contra a comunidade.

O Massacre de Paraisópolis escancara mais uma vez a face do genocídio promovido pelo Estado Brasileiro, que massacra o povo preto e periférico na cidade, os sem terra e quilombolas no campo, e os indígenas nas florestas. A serviço do Capital, o extermínio avança para nos roubar recursos naturais, como água, terras e minérios, e a política de morte faz o controle do excedente de mão-de-obra, que não pode ser tão grande a ponto da população se revoltar. As únicas opções que eles têm a nos oferecer são a precarização, o desemprego, a repressão, o encarceramento, e a morte.

Vivemos uma fase ainda mais extrema do genocídio. O número de mortos pela polícia disparou nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro neste ano, sob comando dos exterminadores do presente, João Doria e Wilson Witzel. Com um grande apoio do presidente Jair Bolsonaro, que discursa sob medida para os setores mais autoritários das forças de repressão. Seus reiterados planos de liberar o excludente de ilicitude são mais que uma carta branca aos policiais: incentivam explicitamente a tortura e o assassinato, que já têm respaldo de um sistema político e judiciário que raramente responsabiliza os agentes e o Estado. Temos como exemplos o Massacre do Carandiru, em 1992 e os Crimes de Maio de 2006, ambos em São Paulo, além do assassinato do pedreiro Amarildo, em 2013, e a Chacina de Costa Barros, em 2015, no Rio de Janeiro, para ficar apenas em casos ocorridos em nossas maiores cidades, em pleno “Estado Democrático de Direito” da “Constituição Cidadã” de 1988.

As políticas de encarceramento em massa são outra face dessa política, que não tem futuro a oferecer à juventude pobre e preta. O tal Pacote Anticrime de Sergio Moro amplia a chamada “legítima defesa” para policiais e aumenta as penas de prisão, o que só fará crescer a população carcerária e as mortes pela mão do Estado. É o aprofundamento do Estado Policial de Ajuste, que despreza vidas negras.

Nós, da Coordenação Anarquista Brasileira, manifestamos nossa solidariedade aos parentes e amigos das vítimas de mais este massacre, e mais que a responsabilização dos policiais que atuaram na chacina, exigimos do Estado a reparação pelo crime. Reforçamos a importância da organização popular para enfrentar esse cenário de extermínio que rodeia a população pobre. Devemos cerrar luta contra a política de repressão e ajuste neoliberal, e fortalecer a construção de uma política de vida, baseada nos valores da solidariedade e da igualdade, verdadeiramente democrática e independente de governos e patrões. Só o povo salva o povo!

Coordenação Anarquista Brasileira
02 de dezembro de 2019

[CURITIBA] 2º Encontro do CEL- Anarquismo: Classes Sociais e Poder

 

 Anarquismo : Classes Sociais e Poder

Na próxima terça-feira, 7 de maio, o CALC articulará seu grupo de estudos em Curitiba. Faremos o CEL no Prédio Histórico da Universidade Federal do Paraná, às 19:00, na sala 205 da Psicologia.

Assim como nos anos anteriores, estaremos nos encontrando na última terça-feira de cada mês, discutindo vários temas relevantes para os movimentos sociais, para a esquerda e para o anarquismo. Infelizmente não foi possível realizar nosso encontro no dia 30 de abril, tendo que ser adiado para o dia 7 de maio.

Este módulo tem como finalidade expor o entendimento que os anarquistas (da vertente de massas) têm dos sujeitos revolucionários, sendo a concepção destes distinta das demais correntes do socialismo por negar o exclusivismo “proletário”. Num segundo momento, buscaremos estabelecer a noção de poder para os anarquistas e a sua proposta de organização.

Os textos base são:

Da periferia para o centro sujeito revolucionário e transformação social – Felipe Corrêa

Nossa concepção de poder popular – Artigo teórico elaborado pela Coordenação Anarquista Brasileira para o primeiro número de sua revista Socialismo Libertário, publicado em junho de 2012.

Baixe aqui: CEL III

Evento: https://www.facebook.com/events/394974778025091/

Venha participar!

Terrorismo de Estado em Curitiba – 07/12/2018

O dia 07 de dezembro de 2018 será lembrado como um dos dias mais tristes e revoltantes da história de Curitiba e da luta por moradia no Brasil.

A ocupação urbana 29 de Março foi completamente destruída devido a um incêndio, que segundo o relato dos moradores, foi causado pela Polícia Militar do Paraná. Além do fogo alastrado, ocorreram, pelo menos, duas execuções no local, vários desaparecidos e um número ainda desconhecido de mortos.

Luta por Moradia na Região – Ocupações urbanas recentes na Cidade Industrial de Curitiba (CIC)

A região que foi atingida pelo incêndio é um local de muita luta por moradia e vida digna na cidade. Em uma área da Cidade Industrial de Curitiba (CIC), bairro da capital paranaense, estão localizadas quatro ocupações recentes, onde, somadas, abrigam mais de mil famílias.

As ocupações Nova Primavera (ocupada em 2012), 29 de Março (ocupada em 2015), Tiradentes (ocupada em 2015) e Dona Cida (ocupada em 2016) foram organizadas pelo Movimento Popular por Moradia (MPM)/Movimento dos Trabalhadores Sem Teto do Paraná (MTST).

Ao longo desses anos foram feitas diversas manifestações de rua, reuniões com o Poder Público, atividades e saraus. Desde então, a Prefeitura Municipal de Curitiba e a Companhia de Habitação Popular de Curitiba (COHAB-CT) nunca deram resposta à altura das reivindicações do povo.

Neste fatídico dia 07 de dezembro, uma destas comunidades, a 29 de Março, foi completamente devastada. Mais de 300 famílias perderam suas casas, animais de estimação, móveis, alimentos, roupas e pertences.

Dentre essas famílias, estendemos grande solidariedade às famílias haitianas, que além de sofrerem com a dificuldade básica de comunicação por conta de seu idioma de origem, têm sofrido intensamente com o racismo e a xenofobia no Brasil. Não é incomum que essas pessoas, ainda que qualificadas, só consigam se inserir no mercado de trabalho em ofícios desgastantes, recebendo salários de miséria, não tendo moradia digna e condições de vida adequadas.

Terrorismo de Estado na Comunidade 29 de Março

Os moradores contam que um policial militar havia sido morto pela região e que a polícia desconfiava que o responsável seria um morador da comunidade. A partir de tal suspeita, a Polícia Militar do Paraná declarou guerra à todas as comunidades ao redor, em especial à 29 de Março.

Durante o dia e noite de 07 de dezembro, policiais militares, sem identificação e com os rostos cobertos, arrombaram e invadiram as casas da vila buscando informações sobre o paradeiro do suspeito. Relatos de muitos moradores afirmam que os policiais torturaram, agrediram e espancaram homens, mulheres e crianças, utilizando sacolas, facas e armas. Além disso, pessoas foram mortas e muitos tiros foram desferidos contra moradores.

Foi por volta das dez horas da noite que o fogo foi ateado em algumas casas da Comunidade 29 de Março. Logo o fogo se alastrou e tomou conta de tudo. O Corpo de Bombeiros do Paraná demorou por volta de uma hora para chegar ao local e a Polícia Militar tentou dificultar sua ação, de modo que as centenas de casas da comunidade acabaram por ser totalmente destruídas.

Relatos e detalhes em: “O Horror que a Polícia causou em Curitiba

Centenas de famílias perderam tudo o que tinham. Inúmeros cães morreram carbonizados. Muitas pessoas desaparecidas. Possivelmente outras mortes serão confirmadas.

O Estado Policial de Ajuste e a criminalização da pobreza

Caracterizamos o atual momento da conjuntura brasileira como sendo de um “Estado Policial de Ajuste“, marcado por uma agenda agressiva contra o povo, que escancara o lado mais selvagem do sistema capitalista. Caíram as máscaras e mediações que marcaram período recente de nossa história. Sempre soubemos, no entanto, que por trás das aparências, grande parte da população brasileira vive sob um “Estado de Exceção”, convivendo com a barbárie gestada dentro da farsa chamada “Estado Democrático de Direito”.

Para o povo pobre, negro, morador das periferias, a face do Estado sempre foi a da brutalidade. Os direitos básicos (saúde, educação, emprego, saneamento básico, moradia) são muito restritos, quando não estão completamente ausentes. Por outro lado, a repressão policial se faz muito presente no cotidiano dos moradores, que desde muito cedo convivem com as formas institucionalizadas do racismo e da criminalização da pobreza, as quais constituem a base da formação ideológica e de atuação das polícias brasileiras.

No caso dos ataques sofridos pelas famílias da Comunidade 29 de Março e das demais ocupações da região, tais elementos são bastante nítidos. Aos olhos da Polícia Militar, o povo que mora nas ocupações é um inimigo a ser exterminado.

As demais faces do Estado, como o Poder Executivo Municipal e Estadual e os órgãos responsáveis pela investigação deste tipo de caso, demonstram ser cúmplices de “julgamentos sumários” como este quando se omitem. Assim, trabalhadoras e trabalhadores, jovens, crianças e idosos, são condenados à morte como “criminosos”, sem qualquer direito de defesa.

As ruínas do mito da “cidade modelo”

Foi na década de 1970 que se iniciou um mito brasileiro de que Curitiba seria uma “cidade modelo”, um exemplo de urbanização, mobilidade e qualidade de vida.

Esse mito foi construído com base não apenas em grande publicidade, como também na enorme exclusão da população pobre, que foi sendo “jogada” para as regiões mais distantes do centro e mais carentes de serviços públicos.

Essa farsa de um suposto “planejamento democrático” não é uma exclusividade da cidade de Curitiba, mas tem na capital paranaense um de seus principais símbolos, repetido em discursos de governantes e burocratas.

Em paralelo à propagação dessa mentira, a cidade guarda um histórico de lutas e martírios de movimentos sociais e associações de moradores na luta por um terreno, por um lar, por moradias dignas. Essas lutas ocorreram e ocorrem em todas as regiões da cidade e tem nas ocupações do CIC um de seus maiores exemplos.

Apreensão, Solidariedade e Resistência

Após o incêndio do dia 07 de dezembro, a Polícia Militar, segundo a descrição e fotografias feitas por moradores, manteve-se no local e disparou com suas armas letais diversas vezes. Moradores da região estão com muito medo de mais “tentativas de vingança” e que o horror daquela noite volte a ocorrer.

Apesar de tudo, a luta por moradia e vida digna continua! Inúmeras comunidades, movimentos sociais e outras organizações arrecadaram doações de roupas, água, comida, móveis e levaram à comunidade. Moradoras e moradores se revezam na organização das doações, no acolhimento das pessoas e na reorganização da vida na comunidade, dando grande exemplo de resistência e solidariedade. Assim as comunidades se unem cada vez mais.

Sabemos que só o povo organizado é capaz de avançar na luta por condições dignas de vida e para a construção de uma sociedade justa, fraterna e igualitária. Um mundo onde todos tenham um lar e onde as ameaças e violências do Estado sejam coisas de um passado distante.

A luta continua!

Nem esquecer, nem perdoar!

Toda solidariedade às famílias!

Contra a criminalização da pobreza!

Lutar! Criar Poder Popular!

Pelo fim de toda polícia!

Moradia digna já!

 

[CAB] 28 de Abril: Greve Geral nacional e a demonstração de força da classe oprimida

https://anarquismo.noblogs.org/?p=735

Ontem, 28 de abril de 2017, foi um dia de grande importância para a luta da classe oprimida do país. A resistência frente às políticas de ajuste fiscal e de corte nos direitos representado pelas reformas da previdência e trabalhista se fez sentir em todos os estados e em milhares de cidades brasileiras. Paralisações, piquetes, bloqueio de vias públicas e rodovias estaduais e federais com pneus em chamas, marchas unitárias e enfrentamentos com as forças da repressão deram o tom das mobilizações.


Participaram estudantes do ensino básico e superior, professores municipais, estaduais e federais, trabalhadores do transporte (rodoviários, metroviários), metalúrgicos, trabalhadores da saúde, limpeza e municipários em geral, trabalhadores da construção civil, comerciários, bancários, trabalhadores dos correios, indígenas, lutadores sem teto e sem terra, moradores de periferias e uma série de outros segmentos dos de baixo. Informações dão conta de que a greve geral de hoje contou com uma importante participação de setores do operariado em regiões como ABC paulista, Curitiba, Manaus e Belo Horizonte. A seu modo, cada segmento da nossa classe contribuiu com uma semente de luta e ação direta na jornada de luta do dia de hoje.

O dia não passou sem confrontos. As polícias militares de vários estados agiram com truculência reprimindo as iniciativas de mobilização. Foi assim em SP onde houve detenções de lutadores do MTST e repressão; no RJ onde a repressão brutal caiu com força sobre os manifestantes na saída da mobilização em frente à Assembleia Legislativa do RJ (ALERJ) e em outras partes do centro da cidade; no RS em que a Brigada Militar dispersou com bombas de gás piquetes em garagens de ônibus e em vias públicas ou com a agressão da guarda municipal de Porto Alegre contra colegas municipários que trancavam a entrada da prefeitura.

Michel Temer se pronunciou de forma breve apenas no final do dia. Criticou o trancamento das vias públicas e disse que a “modernização” do país seguirá, fazendo pouco caso da luta de hoje. Seu Ministro da Justiça, Osmar Serraglio, foi além e disse que a greve geral teria sido um fracasso, ignorando, assim como a grande mídia, a envergadura do conjunto de mobilizações a nível nacional. Mídia essa que segue martelando a necessidade das reformas e mentindo descaradamente sobre seu conteúdo.

Sabemos dos limites do conjunto do movimento sindical, do papel nefasto cumprido pelas burocracias sindicais na desorganização da nossa classe, mas apostamos em dias como o de hoje para nos colocarmos em movimento, experimentando a solidariedade e a ação direta de forma concreta e plantando sementes de Poder Popular. No RS, SC, PR, MT, SP, RJ, MG, AL, PA e CE a militância das Organizações da CAB tomou seu posto de luta em cada frente social e iniciativa direta dos e das de baixo que pudemos participar. A Greve Geral do dia 28, sabemos, ainda não é a reposta a altura e merecida dos governos e patrões na atual correlação de poder. Mas foi uma demonstração inegável do poder e da capacidade da classe oprimida em colocar um freio na sanha dos capitalistas e seus lacaios. É na luta e na ação direta que se cria Poder Popular e Rebeldia!

Rumo a um 1º de Maio de Memória, Luta e Resistência!
Contra o ajuste e a repressão, Luta e Organização!
Coordenação Anarquista Brasileira – CAB

[ORL] CONTRA O EXTERMÍNIO DE NEGRAS E NEGROS DA PERIFERIA E DE TODA POPULAÇÃO POBRE!

Retirado de: http://www.resistencialibertaria.org/index.php?option=com_content&view=article&id=159%3A2015-11-29-01-22-14&catid=99%3Anegras-e-negros&Itemid=56

oaorl

Boletim da Organização Resistência Libertária (ORL/CAB) | Novembro de 2015 | Fortaleza – Ceará

Contra o extermínio de Negras e Negros da Periferia e de toda População Pobre!

Não tem escolar, não tem lazer,
Só crack, arma, polícia pra te corromper,
O sistema é maquiavélico, estratégico, não erra,
arma todo esse cenário de guerra

Leandro Mc/FOME

Lutamos cotidianamente contra as estatísticas da morte de nosso povo, negro e pobre. E essas estatísticas trazem resultados alarmantes. Um desses resultados nos diz que um jovem negro no Brasil tem três vezes mais chance de ser assassinado do que um branco, sendo que 77% das vítimas de assassinatos são negros. A polícia brasileira é a que mais mata no planeta e os números apontam que seu principal alvo tem: cor/raça e classe social.

Para a maior parte da população, e principalmente para os programas policialescos e as forças repressoras do Estado, “bandido bom é bandido morto”. Mas, na realidade tal pena de morte só é aplicada a população negra e pobre, o que resulta num verdadeiro holocausto na periferia.

A polícia civil e militar, um dos braços armados do Estado, é uma instituição que tem forma, poder e uma articulação intrínseca com as estruturas da nossa sociedade (que é dividida em classes). Sua forma é hierárquica, sendo pautada cotidianamente pela repressão violenta, visando defender o Estado, o Capital, a supremacia branca e o patriarcado.

O Estado tem o monopólio da repressão através das forças armadas, mas também devemos considerar as relações de poder entre as forças armadas/militar e o Estado (expressão político-institucional), em um determinado momento. A esfera política/jurídica/militar traz um mar de relações corruptas e uma série de violências brutais para o nosso povo, negro e pobre.

Os Estados programam formas que possam encarcerar a população negra, pobre e lutadora. O controle social é um mecanismo utilizado pelo Estado que visa, exclusivamente, punir quem não ler na sua cartilha, quem não concorda com o seu “circo”. Manifestações radicalizadas que possam surgir contra o ajuste fiscal, direitos das mulheres e redução da maioridade penal estão seriamente ameaçadas. São exemplos de controle social: a Lei Antiterrorismo (de autoria do Poder Executivo, o projeto de lei segue como PL 2016/2015 na Câmara e PL 499/2013 no Senado), surge para tentar calar os setores mais combativos e revolucionários. O texto “antiterror” diz: “incendiar, depredar, saquear, destruir ou explodir meios de transporte ou qualquer bem público ou privado”. Para se ter apenas um exemplo, o “incêndio” foi o mecanismo utilizado pela comunidade do São Miguel horas depois da chacina da Messejana na entrada do bairro, essa foi à arma que os populares tinham para chamar a atenção da sociedade sobre o caso. A defesa da propriedade privada e da ordem burguesa é clara na lei, de maneira que nada possa ameaçar este esquizofrênico sistema desigual, opressor e racista. A redução da maioridade penal também é um exemplo de controle social que tem no encarceramento a solução para um Estado cada vez mais militarizado.

A origem da polícia remonta ao período escravocrata tendo a função de capturar e matar negras e negros que foram escravizadas/os, defender a propriedade privada e o abominável sistema escravista, negando dessa forma, heranças culturais, corporeidade, sexualidade e um mundo afro.  Desde a invasão portuguesa “O estupro, o linchamento e o genocídio dos povos originais e do povo negro são elementos estruturantes da nossa realidade histórica.” (1)

Quantas Anastácias não foram capturadas e silenciadas com uma máscara de ferro, tendo sua ancestralidade negada e sua vida ceifada pelos horrores da exploração? Quantas Claúdias não foram arrastadas e mortas? De lá pra cá nunca existiu polícia cidadã ou polícia amiga, o que vemos é uma articulação repressora e exterminadora da polícia – civil e militar. Precisamos mudar radicalmente a sociedade e não fazer uso das ferramentas do opressor, pois “as ferramentas do mestre nunca vão desmantelar a casa-grande” (Audre Lorde).

Não podemos reformar a polícia nesta sociedade que é capitalista, racista e patriarcal. Se há um grupo de policiais que verdadeiramente é contra o tripé repressor de nossa sociedade eles devem sair da polícia, pois lá são e continuarão sendo cúmplices do extermínio do nosso povo.

O mesmo se aplica ao processo eleitoral, pois nenhuma eleição irá barrar o extermínio de negras e negros da periferia e de toda população pobre. A eleição como farsa, sempre teve o papel de eleger fantoches e supostos representantes. Obama nos Estados Unidos é só mais um exemplo de como esse processo é fraudulento e racista, pois a justiça, o governo Obama e as forças repressivas norte americana continuam encarcerando a população negra, condenando a prisão perpétua e levando milhares negras/os e latinas/os para o corredor da morte. O ex-pantera negra Mumia-Abu Jamal é só mais um exemplo.

A ditadura civil-militar teve seu fim na década de 1980? Há um regime ditatorial e autoritário vigente, a ditadura não cessou para a periferia e todas as classes populares. As práticas repressivas continuam e o extermínio não dá sinais de parar para periferia. Os anos de 1990 deram continuidade ao derramamento de sangue no chão. Só para citar dois exemplos, as forças do Estado estiveram envolvidas no massacre do Carandiru (1992) e da chacina da Candelária (1993). O projeto de Estado brasileiro sempre foi genocida e racista, vivemos na democracia da morte para o povo negro e pobre, em que o encarceramento e a pena de morte nos são oferecida pelo Estado.

A crescente militarização da sociedade é uma realidade. São mais UPPs, expansão massiva do Raio (Rondas de Ações Intensivas e Ostensivas), supostas armas “não letais” para o conjunto da guarda municipal e gestão militar nas escolas, como é o caso de Goiás, em que o governador Marconi Perillo (PSDB) propôs em meados deste ano um projeto de militarização de algumas escolas, trazendo mudanças na estrutura organizativa da escola, implementando o código disciplinar militar e criando algumas taxas. (2)

Racismo institucional, chacina e sequestros já fazem parte de nosso cotidiano. Forjamento de flagrantes em homens e mulheres da periferia já é prática corriqueira. Tudo que difere do padrão vigente, que é excludente e preconceituoso, em termos de raça, classe, sexualidade, comportamento e idade, já são estigmatizados e considerados indesejados.

Quando não nos matam cotidianamente com vários tiros de diversos calibres, nos matam com a ausência dos serviços básicos sociais, nos matam com a humilhação diária e com a precarização de tudo que é considerado “público”. Portanto perguntamos: “Cadê o que tu prometeu pra minha favela, pra minha periferia não vejo nada nela” (Mc Frank/FOME). O Estado aprofunda a segregação, faz uso do racismo institucional para humilhar os jovens da periferia. A polícia vem realizando uma espécie de blitz nas vias de acesso aos bairros periféricos, em que os “suspeitos”, de maioria negra, são obrigados a descer do ônibus. O assédio policial humilha, criminaliza e estigmatiza a população periférica negra e pobre.

A ordem para o controle social é abater. Na chacina da Messejana (São Miguel, Lagoa Redonda e Curió), no último dia 11 de novembro, onze periféricos foram mortos, são eles: Patrício, 16; Allison, Jardel, Marcelo s. Mendes, Alef, Marcelo S. Pereira, Erick, todos tinham 17; Pedro, 18; Jandson, 19; Elenildo, 41; Valmir, 37. Todo o grupo de extermínio que praticou a ação estava encapuzado, os mesmos arrombaram portas, arrastaram as vítimas para fora de casa e executaram. Nenhuma das vitimas tinham passagem pelo polícia pelos ditos crimes graves. Sete outras vítimas foram lesionadas a bala e/ou lesão corporal no momento da chacina. Um dos projetos de controle social, do programa “Crack é possível vencer” (uma unidade fixa), a UPP de Fortaleza, situada no São Miguel, um dos locais da chacina, não viu nenhuma movimentação mesmo com todas as suas câmeras de segurança.

Outras chacinas também ocorreram nos últimos meses em outros Estados. Em Salvador, por exemplo, no dia 6 de fevereiro, 16 foram mortos na chacina do Cabula. A dita “segurança pública” da gestão de Rui Costa, do PT, executou sumariamente a juventude negra e pobre. Perseguir, capturar e executar sempre fez parte do código da polícia, seja ela civil ou militar.

A perseguição aos indígenas, quilombolas e periféricos, negras/os e pobres continua. No Ceará, diversas comunidades indígenas sofrem com o assédio policial nas áreas de retomadas. Os quilombolas do Cumbe, Aracati, foram despejados/as violentamente em agosto de 2013 pela PM/Cotar de uma área ocupada por eles/as para fins de recuperação ambiental, em um local que antes era um viveiro de camarão.

As mulheres negras também são as que mais sofrem. Números indicam que houve um aumento de 54% em termos de homicídios (mapa da violência, 2013) praticados contra a mulher negra, enquanto em relação a mulher branca houve uma queda de 9,8%. Outro gravíssimo problema é na unidade prisional feminina da região metropolitana de Fortaleza, Auri Moura Costa, o presídio hoje amontoa cerca de 700 mulheres e nos últimos cinco meses já foram registrados duas mortes (Ana Claúdia e Joelma de Souza).

O defasado sistema socioeducativo também abriga em sua maior parcela adolescentes negras e negros e pobres. Depois de um 2015 de muitas manifestações por parte dos jovens, por conta da superlotação, maus tratos e péssimas condições sanitárias, o pior ocorreu. O adolescente Márcio, 17, foi morto pelo BCPM no momento de uma manifestação no Centro “Socioeducativo” São Miguel e no C. “Socioeducativo” São Francisco, no dia 6 de novembro. O caso provavelmente será registrado comoauto de resistência, ou seja, resistência (do policial) seguida de morte. É uma forma de legalizar e legitimar a violência cometida pelas forças policiais, e sendo assim, quando registrado como auto de resistência, os homicídios realizados pelo braço armado do Estado acabam não sendo investigados. Algumas semanas depois da morte de Márcio, vários instrutores foram presos por conta de uma surra generalizada em um dos centros.

E os abusos continuam! O sequestro também faz parte do cardápio das forças policiais.  Foi o que ocorreu com o frentista João Paulo, 20, que não possui passagem pela polícia. Visto pela última vez no dia 30 de setembro na Av. Cônego de Castro, no Parque Santa Rosa, o mesmo aparece no referido dia em imagens de uma câmera de segurança sendo abordado por uma patrulha militar e sendo conduzido para um veículo de passeio. O grupo de sequestro e extorsão foi “preso” e é formado por três policiais da Força Tática de Apoio (FTA)/BPM de Maracanaú e um sargento da reserva da PM. João Paulo até agora não apareceu!

Nosso chão sagrado foi manchado de sangue e a luta cotidiana cobrará o extermínio da população negra e pobre

O que deve ser exterminado é o preconceito racial dentro de nós, o discurso racista da extrema- direita e até de alguns setores da esquerda. Tanto direita como parte da esquerda defendem um projeto político hegemônico branco/eurocêntrico. Alguns setores afirmam que não há o racismo e outros enxergam como uma questão secundária. Para nós, da Organização Resistência Libertária [ORL-CAB], o debate e prática da luta antirracista não é secundário. Acreditamos que devemos descolonizar a consciência e deixar a briga pelo poder centralizado do Estado de lado. Muitos setores não querem discutir privilégios e acreditam que estão fazendo seu papel ao buscarem colocar algum representante nas cadeiras do legislativo ou em alguma secretaria sobre a questão racial. O Estado enquanto instrumento político tem suas bases cimentadas no capitalismo, no patriarcalismo, no racismo, na heteronormatividade e outras mil e uma opressões.

A reforma será sempre parcial, nunca devendo mexer nem um milímetro nas bases do Estado. A luta antiautoritária negra (3) deve partir de baixo para cima, a partir de nossas experiências, vivências e práticas comunitárias em torno da igualdade entre os iguais e não de estruturas hierarquizadas, como o Estado, partidos e as relações econômicas.

Acreditamos na autoidentificação racial e entendemos que o reconhecimento enquanto negra e negro deve ser o combustível para o fortalecimento da luta específica, independente, autônoma e coletiva com os outros setores. Se nós não nos reconhecemos, o Estado, Polícia e todos os opressores nos reconhecem e nos discriminam. Não podemos aceitar essa máscara de ferro sutil e violenta, não devemos nos silenciar! O projeto capitalista, racista e machista nos retira tudo e sua consequência é sermos exterminadas/os, capturadas/os e levadas/os para os presídios, sistema “socioeducativos”, tráfico, exploração infantil e o turismo sexual. Qual a diferença entre a relação do senhor de engenho com as negras e os negros do período escravocrata com os dias de hoje?

Nós, negras e negros, temos muito a dizer sobre tudo e em todos os espaços, e não só sobre a questão negra, afrodescendente. É necessária a equidade racial em todos os lugares, mas sabemos dessa dificuldade, pois vivemos sob um projeto de limpeza social racista que nos quer ver mortas/os, trancafiadas/os e servindo de mercadoria sexual para o bel prazer do senhor. A real mudança desse quadro racista passa por nossas comunidades, nossos quilombos periféricos, seja na cidade ou no campo. Devemos refletir nossos problemas e pensar a partir de nossas possibilidades, não nos cabe fechar nossas consciências apenas as teorias eurocêntricas, sobretudo aquelas que pesam o histórico de dominação.

A luta antiautoritária negra não terá intermediação burocrática, já está se organizando na periferia e combaterá qualquer forma de subserviência. Nenhum partido nos forçará dar um passo atrás, a luta antirracista diz e dirá: Nenhum passo atrás! Reaja ou será mortx! (Campanha Reaja ou Será Mortx). Podemos até está no mesmo barco, mas nosso povo NEGRO continua sofrendo com o preconceito, discriminação e o racismo, mas estamos saindo dos porões dos navios negreiros para destruir os senhores que estão na parte superior dos vários “La Amistad”. (4)

Nós da Organização Resistência Libertária reafirmamos nosso compromisso com xs de baixo e o nosso repudio a todas as formas de opressões. Por isso dizemos não a redução da maioridade penal e não ao extermínio da juventude negra e pobre. Lutaremos para impedir que a marcha fúnebre prossiga!

Nosso sangue é NEGRO e VERMELHO e nosso corpo é sinônimo de Resistência!

Zumbi e Dandara somos nós!!!

(1) Coletivo Editorial Sunguilar. Anarquismo e Revolução Negra, 2015.

(2) Passa Palavra, Goiás: comunidade se mobiliza contra militarização de escola

(3) Lorenzo Kom ‘Boa Ervin. Falando de Racismo e libertação Negra

(4) Navio negreiro tomado por negros e negras no século XIX, no Oceano Atlântico

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