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[FARPA] O machismo e a esquerda – um debate necessário

Retirado de: https://www.facebook.com/cazpalmares/photos/a.280261412156749.1073741828.280250265491197/482341138615441/?type=3&theater

A violência de gênero está imbricada no conjunto de uma violência estrutural e sistemática que socialmente divide e fragmenta a humanidade em desiguais. Se é verdade que a violência de gênero não é uma questão que se resolve nos marcos de um sistema desigual de riqueza e poder, tampouco o seu combate é algo “pra depois”. Foi pra ontem, é pra hoje e será pra amanhã e até enquanto as relações de gênero signifiquem relações patriarcais e de opressão.

A violência que cotidianamente ceifa a vida de mulheres dos grandes centros urbanos aos pequenos povoados rurais, que aparece sob suas variadas faces, das mais visíveis as mais “sutis”, deve encontrar a viva resistência contra todas as políticas que ataquem direitos conquistados e firme combate ideológico aos valores e práticas machistas em nosso cotidiano.

O machismo que oprime e mata nos lares e nas ruas, está também no interior da militância de esquerda. Julgar-se dominar historicamente os grandes eventos revolucionários, as teorias e os conceitos das tradições socialistas, não coloca ninguém em um pedestal como ser distinto de uma sociedade opressiva e machista. Por outro lado, reconhecer isso, não pode significar naturalizar o machismo (“se a sociedade é machista, eu também sou”) e, como consequência prática, passar a considerar a luta feminista como uma luta de menor importância. Reivindicar o posto na luta de classes deve também significar a produção de novas práticas, a realização da autocrítica e o combate a violência de gênero, em suas distintas faces e “sutilezas”, não só de “fora” das organizações políticas e movimentos sociais, mas também em seu interior, nas relações pessoais-políticas e na forma em que se estruturam as organizações e movimentos.

Que a esquerda siga a denunciar e a combater o machismo. Mas não somente o do “outro”, o da “sociedade”, mas sim também aquele que silencia companheiras e reproduz “papéis” tradicionais de gênero no interior das organizações e movimentos, tal como nas relações dos militantes com suas mães, colegas de trabalho, companheiras etc.. Nos olharmos no espelho é necessário. A tarefa é urgente.

Federação Anarquista dos Palmares – FARPA
Alagoas, 25 de novembro de 2015

[FARJ] Sectarismo e vanguardismo – Debatendo um problema na esquerda

Retirado de:                                               https://anarquismorj.wordpress.com/2015/01/17/sectarismo-e-vanguardismo-debatendo-um-problema-na-esquerda/

FARJ – Publicado em Libera 163 (Julho a outubro de 2014)

O sectarismo é a intolerância com as posições, opiniões, ideologias ou práticas diferentes das suas ou de seu movimento, organização, grupo etc. Vem acompanhada da arrogância, vaidade e oportunismo, colocados acima da luta pela transformação social. Assim, uma prática sectária vai pautar a política pela diferença, afirmando-se pela negação e denuncismo do outro, buscando o conflito em vez do consenso coletivo e do debate fraterno.

Quando se manifesta entre os setores da esquerda, o sectarismo é ainda mais danoso, pois muitas vezes a luta conjunta contra os inimigos de classe é prejudicada por uma visão de mundo inflexível, fanática e pouco atrativa que acaba mais por espantar o povo do que atraí-lo à causa revolucionária. O sectário preocupa-se mais com o que outros grupos políticos estão fazendo do que com os inimigos de classe dos trabalhadores.

As diferenças políticas, ideológicas e estratégicas de fato existem na esquerda, mas nenhum movimento social ou ideologia avançará sozinha no processo de transformação social. Faz parte da luta saber construir alianças, composições e articulações, com ética e sem que seja necessário deixar de lado os princípios e o programa estratégico, mas buscando o consenso coletivo pelos pontos e demandas que se tem em comum e que ajudem a fortalecer o povo e a alcançar os objetivos revolucionários. Uma prática política ética que respeite as diferenças políticas e procure sempre o fortalecimento da classe trabalhadora é o que diferencia uma proposta libertadora de um processo autoritário; uma meta democrática de um método impositivo. Práticas informais de articulação e grupos mal estruturados também prejudicam o caminho para o poder popular. Podem reproduzir por outras vias o vanguardismo, criando “lideranças ocultas” e desestimulando espaços de construção coletiva.

É preciso ter atenção, pois as relações de opressão também podem estar encarnadas na militância e essa prática deve ser combatida. Deve-se evitar todo doutrinamento, enfiando na cabeça do povo sistemas de ideias ou esquemas de ação já montados que não dialogam com sua realidade. O processo de construção do poder popular não é a doutrinação. Nem formas autoritárias de se fazer política que supõem que uma “vanguarda iluminada” saiba, fale e ensine, enquanto uma outra, o povo, ignore, escute, aprenda e obedeça.

Não são apenas belos discursos que convencerão o povo de sua força e capacidade de luta. Será sua participação concreta e efetiva na organização dos trabalhos de base, de uma greve, manifestação de rua, mutirão etc, em práticas coletivas que vão gerar acúmulos e poder popular. Tampouco é com uma bela retórica que iremos dar cabo das demandas populares, ao contrário, é por intermédio da participação política direta, com o povo organizado deliberando sobre seu cotidiano; no exercício prático com suporte de uma teoria voltada para a realidade e nutrida por esta. Trata-se assim de promover um avanço com o povo sem “idealizações” ou “ideologizações”, ou simplesmente ficar soltando “programas máximos” de maneira a não estabelecer um diálogo com o cotidiano das pessoas. Mas sim traçar objetivos, construir um programa mínimo e planos de ação proporcionais às exigências da realidade e da prática.

Pois, quando há uma vontade de acelerar artificialmente este processo de organização, mesmo em nome das causas mais “revolucionárias”, cria-se um descompasso perigoso que leva a formas estéreis de radicalismo. É querer mais do que o povo e “dar o passo maior que a perna”. É projetar um ponto de vista ideológico sobre uma realidade, de cima para baixo, enxergando apenas o que se gostaria de ver e forçando o povo a fazer aquilo que se acha que ele deveria fazer. E muitas vezes isso vem acompanhado da exaltação de um “martírio militante” ou de uma “autoridade teórica revolucionária”, promovendo determinadas vanguardas políticas.

Outra prática sectária é fazer uma ação descolada da realidade ou que não foi construída coletivamente e acusar de “reformistas”, ou algo semelhante, os que dela não participaram. Ao fim, a ação visa fortalecer as vanguardas políticas e não a luta popular. Essa prática autoritária de forçar uma “radicalização” ou impor uma pauta externa que não foi construída coletivamente pode ser contraproducente e resultar em recuo. E o que parece “revolucionário” tem um efeito reacionário pois não tem sensibilidade com o povo e não quer caminhar junto com ele.

Contribui para isso a arrogância de não se analisar corretamente as possibilidades da conjuntura e as condições concretas da luta. Querer dogmaticamente “empurrar” o povo sempre para uma correlação de forças desigual é agir de forma irresponsável que causa prejuízos sempre para os setores menos privilegiados. Forçar o passo só leva a iniciativas sectárias e à divisão no meio das massas. Uma ação é revolucionária não por sua “estética radical”, mas pelos objetivos que busca e pelo método com que foi construída e encaminhada. Querer que, de uma hora para outra, haja comprometimento imediato do povo em um processo político é colocar o trabalho de base a perder. “É melhor dar um passo com mil do que mil passos com um”.

Todos os verdadeiros processos de poder popular começam com modéstia. Pois a luta dos de baixo cresce a partir dos pequenos problemas sentidos e nas possibilidades de solução, onde toda ação deve ser assumida pelo povo enquanto sujeito ativo. Assim, o lugar das organizações políticas não é atrás nem à frente, mas como são formadas pelo povo, estar em seu meio, para estimular, propor políticas e organicidade e colocar combustível na luta. É necessária uma grande sensibilidade para acompanhar e respeitar a dinâmica viva da ação popular no momento em que ela se processa no dia a dia, numa manifestação ou numa mobilização, por exemplo.

Vontade de lutar para a transformação social sim! Mas uma determinada concepção de trabalho e de prática política cotidiana são o diferencial que vão determinar o caráter do novo mundo que se busca construir. Existem outros métodos que ajudam a acelerar efetivamente e de maneira consequente essa caminhada do povo, como a avaliação da conjuntura, a promoção da articulação, o avanço na organização interna e contato com outros grupos e experiências, o estímulo à (auto)formação política, e a criação de um ambiente social e político ético e favorável a isso, com participação direta e respeito ao povo. Métodos e práticas dotados de princípios populares como a ação direta, autogestão, ética, apoio mútuo e classismo. Valores que devem estar presentes no agora para a construção do poder popular e da transformação social.

[CQM – CURITIBA] Atividade A Outra Campanha – Nossas urgências não cabem nas urnas! Amanhã – 21/10

Retirado de:                               http://quebrandomuros.wordpress.com/2014/10/20/curitiba-atividade-a-outra-campanha-nossas-urgencias-nao-cabem-nas-urnas-amanha-2110/

Desde 2006, os zapatistas desenvolvem “A Outra Campanha”, uma alternativa às eleições representativas. Partindo de uma linha de esquerda e anticapitalista, “A Outra campanha” baseia-se na consulta e no diálogo direto com a população, na descentralização da prática política e no estímulo a formas autônomas de organização e cooperação. Políticos profissionais e pequenos grupos de líderes são vistos como desnecessários: é de baixo – ou seja, do povo organizado – que vem as reivindicações, propostas e ações.

É, além de uma proposta contrária as eleições, representativas, um chamado para a ruas, pros movimentos de base, pra que não esperemos de um governo e sim façamos as conquistas nós mesmos!

A proposta deste encontro é apresentar A Outra Campanha e discutir como a colocamos em prática, como fazemos a mudança fora das eleições, todos os dias!

QUANDO: TERÇA-FEIRA, 21/10, 19 HORAS.

ONDE: PRÉDIO HISTÓRICO DA UFPR! SALA 205 DA PSICOLOGIA.

Nosso lugar é com os de baixo e na rua, é na luta!
Nossas urgências não cabem nas urnas!

Evento no Facebook:                  https://www.facebook.com/events/871655879524692/

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[CAB] anarquismo.noblogs.org

“O anarquismo é produto do movimento de massas e não pode jamais dissociar-se da prática.” (Ba Jin, anarquista e escritor chinês)

Nas fotos, Mikhail Bakunin, Lucy Parsons, Ricardo Flores Magón e Domingo Passos.

Novo Site da Coordenação Anarquista Brasileira: anarquismo.noblogs.org

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[FARJ] A transformação social construímos no agora – Prática política, ética e estilo militante

Retirado de: http://anarquismorj.wordpress.com/2014/01/21/a-transformacao-social-construimos-no-agora-pratica-politica-etica-e-estilo-militante/

“Para nós a importância maior não reside naquilo que se consegue, pois conseguir tudo o que queremos significaria que todos aceitassem e praticassem a anarquia, o que não será feito em um dia nem por meio de um simples ato insurrecional. O importante é o método com o qual se consegue o pouco ou o muito.”

Malatesta 

“A esquerda tradicional tem sido sectária, dogmática e tem frequentemente ignorado a realidade ao seu redor. Não acredito que os anarquistas, no geral, tenham sido muito melhores. É hora de dar o exemplo. Devemos apontar para a construção de espaços de discussão e mudar os hábitos maléficos em nosso movimento, que não contribuem com o debate e que mais entorpecem o desenvolvimento do necessário espírito crítico que o movimento revolucionário tanto necessita para fazer frente às difíceis tarefas de regeneração social que temos adiante.

José Antonio Gutiérrez Danton

Para Malatesta cada fim requer seus meios, e se lutamos por um fim diferente do sistema de dominação e exploração capitalista os meios para atingi-lo também devem ser diferentes. Nesse sentido, entendemos como ética e estilo militantes os valores que conduzem nossa prática política cotidiana, em permanente diálogo com a realidade e em coerência com nosso método e com nossa concepção de trabalho. O germe de uma sociedade mais justa, igual e livre de exploração e dominações está na maneira como atuamos no “agora”, e isso não pode ser deixado pra depois. Está na forma como nos organizamos, por meio do federalismo, da autogestão e da ação direta. Está na intenção que damos a nossas práticas e às relações nos meios social e político; com os setores populares, com outros(as) militantes e companheiros(as) e na relação entre organizações políticas. O que equivale a dizer que o estilo militante é a busca da coerência entre as práticas do(a) militante, e do conjunto da militância, com os princípios, métodos e a linha política de uma organização.

Além de definir um programa estratégico com propostas concretas de intervenção na realidade, uma organização anarquista deve buscar uma prática política consequente com um determinado estilo militante, que servirá como elemento fundamental para a construção do poder popular e da transformação social. A prática também é ferramenta de propaganda e contribui para que se forme opinião favorável à organização, uma vez que é na vivência da luta e no convívio com os(as) militantes que se constrói cumplicidade no trabalho de base e novos(as) companheiros(as) e apoiadores(as) vão se aproximar.

É importante pontuarmos que não idealizamos um ser humano perfeito, muito menos um tipo de militante infalível. Os mais diversos problemas e contradições vão estar presentes nas dinâmicas das lutas ou nos processos revolucionários, e é nos organizando para superá-los, ou reduzi-los ao máximo, que avançamos. Há inúmeros exemplos, contemporâneos ou históricos, onde a proposta anarquista contribuiu para a organização e os embates pelas demandas dos trabalhadores e trabalhadoras. Pois nossa convicção ideológica se dá pela prática, nossa teoria é para atuar na realidade e nosso programa é fruto das lutas cotidianas.

Errar e trabalhar para corrigir os erros nutre nosso aprendizado e gera acúmulo político e amadurecimento. Também é fundamental sabermos fazer a crítica fraterna ao(à) companheiro(a) quando é necessário, e termos humildade para assumir quando erramos, fazer a autocrítica e nos esforçar para mudar nossa conduta. Nada de fazer “vista grossa” ou “passar a mão na cabeça” quando se identifica um problema relativo à prática de algum(a) companheiro(a). Quando os(as) militantes e a organização se omitem de encarar estes problemas, e não os pautam nas instâncias coletivas adequadas, pode-se gerar uma “panela de pressão” que poderá minar a relação orgânica, prejudicar o trabalho de base e gerar desentendimentos que, de outra forma, poderiam ser evitados.

Assim, o exercício da crítica e do debate devem ser encarados como importantes ferramentas organizativas, postas a serviço da prática e tendo esta também como ponto de partida, seja nos níveis político ou social. Não a crítica como mero exercício intelectual, o debate pelo debate ou com o objetivo único de mudar a consciência de cada indivíduo. Pois não é simplesmente a mudança de consciência das pessoas que altera a realidade, mas é na construção de um determinado sujeito de transformação social nos processos cotidianos de luta contra o sistema de dominação e exploração. Esses sujeitos (negros, camponeses, favelados, estudantes, jovens, indígenas, mulheres etc.) vão se incorporando à organização, trazendo suas experiências e lutas.

Sabemos que o processo de identificar e mudar as práticas com que somos formatados(as) pelo sistema de opressão e dominação não é algo que ocorre da noite para o dia. Mas devemos estar atentos para não agirmos de maneira egoísta e vaidosa ou reproduzir atitudes preconceituosas, sexistas, machistas, homofóbicas ou outras formas de opressão e autoritarismos com os(as) companheiros(as). E quando isso ocorre o coletivo deve ajudar o(a) companheiro(a) a reconhecer e mudar sua conduta, mas considerando sua realidade e suas limitações, sem querer crucificá-lo(a), caricaturá-lo(a) ou exigindo dele(a) uma “pureza” impossível na vida real.

Também é importante saber motivar aquilo que o(a) militante tem de positivo, reconhecendo as diferentes potencialidades, temperamentos e singularidades. Estimular nele(a) o exercício da delegação, a iniciativa, a participação e o posicionamento nas instâncias coletivas. Saber ouvir e saber debater, mesmo diante das posições divergentes, fazendo sempre esforço para se chegar aos acordos coletivos sem fazer “cavalo de batalha”. Priorizar a construção coletiva em vez das práticas voluntaristas descoladas da estratégia, o que é diferente da capacidade de iniciativa de cada um para ajudar naquilo que for possível. Como também prezarmos pela organicidade em vez das relações e estruturas políticas informais, de caráter personalista ou paternalista, o que pode dar margem para desigualdades e manipulações políticas no interior do coletivo. Evitar o personalismo é fortalecer as estruturas coletivas e ter claros os critérios de atuação para todos(as).

Nos diferentes níveis de atuação, o(a) militante deve entender que sua prática política, além de ser o “rosto” de sua organização, é também referência para os outros, positiva ou negativamente. Por isso é importante cultivarmos o espírito de fraternidade e apoio mútuo nos espaços de trabalho, estimulando e promovendo a máxima confiança, ética e camaradagem entre os(as) companheiros(as). E, principalmente nos trabalhos sociais, não ser arrogante achando que vai levar a “verdade” ao povo, mas saber primeiro ouvi-lo e aprender com a sabedoria,  realidade e cultura populares.

Espera-se do(a) militante uma atitude atenta ao conjunto de sua organização para além de seu trabalho específico, contribuindo e buscando soluções para organizar e articular os trabalhos nos diferentes espaços em que se inserem, ajudando na construção de uma política onde os campos de luta em que atua a organização dialoguem cada vez mais. Que saiba equilibrar sua participação ao contribuir e comprometer-se tanto com as tarefas de funcionamento interno da organização quanto com as tarefas externas, relativas aos trabalhos de base. Agindo com responsabilidade e comunicar ao coletivo quando da impossibilidade de cumprir determinada tarefa. Pois ter imprevistos e problemas é normal, mas a falta de comunicação prejudica a organicidade. Por outro lado, estar sobrecarregado de tarefas também não significa que a política está avançando, mas que talvez não estejamos atuando com planejamento ou estabelecendo prioridades.

A formação é outro elemento importante, principalmente quando se pensa numa política articulada com as demais atividades internas da organização e preocupada com o acolhimento do(a) militante e dos recém ingressos junto ao trabalho de base. Complementada com uma formação teórica que vai fortalecer e qualificar a prática do(a) militante, dotando-o(a) das ferramentas necessárias para produzir e reproduzir as propostas da organização. Também, todo(a) aquele(a) que recém ingressa deve compreender que o processo não recomeça do zero naquele momento, e que ele(a) irá contribuir da melhor maneira possível para multiplicar força num processo que já vem caminhando com outros(as) companheiros(as) e que tem seus acúmulos. Todos os militantes constroem a organização mas devem saber respeitar as deliberações coletivas e atuar a partir destas.

No nível social a atuação nas bases nos ensina muitas coisas, seja em movimentos sociais do campo, da cidade, nos locais de trabalho, de estudo ou em iniciativas de resistência em favelas e periferias. Devemos contribuir para que os espaços coletivos que ajudamos a construir sejam agradáveis e estimulem a participação de todos. Uma vez que a dominação e a exploração capitalistas trabalham para afastar o povo da participação política, colocando a via eleitoral e o individualismo como referenciais, em nossos trabalhos o exercício da política e da militância não deve parecer às pessoas como algo chato ou coisa só para “profissionais”, distante de sua realidade. Uma reunião ou assembléia de base esvaziada indica que podemos estar fazendo alguma coisa errada. Um determinado estilo militante aplicado ao trabalho de base também pode estimular pedagogicamente, se proporciona condições de maior participação nos espaços de deliberação, considerando as realidades e limitações de cada um. Por exemplo, mesmo com uma modesta experiência no campo comunitário, podemos dar o testemunho de que um trabalho focado estrategicamente e com base numa relação de igualdade, respeito e estímulo à participação política teve como consequência a aproximação de pessoas em distintos níveis de participação, desde o mais pontual até o mais orgânico. Aos poucos vão se estabelecendo importantes relações de identidade com nossas propostas, sabendo valorizar as iniciativas populares de resistência e articular politicamente os trabalhos.

Ao mesmo tempo, no nível político também devemos prezar por uma ética e estilo militante nas relações com outras organizações políticas e correntes da esquerda. A atuação em espaços mais amplos e de diversidade ideológica como fóruns, campanhas e mobilizações nos colocam outros desafios. Nossas propostas não são as únicas e não vamos nem queremos estar sozinhos nos processos de luta. Para fazer frente aos poderosos e opressores muitas vezes vamos estar compondo com outros setores da esquerda construindo consenso a partir do que há de acordo comum, o que não significa abandonar nossos princípios. Seria muito cômodo compormos politicamente apenas com quem temos concordância ou afinidade ideológica, mas isso seria adotar o principismo como política de atuação, o que não faz avançar a luta nem enriquece nossas experiências.

É comum passar por situações de desacordo, divergências políticas ou falta de conduta ética por parte de indivíduos ou grupos, mas para além do denuncismo, nosso foco deve estar em divulgar e fazer avançar nossas propostas. Precisamos saber diferenciar os inimigos de classe dos adversários ideológicos. Sem isso corremos o risco de atuar como um “rolo compressor” nos espaços políticos, reduzindo-os à espaços de disputa ou de “captura” de militantes apenas.

Devemos saber encaminhar as divergências com serenidade e evitar conflitos e polêmicas desnecessárias, diferenciando as divergências de princípios daquelas de estratégia ou tática e reconhecendo os méritos alheios. Antes de ser críticos, ser autocríticos. Defendemos o anarquismo com firmeza diante de ataques e calúnias, e fazemos a luta ideológica quando preciso, mas colocando nossas posições e opiniões sem dogmatismo e contextualizando nossas críticas em vez de generalizá-las a toda uma corrente, grupo ou ideologia. Há discussões que devem ser feitas e as divergências muitas vezes vão existir, mas que se façam sem sectarismos ou dogmatismos.

Publicamente, devemos saber nos posicionar sem virulência febril, que faz parecer que estamos mais preocupados em afirmar nossas posições ou competir com outra corrente ou organização do que em nos ocuparmos dos problemas cotidianos dos(as) oprimidos(as) e explorados(as). Não se convence ou se persuade simplesmente com violência na linguagem ou falando alto. Vaidade teórica e ideológica são faces da mesma moeda. E sobretudo hoje devemos ficar mais atentos com as ferramentas de comunicação virtual e as redes sociais, que por sua própria característica de funcionamento, acabam facilitando e estimulando esse tipo de prática nociva.

Desse modo, ética e estilo militantes não são entendidos por nós como dogmas, mas como concepções de trabalho a serem encarnadas em nossas práticas políticas e, dessa forma, buscam atuar as organizações da Coordenação Anarquista Brasileira (CAB). E nossa militância nos setores de luta do campo e comunitário, em trabalhos de produção coletiva, grêmios estudantis, pré vestibulares, educação popular e cultura, como nas mobilizações e fóruns populares de articulação, buscamos estimular e influenciar, mas também somos modificados no cotidiano das lutas. E é inserida nessas dinâmicas sociais que uma base ética e uma concepção de estilo militantes também se forjam e se qualificam enquanto frutos de amadurecimento político e reflexão nas lutas cotidianas.

[FAG] 18 anos na construção do Socialismo com Liberdade

Retirado de: http://www.federacaoanarquistagaucha.org/?p=204

Durar para atuar, atuar para durar

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Há exatos 18 anos era fundada a Federação Anarquista Gaúcha. Mais uma pedra era colocada nesse grande caminho que milhares de homens e mulheres vêm construindo com sangue, suor e barricadas ao longo de mais de 1 século de luta das classes oprimidas contra a dominação política, econômica e ideológica das classes dominantes. Desde então, nossa Organização Política Anarquista, de matriz especifista, vem buscando retomar o lugar que por origem pertence ao Anarquismo: o interior das organizações e das lutas dos oprimidos, dos explorados, dos trabalhadores e trabalhadoras de todo o mundo. Não tem sido tarefa fácil. Tivemos e temos que aprender diariamente com nossos erros, nossas limitações e também com as calúnias e o mal caratismo daqueles que deveriam ser nossos aliados na luta contra o sistema de dominação capitalista.

Mas nunca estivemos sozinhos. A companheirada da Federação Anarquista Uruguaia – FAU, fundada em 1956 e que forjou pela prática política e no enfrentamento a diversos contextos de forte repressão naquele país nos anos 60 uma bela referência que inspirou nossa fundação enquanto organização de matriz especifista, assim como as inúmeras iniciativas organizativas de jovens militantes que sem nenhuma estrutura física e financeira ousaram nesse imenso território chamado Brasil plantar sementes de organização política e social, sempre foram nossos parceiros nessa longa caminhada. Além disso, centenas de homens e mulheres militantes de movimentos sociais, de sindicatos, do movimento estudantil, dos bairros de periferia estiveram ombro a ombro nas diversas lutas travadas por uma vida mais digna, por mais direitos sociais contra a repressão e a criminalização das lutas, etc.

Mas nem um ano foi tão significativo para nós nesses 18 anos do que o ano de 2013. Foi o ano da conquista da redução das passagens em dezenas de cidades brasileiras; ano em que vivenciamos uma mobilização de massas como não se via em 20 anos; ano de forte repressão e investida das elites econômicas, midiáticas e políticas contra os lutadores sociais e contra nossa ideologia; ano de acumular experiência organizativa e política e de forjar unidade com os que lutam e querem transformar a realidade em que vivemos. Foi um ano que surpreendeu o conjunto da esquerda combativa e que apontou os limites da ação direta de rua quando não há organização de base consolidada. Enfim, para nós da Federação Anarquista Gaúcha o ano de 2013 foi um divisor de águas, tanto para nossa trajetória enquanto Organização Política quanto para a Organização dos de Baixo. E ainda temos um longo caminho a percorrer e muito para aprender com nosso povo e com as práticas que vamos forjando.

São 18 anos de Força e Convicção Ideológica e de reafirmação de um projeto político estratégico para a transformação social, elaborado e re-elaborado no calor das lutas, das alianças, dos vai e vens da conjuntura, no marco de um determinado período histórico e tendo sempre como protagonista os organismos de luta e organização das classes oprimidas. É porque acreditamos e militamos pela construção de um Povo Forte que somos Anarquistas! É porque sabemos que a Revolução Social ou a destruição das Classes Sociais não se dá por decreto e tampouco de um dia pro outro que nos organizamos politicamente e nos dotamos de uma Estratégia, de um Programa e de um Marco Teórico que analise a realidade em que vivemos.

 

Sim, somos Anarquistas e enquanto tal não nos prestamos a caricaturas.

 

Há 18 anos forjando práticas e ideologia de mudança!

Há 18 anos peleando pelo Socialismo e pela Liberdade!

Viva a FAG, Viva a ANARQUIA!!!

[CAB] Nossa Concepção de Poder Popular (CAB)

Retirado de: http://www.anarkismo.net/article/23022

Artigo teórico elaborado pela Coordenação Anarquista Brasileira para o primeiro número de sua revista Socialismo Libertário, publicado em junho de 2012.

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“Uma concepção e uma prática de autogestão têm,
em sua produção específica, seu próprio discurso.
Têm sua própria produção de poder que,
nesse caso, é de poder popular.”
Federação Anarquista Uruguaia (FAU)

O especifismo, nossa corrente do anarquismo, em especial na América Latina, vem se preocupando há mais de meio século com a problemática do poder popular. Nesse texto, tratamos de formalizar elementos relevantes dessa discussão, que hoje são compartilhados pelas organizações que constituem a CAB.

Nossa concepção de poder popular constitui, simultaneamente, um objetivo e uma estratégia, ambos os quais fornecem as bases para uma prática política ancorada no contexto histórico e geográfico em que estamos inseridos, de maneira a fortalecer nossa intervenção no conjunto de forças em jogo. Não se trata, dessa maneira, de uma discussão puramente teórica ou filosófica, que visa tão-somente conhecer a realidade ou refletir abstratamente sobre ela. Para nós, o anarquismo é uma ideologia: um “conjunto de idéias, motivações, aspirações, valores, estrutura ou sistema de conceitos que possuem uma conexão direta com a ação – o que chamamos de prática política”. [FARJ. Anarquismo Social e Organização]

Pensamos que o anarquismo deve, necessariamente, conceber essa prática política no intuito de transformar a realidade em que estamos inseridos, e é nesse sentido que concebemos nossa proposta de poder popular, pautada em uma estratégia determinada de intervenção social, de uma prática política, que possa impulsionar nosso objetivo revolucionário e socialista.

O anarquismo e o poder popular

O anarquismo surge durante o século XIX como uma forma de socialismo, ou seja, como uma de suas correntes, a qual conta, hoje, com uma longa história na luta dos oprimidos, envolvendo embates, conquistas, derrotas, prazeres, sofrimentos e martírios.

“Há sacrifícios, lutas, sangue e sonhos no interior desse conceito de socialismo. Há uma longa história de resistências. É uma produção histórica vinculada aos anseios dos de baixo. Não é uma ciência, mas uma aspiração, uma esperança do ser humano, das classes, coletivos e povos oprimidos.” [FAU/FAG. Wellington Gallarza e Malvina Tavares: trabalho FAU-FAG por uma teoria política libertária]

Essa longa história do anarquismo, inseparável das lutas que ocorreram e ainda ocorrem no sistema de dominação em que nos inserimos, constitui uma intensa memória, sobre a qual constituímos nossas certezas ideológicas, pautadas nos princípios que vêm fundamentando a ideologia anarquista. A longa história do anarquismo acumulou saberes, em mais de um século de intensas batalhas, vividos e construídos coletivamente, a partir de um conjunto riquíssimo de experiências que buscaram um mesmo objetivo finalista: promover a revolução social e consolidar um sistema socialista e libertário, chamado historicamente de socialismo libertário, comunismo libertário ou simplesmente anarquia. “O objetivo finalista originário do projeto socialista é o estabelecimento de uma sociedade igualitária, uma sociedade […] sem classes”. [CAZP. Alagoas e o Poder Popular] Esse objetivo prevê o fim da dominação de maneira geral, tanto da exploração econômica, quanto os outros tipos de dominação.

Para nós, é fundamental ultrapassar as discussões de forma, dos termos em questão, e realizar uma abordagem que leve em conta os conteúdos fundamentais da proposta anarquista. Por isso, entendemos que o anarquismo sempre esteve pautado, desde seu surgimento, em estratégias de poder popular. Quando Bakunin, por exemplo, propunha um programa para a intervenção dos anarquistas na Associação Internacional dos Trabalhadores, não fazia outra coisa senão propor um projeto de poder popular, que pudesse transformar a sociedade por meio de uma prática revolucionária dos trabalhadores. Podemos afirmar, diferentemente do que vêm sendo afirmado, que o anarquismo nunca foi contra o poder, mas desenvolveu, ao mesmo tempo, críticas de um determinado tipo de poder (dominação) e proposições de um outro tipo de poder.

Todas as práticas anarquistas forjadas em meio às classes oprimidas e que tiveram e têm por objetivo torná-las protagonistas de suas lutas e de seu próprio processo de emancipação e libertação foram, e são, para nós, projetos de poder popular. Há germes de propostas de poder popular em lutas populares do passado e do presente. Portanto, não compreendemos que a idéia de poder popular seja algo novo; o anarquismo, conforme enfatizamos, em sua longa história, desenvolveu alguns projetos de poder popular, sempre situados dentro dos marcos caracterizados pelos seus princípios.

Quando refletimos sobre a questão do poder popular, em realidade, retomamos parte significativa das teorias e práticas desenvolvidas pelos anarquistas ao longo da história mas, ao mesmo tempo, optamos por algumas delas em detrimento de outras. Além disso, desenvolvemos posições próprias, no intuito de revitalizar questões que julgamos fundamentais, para uma prática política adequada com o contexto em que estamos inseridos.

O conceito de poder 

São distintos os entendimentos do conceito de poder no campo da esquerda, e pela nossa própria defesa do conceito de poder popular, entendemos ser necessário definir com algum rigor o nosso conceito de poder.

Concebemos o poder como uma relação social estabelecida a partir do enfrentamento entre diversas forças sociais, quando uma ou mais forças se impõem às outras.

Qualquer sociedade possui uma relação dinâmica e permanente entre as forças que estão em jogo. Por isso, qualquer sociedade possui relações de poder. Indivíduos, grupos, classes sociais possuem capacidade de realização, que podem ou não se tornar forças sociais. Dessa maneira, distinguimos esses dois conceitos: “uma força social tem determinada capacidade de realização. Capacidade de realização pode ser entendida, como a possibilidade de produzir de determinada força social, quando colocada em ação pelo agente que a detém”. [Fábio López. Poder e Domínio] Assim, a capacidade de realização coloca-se no campo das possibilidades; um agente, um agrupamento pode ter uma capacidade de realização, mas transformará essa capacidade em força social no momento em que intervier nas forças em jogo. A força social implica que a capacidade saia do campo da possibilidade e passe a fazer parte do campo da realidade.

Não se pode, também, confundir força social com poder. “Poder não pode ser mero sinônimo de força social, pois para ter poder é necessário fazer uso de sua força e ela ter efeito – ou ao menos poder fazer uso desta força (quando lhe convier) e isto ser o suficiente para conseguir o efeito”. [Fábio López. Poder e Domínio] O poder existe, de fato, quando há uma imposição de vontade de um agente ou conjunto de agentes por meio da força social que consegue mobilizar para sobrepor as forças mobilizadas por aqueles que se opõem.

Poder e dominação

Falar que qualquer sociedade possui relações de poder não significa, entretanto, afirmar que todas as sociedades, e todas as relações sociais, fundamentam-se na dominação. É por isso que consideramos fundamental distinguir os conceitos de poder e de dominação.

A dominação é um tipo de poder, que caracterizamos como um poder autoritário, contra o qual temos nos mobilizado historicamente. A dominação é uma relação de poder hierárquica que pode se institucionalizar com uns decidindo aquilo que diz respeito a outros e/ou a todos. Ela explica as desigualdades estruturais, envolve relação de mando/obediência entre dominador/dominado, alienação do dominado, entre outros aspectos. É o fundamento básico das relações de classes, ainda que não se possa reduzir dominação à dominação de classe. [Alfredo Errandonea. Sociologia de la Dominación] O anarquismo, desde seu surgimento, vem lutando contra as distintas relações de dominação: entre as classes sociais, de gênero, de raça, imperialistas etc. Portanto, o anarquismo é contra um tipo de poder caracterizado pela dominação que, infelizmente, caracteriza o modelo de poder hegemônico no capitalismo.

Em oposição à dominação e ao modelo de poder que a caracteriza, o poder dominador, defendemos a autogestão e o federalismo libertário, caracterizados por um modelo de poder autogestionário e federalista, chamado por nós de poder popular. A autogestão e o federalismo são o oposto da dominação e implicam a participação no planejamento e nos processos decisórios, proporcionalmente ao quanto se é afetado por eles, pessoal, grupal ou coletivamente. Sua aplicação generalizada implica a substituição de um sistema de dominação por uma sociedade igualitária/libertária.

“Podemos dizer que autogestão seria, em termos gerais, o poder efetivo de decisão sobre o conjunto das questões políticas, econômicas, sociais; não realizado de cima para baixo, a partir da cúpula, mas de baixo para cima, a partir da base. Definição que abrange diversos campos: formas de organização política, organização dos processos de produção e serviços, educação, aspectos culturais e ideológicos. A autogestão, assim concebida, com a amplitude que acreditamos estar nela implicada, é toda uma concepção que precisa de elementos coerentes para um autêntico desenvolvimento. Implica uma transformação radical, não apenas econômica – como, de forma limitada, é tratada muitas vezes –, mas também política e ideológica. A autogestão não disciplina corpos para a submissão, para a obediência e para o mando, mas tende a destruir, a descontinuar a noção atual de política como algo reservado a uma casta, dando um outro conteúdo a esse conceito: a tomada, pelas próprias mãos, dos diversos organismos sociais, em todos os níveis e sem intermediários, dos assuntos que lhe competem, visando construir uma ordem social sobre essas bases. O que também implica socializar a política; não desconstruir seu espaço específico, mas concebê-lo de uma outra maneira.” [FAU. Poder, Autogestão e Luta de Classes: uma aproximação do tema]

Conforme buscaremos demonstrar, nossa concepção de poder popular está fundamentada nas noções de autogestão e de federalismo libertário em oposição à dominação. Por isso diferenciamos poder de dominação; o poder que defendemos, construído a partir da idéia de autogestão e de federalismo, constitui as bases de nosso conceito de poder popular e se opõe radicalmente à dominação.

O conceito de poder popular

Como já enfatizamos, compreendemos que “o poder não é algo necessariamente antipopular”; “o poder popular legítimo deve existir para oprimir os planos de tirania, que sempre surgem nas cabeças de alguns agentes”. [Fábio López. Poder e Domínio] Assim, nosso projeto de poder popular torna-se uma ferramenta, um tipo de contrapoder ao poder existente, caracterizado pela dominação.

Em termos macro-sociais, podemos dizer que concebemos o poder popular como um modelo generalizado de poder pautado na autogestão e estabelecido pelas classes oprimidas em relação às classes dominantes, o qual fornece as bases para uma nova sociedade. O poder popular, assim concebido, visa a supressão do capitalismo, do Estado e das relações de dominação de maneira geral, substituindo-os por uma nova estrutura de poder, estabelecida a partir dos locais de trabalho e de moradia; só pode consolidar-se, portanto, por meio de um processo revolucionário.

Opor nosso projeto de poder popular à dominação implica, obrigatoriamente, um combate árduo contra as forças sociais mobilizadas, fundamentalmente, pelas classes dominantes. Em meio à luta de classes, que caracteriza o sistema de dominação em que estamos inseridos, temos uma posição muito clara de, como parte das classes oprimidas – já que compreendemos o anarquismo como uma ideologia das classes oprimidas –, impulsionar um processo que conforme a capacidade de realização dessas classes em força social e, a partir de sua intervenção como movimentos populares, consiga impor nossa força às classes dominantes, acabar com a dominação e estabelecer esse poder popular, pautado na autogestão generalizada. O poder popular deve, portanto, ser edificado pela força dos oprimidos, a partir da comunhão de certos princípios, irmanados solidariamente em sua diversidade e com um mesmo objetivo.

“Não se trata de colocar o nome de poder popular às velhas e conhecidas formas de ação política e de representação que excluem o povo de toda instância de decisão fundamental. Portanto, não se trata simplesmente se tomar das classes dominantes o atual poder político centralizado, e sim de difundi-lo, descentralizá-lo nos organismos populares, de transformá-lo em outra coisa. De transformá-lo em uma nova estrutura político-social. Tomar o poder é tomar o poder nas fábricas, nos campos, nas minas, nas oficinas, nas escolas, nos hospitais, nas centrais elétricas, nos meios de comunicação, nas universidades, e o poder é dos trabalhadores e do povo quando são organismos por eles controlados, amplamente democráticos e participativos, onde os que os assumem, apropriam-se das funções tutelares exercidas desde a esfera estatal.” [FAG. Declaração de Princípios]

O poder popular é, portanto, ao mesmo tempo um objetivo e uma estratégia defendidos pelo anarquismo especifista. Ele aproxima nosso ideal libertário de um projeto de poder imprescindível para levar a cabo as rupturas que implicam o alcance de nosso objetivo finalista e não possui relação com as concepções vigentes de “tomada do poder” a partir das instituições de dominação, como no caso do Estado, seja de maneira revolucionária ou reformista.

O projeto estratégico de nossa corrente

A coerência estratégica que marca a intervenção anarquista na realidade fundamenta-se na noção, para nós bastante óbvia, de que o objetivo deve condicionar a estratégia e esta a tática. Ou seja, os meios que utilizarmos conduzirão, necessariamente, a fins condizentes com eles. Se colocamos o poder popular como um objetivo estratégico a ser atingido por um processo revolucionário de mobilização e luta, não há como não conceber estratégias e táticas condizentes com esse objetivo e que nos façam caminhar rumo a eles. Esse projeto estratégico do anarquismo especifista caracteriza-se basicamente pelo que temos chamado de construção do poder popular e da criação de um povo forte. É nesse sentido que o poder popular ganha, também, uma função estratégica fundamental.

Afirmamos que a base do poder popular é a autogestão e o federalismo libertário; portanto, nesse processo estratégico de mobilização e luta, compreendemos que a autogestão e o federalismo devem fundamentar a base de nosso programa de intervenção na criação e na participação de movimentos populares. Dentre as distintas estratégias defendidas historicamente pelos anarquistas, nossa estratégia de poder popular caracteriza-se por constituir uma estratégia de massas. Isso significa que queremos contribuir com a organização das massas de maneira que elas possam ser protagonistas de suas lutas, de curto e longo prazo, responsabilizando-se tanto por suas conquistas e melhorias do dia-a-dia, como também pelo processo de transformação revolucionária, que as emancipará e libertará complemente.

“Ainda que o poder popular seja um projeto de longo prazo (quando a força das classes oprimidas supera as forças das classes dominantes), ele começa a desenvolver-se e se fortalece a partir das experiências de mobilização e luta de curto prazo, forjadas sobre necessidades imediatas da população. Portanto, construir o poder popular exige uma atuação imediata e não de espera em relação a outros fatores que possam trazê-lo sem maiores esforços, pois é na sociedade presente que se desenvolve o embrião da sociedade futura.” [OASL. Anarquismo Especifista e Poder Popular]

Por isso, sustentamos que o poder popular tem de começar a ser edificado na luta popular, organizada e protagonizada pelos diversos setores das classes oprimidas, em torno das questões mais imediatas, visando os processos de ruptura mais profundos. Construir o poder popular e criar um povo forte implicam, além de fazer as lutas de curto prazo, avançar para lutas de médio e longo prazo e, por isso, temos defendido a organização popular em uma frente de classes oprimidas, que pode fortalecer permanente a força social das classes dominadas, colocado-as em oposição direta às forças mobilizadas pelas classes dominantes. Tal processo de organização popular, deve ser forjado “como resultado de um processo de convergência de diversas organizações sociais e diferentes movimentos populares, que são fruto da luta de classes”. [FARJ. Anarquismo Social e Organização] Trata-se de rearticular os oprimidos em torno de um projeto comum de transformação social.

Dentre as várias ferramentas existentes para a ampliação de força social está a organização. Quando nos propomos a organizar movimentos populares e participar deles com um programa determinado, acreditamos que estamos potencializando as forças das classes oprimidas a partir dessa importante ferramenta. “Construir o poder popular implica, assim, desde já, organizar novos movimentos sociais e integrar movimentos já existentes, defendendo uma posição de fortalecimento permanente. E ele só poderá surgir e realizar-se com e pelo povo, enquanto classe.” [OASL. Anarquismo Especifista e Poder Popular] Em nossa intervenção no sentido de criar movimentos populares e neles ingressar, nos apoiamos em princípios que permitam impulsionar lutas de massas que possam contribuir no fortalecimento do nosso projeto de poder popular; independência e solidariedade de classe, combatividade e ação direta, democracia direta, autogestão e federalismo. Tais princípios, defendidos historicamente pelos anarquistas no seio das lutas populares, nos servem de inspiração e de guia para a organização autogestionária no sentido de construir o poder popular.

Construir o poder popular significa construir outras relações de poder que coloquem em xeque os poderes dominantes, suas estruturas e instituições econômicas, políticas, jurídicas, militares, ideológicas, culturais; enfim, o status quo. Trata-se de ousar derrotar o sistema de dominação e realizar, na plena solidariedade da luta popular, o acúmulo de força social necessário para desequilibrar as relações sociais impostas pelas classes dominantes e, por meio do conflito social, avançar, acumular, potencializar e romper com as estruturas sistêmicas atuais. Essa estratégia só poderá contribuir com esse processo de acumulação de forças e rupturas se estiver funcionando em nossas próprias práticas políticas, que devem demonstrar uma consonância entre discursos e ações.

Compreendemos que a criação de um povo forte só poderá ocorrer se as lutas dos movimentos populares estiverem fundamentadas na autogestão. É somente por mecanismos ampliados de participação, que implicam meios libertários e igualitários, que entendemos poder estimular o fortalecimento popular de maneira a criar os sujeitos capazes de realizar essa transformação social de bases tão amplas. Organizar as diferentes expressões de luta popular segundo nossos princípios é criar um povo forte; um fator imprescindível para o sucesso de nossa estratégia.

Os sujeitos revolucionários não estão dados historicamente por uma posição histórica determinista e mecanicista; nem chegarão à consciência e à luz por meio da atuação de auto-reivindicadas vanguardas.

“Para construir povo forte e poder popular é preciso construir os sujeitos da mudança, pois estes não são dados a priori. […] Quanto aos sujeitos revolucionários a estrutura econômica-política é um ponto de partida, mas não define mecanicamente os agentes sociais transformadores. […] Todavia, os trabalhadores enquanto não se reconhecem e enquanto não possuem vontade própria, continuam a ser peças reprodutoras da engrenagem do sistema. Criar capacidade política no povo é desenvolver seu potencial organizativo e prático, potenciais estes que o próprio povo já possui em estado latente uma vez que lida diariamente com as situações de trabalho e dos problemas da vida social cotidiana.” [CAZP. Alagoas e o Poder Popular]

O novo sujeito, capaz de construir o projeto de poder popular que defendemos, deve, portanto, necessariamente ser (re)construído. A intervenção que temos por meio de nossa prática política busca essa reconstrução na luta contra a fragmentação do tecido social, completamente esgarçado pelas práticas de dominação, e pelo acúmulo das lutas cotidianas, que geram saberes e práticas relevantes, com potencial transformador. “É, portanto, no seio das lutas que se constrói o poder popular e, por conseqüência outro sujeito histórico, tanto no pessoal como coletivo. Um sujeito que não é determinado a priori, mas historicamente, no seio das lutas dos movimentos sociais.” [OASL. Anarquismo Especifista e Poder Popular] Devemos estar convictos de que esse novo sujeito deve levar consigo a idéia de um mundo novo, com outra forma de organização social, e que ele é capaz de empoderar-se, protagonizar e transformar a realidade em que está inserido.

O papel da organização específica anarquista

Ainda que estejamos defendendo o poder popular como uma estratégia de massas, isso não significa abrir mão de um outro elemento imprescindível, a nosso ver, na construção do poder popular; trata-se da organização específica anarquista.

“O problema do poder, decisivo em uma transformação social profunda, só pode ser resolvido a nível político, através da luta política. E esta requer uma forma específica de organização: a organização política revolucionária. Só através de sua ação, enraizada nas massas, é possível se conseguir a destruição do aparato estatal burguês e sua substituição por mecanismos de poder popular.” [FAU. A Organização Política Anarquista]

A organização específica anarquista, esse organismo político revolucionário, constitui, portanto, um elemento central em nossa estratégia de poder popular. Não no sentido autoritário e substituísta, que subjuga a capacidade das classes oprimidas no processo de transformação social, ou as quer substituir nessa luta. A organização anarquista é por nós compreendida como um agente que funciona como fermento ou motor das lutas populares: “a organização política não é direção, mas, antes de tudo, um motor das lutas”. [CAZP. Alagoas e o Poder Popular] Trata-se de uma diferenciação entre o caráter de minoria ativa, que atribuímos às nossas organizações políticas (nível político), e o caráter de vanguarda das organizações políticas autoritárias, naquilo que diz respeito às suas relações com os movimentos populares (nível social).

“Diferentemente da organização de vanguarda, o nível político organizado como minoria ativa, que atua com ética, não possui relação de hierarquia e nem de domínio em relação ao nível social. Para nós, como enfatizamos, os níveis político e social são complementares. […] O nível político complementa o nível social, assim como o nível social complementa o político. Ao contrário do que propõem os autoritários, a ética da horizontalidade que funciona dentro da organização específica anarquista se reproduz em sua relação com os movimentos sociais. Quando em contato com o nível social, a organização específica anarquista atua com ética e não busca posições de privilégio, não impõe sua vontade, não domina, não engana, não aliena, não se julga superior, não luta pelos movimentos sociais ou à frente deles. […] O objetivo da minoria ativa é, com ética, estimular, estar junto ombro a ombro.” [FARJ. Anarquismo Social e Organização]

Trata-se, portanto, de sustentar uma relação de complementaridade, em que a organização anarquista potencializa os movimentos populares e estes, por sua vez, constituem o campo privilegiado para a prática política anarquista. Nessa relação autogestionária entre organização anarquista e movimentos, impulsiona-se o programa anarquista, pautado em seus princípios fundamentais e em sua estratégia, de maneira a reconstruir o tecido social, organizar as classes oprimidas, estimular entre elas as práticas autogestionárias e caminhar para a construção do poder popular.

Para nós, anarquistas especifistas, construir o poder popular implica, portanto, uma prática dupla: como membros das classes oprimidas, nos organizarmos nos movimentos populares em torno de associações amplas, que agregam militantes de diferentes ideologias; ao mesmo tempo, como anarquistas, nos organizarmos, pautados em nossas posições ideológicas, para intervir na realidade de maneira mais adequada. Para isso, defendemos ser fundamental a afinidade ideológica, teórica, estratégica e prática dessas organizações anarquistas, que possuem como fundamento a responsabilidade e a disciplina de seus membros, sempre pautadas na ética anarquista.

O sistema de dominação e o projeto anarquista de poder popular

A luta contra a dominação implica métodos de análise e teorias para a compreensão crítica da realidade em que atuamos. Caracterizamos o sistema de dominação contemporâneo como uma estrutura dominadora, fundamentada nas relações sociais das distintas esferas, e que possui na luta entre classes com interesses antagônicos sua expressão mais relevante.

O capitalismo, o Estado e as diferentes estruturas e instituições que contribuem para o estabelecimento desse sistema devem ser suprimidas. Temos o dever de analisar e criticar as realidades, as forças em jogo, os agentes em questão, nossos inimigos, aliados concretos e em potencial. Essa análise, juntamente com nosso objetivo finalista e nosso conjunto de estratégias e táticas, constitui nosso projeto estratégico para intervenção e transformação da sociedade.

Acreditamos que, enquanto houver um sistema de dominação, haverá lutas pela emancipação dos oprimidos, que possuem ensinamentos genuínos ao nosso projeto de poder popular. É em meio a essas resistências que acreditamos que o anarquismo deve estar, contanto com toda a diversidade que caracteriza os diferentes terrenos populares nos quais atuamos; devemos fortalecer os valores libertários que ideologicamente viabilizam a existência desse projeto.

As dominações econômicas, caracterizadas pela exploração capitalista; as dominações políticas, caracterizadas pela divisão da sociedade em governantes e governados e pelas opressões levadas a cabo pela força bruta, pela coerção, ambas impulsionadas pelo Estado; as dominações de ordem cultural e ideológica, fundamentadas pelas idéias que circulam e fortalecem esse sistema – todas essas dominações devem ser combatidas por nós. A cultura e a ideologia produzidas pelos sistemas de dominação criam sujeitos individualistas, sem identidades que lhes vinculem às classes oprimidas, completamente incorporados ao sistema capitalista; esse é também um problema relevante, que também devemos enfrentar.

O projeto de poder popular anarquista contrapõe, em todos esses níveis de dominação, alternativas autogestionárias de luta, “gerando espaços e estímulos para a participação em sindicatos, cooperativas, centros comunitários e estudantis, nas organizações de protesto e nas reivindicações: por trabalho, saúde, teto, terra”. [FAU. Poder, Autogestão e Luta de Classes] Nessas distintas práticas, é fundamental que sustentemos a retomada da economia e da política por parte das classes oprimidas, assim como o estímulo ao desenvolvimento das identidades e culturas de classe dos distintos oprimidos, e também a difusão de uma ética pautada em valores; meios que devem sustentar nosso projeto de poder popular.

A CAB e a construção do poder popular

Nossa proposta de anarquismo, como fermento e motor capaz de impulsionar as lutas populares, a nível nacional e continental, torna-se, portanto, completamente vinculada a esse projeto de poder popular que continuamos a impulsionar; uma estratégia e um objetivo que julgamos ser coerentes para o tempo e o lugar em que atuamos.

A ideologia anarquista constitui, para nós, a base fundamental de nossa prática política; concebemos, portanto, que nossas idéias transformadoras possuem, a partir de nossa intervenção prática na realidade, a materialidade necessária para intervir no jogo de forças que caracteriza o sistema de dominação em que estamos inseridos e buscar transformá-lo com as práticas de intenção revolucionária que nos são características.

Não basta apenas desejar a utopia socialismo libertário; precisamos caminhar em sua direção. Nosso projeto de poder popular parece adequado para enfrentar esse desafio, fundamentando nossas incansáveis intervenções, desde as questões mais comuns, cotidianas, de curto prazo, até aquelas que envolvem planejamentos estratégicos de médio e longo prazo.

A CAB tem por objetivo impulsionar um projeto de poder popular nas localidades em que atua, fazendo do anarquismo a centelha que deve incendiar os movimentos populares, rumo ao nosso ideal de socialismo e liberdade.

Lutar, criar, poder popular!
Junho de 2012

[CURITIBA] Primeiro Curso de Formação Política do Fórum do Anarquismo Organizado – Região Sul

Primeiro Curso de Formação Política do Fórum do Anarquismo Organizado – Região Sul

Reuniram-se em Curitiba, entre 23 e 24 de julho de 2011 algumas organizações especifistas do anarquismo brasileiro e também individualidades com afinidades com essa proposta para uma formação do Fórum do Anarquismo Organizado (FAO), conduzida pela Federação Anarquista Gaúcha (FAG) e organizada pelo Coletivo Anarquista Luta de Classes (CALC), de Curitiba. Além da FAG e do CALC, estiveram presentes as seguintes organizações: Federação Anarquista do Rio de Janeiro (FARJ), Organização Anarquista Socialismo Libertário (OASL), de São Paulo, Organização Dias de Luta, de Joinville, além de individualidades de Florianópolis e de outras regiões do sul/sudeste do Brasil com afinidade com a proposta do anarquismo especifista.

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Primeiro Curso de Formação Política do Fórum do Anarquismo Organizado – Região Sul

Curitiba 23-24 de julho de 2011

FORMAÇÃO REGIONAL DO FAO EM CURITIBA

Reuniram-se em Curitiba, entre 23 e 24 de julho de 2011 algumas organizações especifistas do anarquismo brasileiro e também individualidades com afinidades com essa proposta para uma formação do Fórum do Anarquismo Organizado (FAO), conduzida pela Federação Anarquista Gaúcha (FAG) e organizada pelo Coletivo Anarquista Luta de Classes (CALC), de Curitiba. Além da FAG e do CALC, estiveram presentes as seguintes organizações: Federação Anarquista do Rio de Janeiro (FARJ), Organização Anarquista Socialismo Libertário (OASL), de São Paulo, Organização Dias de Luta, de Joinville, além de individualidades de Florianópolis e de outras regiões do sul/sudeste do Brasil com afinidade com a proposta do anarquismo especifista.

Marcado pelo clima de solidariedade e pela calorosa recepção, todos os presentes puderam discutir durante dois dias distintos temas em torno do anarquismo que, por meio da dinâmica adotada, puderam apreender e debater significativamente, o que certamente acrescenta muito ao processo nacional brasileiro que o FAO vem buscando impulsionar desde 2002 quando foi fundado.

A formação teve uma agenda densa, com distintos temas que tinham por objetivo fortalecer teoricamente o conjunto da militância. Foi trabalhada em cinco eixos fundamentais: A formação política da corrente libertária (uma leitura do anarquismo), história social de processos revolucionários com participação anarquista, teoria da organização política anarquista, marco teórico e categorias de análise (método de análise) e via estratégica e poder popular. O eixo propaganda de intervenção foi tratado apenas brevemente.

Descrevemos muito sinteticamente os temas tratados para dar uma idéia ao leitor do conteúdo da formação.

Vale reforçar que a formação foi ministrada pela FAG e que, por isso, o conteúdo reflete a sua elaboração teórica, que tem muitas similaridades e algumas diferenças em relação a outras organizações que compõem o FAO. Nesse sentido, todo o conteúdo é de sua responsabilidade e queremos que ele contribua para o debate e o fortalecimento de nossa corrente.

Temos todo interesse de fortalecer o processo organizativo nas regiões e – no caso específico dessa formação conduzida pela FAG – de impulsionar, além do próprio Rio Grande do Sul, os estados de Santa Catarina, Paraná. Havendo interesse de aproximação nessas regiões, não deixe de nos escrever. Outras organizações do Brasil encarregam-se no momento de outras regiões; por isso, se houver interesse de militantes de outras regiões, entre em contato e daremos o encaminhamento necessário. Pedimos aos interessados que entrem em contato pelo e-mail fagsorg@riseup.net.

A FORMAÇÃO POLÍTICA DA CORRENTE LIBERTÁRIA (UMA LEITURA DO ANARQUISMO)
“Nós, os socialistas-anarquistas, existimos como partido separado,
como programa substancialmente constante, desde 1868,
quando Bakunin fundou a Aliança; e fomos nós os
fundadores e a alma do rumo antiautoritário da
‘Associação Internacional dos Trabalhadores’”
Errico Malatesta

Nesse tema, buscaram-se respostas às questões: O que é o anarquismo? Quando ele surgiu? Quais são suas principais correntes estratégicas-táticas?.

Contrapôs-se a definição do anarquismo como um fenômeno ahistórico, que o inscreve no campo das práticas e discursos de uma ética humanista e libertária, independente das condições sociais e históricas. Afirmou-se, distintamente, que foi na segunda metade do século XIX, quando o capitalismo industrial se desenvolvia na Europa e as primeiras grandes lutas da classe operária tinham lugar, que a ideologia anarquista nasceu e ganhou expressão em práticas políticas de oposição ao socialismo legalista, estatista ou reformista. O anarquismo é a corrente libertária do socialismo, forjada historicamente na luta de classes como crítica, proposta e ação revolucionária.

O anarquismo ganhou variantes estratégicas na sua dinâmica, agregou elementos de discurso para pensar novas circunstâncias histórico-concretas e incorporou/desenvolveu modos específicos de organizar e expressar o socialismo e a liberdade nos conflitos sociais segundo seu tempo e lugar. É a referência histórica de um tronco de princípios e fundamentos que marcam a continuidade dessa tradição revolucionária na luta contra o capitalismo e os modelos de dominação.

O desenvolvimento de suas principais correntes estratégicas-táticas se deu por algumas escolas, organizações e por alguns autores do campo popular e socialista: o mutualismo operário e o socialismo de P.-J. Proudhon; Bakunin, a Aliança da Democracia Socialista e sua atuação na Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT ou Primeira Internacional); o comunismo anarquista de Kropotkin e Malatesta; a propaganda pelo fato e o “individualismo tático” (não confundir com o individualismo de matriz individualista como o de Godwin, Stirner etc.); o sindicalismo revolucionário e o anarco-sindicalismo.

HISTÓRIA SOCIAL DE PROCESSOS REVOLUCIONÁRIOS COM PARTICIPAÇÃO ANARQUISTA

Os anarquistas têm protagonismo numa rica história social em que a guerra social, a revolução e o projeto constituíram lutas libertárias contra a ordem burguesa. A formação teve por objetivo a discussão, com alguma profundidade sobre alguns desses episódios da história social: Primeira Internacional, Comuna de Paris, o sindicalismo revolucionário no Brasil, Revolução Mexicana, Revolução Russa e Revolução Espanhola.

O espírito que permeou a discussão era o seguinte: buscar compreender os principais fatos do episódio revolucionário, avaliando quais foram seus aspectos positivos e negativos. Em suma, buscar aprender com esses processos e tirar deles lições que poderiam fortalecer as posições anarquistas em todos os sentidos e evitar que se cometam erros similares aos que foram cometidos no passado. Pontua-se abaixo alguns aspectos desses processos.

Primeira Internacional
A Associação Internacional dos Trabalhadores é a organização histórica do movimento operário revolucionário fundada em 1864 por inspiração do mutualismo proudhoniano e dos sindicalistas ingleses. A experiência dos internacionais dura até 1872, quando Bakunin, J. Guillaume, companheiros da ala federalista, são expulsos por um congresso fraudulento formado por uma maioria de aliados de Marx. As posições da ala federalista na Primeira Internacional lança as bases do que viria a se chamar sindicalismo revolucionário: solidariedade operária, independência de classe, táticas de ação direta.

Comuna de Paris
Uma insurreição popular toma conta da cidade de Paris, com apoio da Guarda Nacional e expulsa as autoridades. A Comuna de Paris é criada em 18 de março de 1871. A Comuna era constituída pelo comitê central de uma federação de delegados de bairro, com mandatos revogáveis e remuneração igual a dos operários. Louise Michel foi uma ativa militante da Comuna, junto de outros, tornando-se anarquista durante o processo de luta.

Sindicalismo revolucionário e luta libertária no Brasil
No Brasil, a atuação anarquista vai se dar, sobretudo, no impulso e na organização dos primeiros sindicatos de resistência e em grupos para a propaganda e a articulação na luta operária. Com o anarquismo, o movimento operário ganha definição classista, táticas de greve, sabotagem, forma uma cultura de resistência com imprensa, escolas, teatro. É realizado o Primeiro Congresso Operário Brasileiro, em 1906, de orientação sindicalista revolucionária, que funda a Confederação Operária Brasileira (COB). Lutas contra a carestia de vida, greves por redução de jornada, baixos salários, direitos sociais são heranças dessa época.

Magonistas e zapatistas na Revolução Mexicana
Em confronto com a ditadura do governo oligárquico de Porfírio Diaz, o latifúndio e os capitalistas estrangeiros, é desatada a revolução em 20 de novembro de 1910, tendo como precursora as agitações do Partido Liberal Mexicano (PLM). As forças liberais burguesas ocuparam a cena dos acontecimentos para chegar ao poder por uma revolução política. Uma disputa violenta entre coalizões e partidos se sucedeu até 1920. Os anarquistas do PLM e Ricardo F. Magón lançaram sua guerrilha do norte por uma revolução social. O exército camponês de Emiliano Zapata lutou por uma reforma agrária radical e fez do Estado de Morelos ao sul uma zona de municipalismo autônomo zapatista.

Revolução Russa e o poder dos sovietes
Pelo fim da guerra, contra a fome e a miséria que dilacerava o povo se levantou a luta revolucionária contra o Império dos czares russo. Em outubro de 1917 a revolução socialista colocou as fábricas na mão dos operários, deu a terra aos camponeses e liquidou os restos do sistema feudal. Socialistas e anarquistas faziam frente única até a que o partido comunista monopoliza o poder estatal e a sua burocracia usurpa o poder dos sovietes. O exército makhnovista da Ucrânia e os marinheiros de Kronstadt defendem até a morte os sovietes como órgãos de poder popular revolucionário.

Guerra e Revolução Espanhola
Quando as tropas reacionárias do general Franco se sublevam em 18 de julho de 1936 colidem imediata-mente com a radicalização do proletariado. Se abre uma guerra em toda a Espanha que para os anarquistas será a vez de aplicar seus planos de revolução social. O anarquismo mobilizava a maior força social de todo o país. Tinha na Confederación Nacional del Trabajo (CNT) cerca de 2 milhões de trabalhadores organizados pelo anarco-sindicalismo. A revolução espanhola fez coletivizações agrícolas no campo e socialização de cadeias produtivas na indústria e serviços públicos.

TEORIA DA ORGANIZAÇÃO POLÍTICA ANARQUISTA
“Possuir a capacidade política é ter consciência de si
como membro de uma coletividade,
afirmar a idéia que daí resulta e perseguir sua realização.”
P.-J. Proudhon

“O anarquismo é o viajante que toma as ruas da história
e luta com os homens tais como são e constrói
com as pedras que lhe proporciona sua época.”
Camillo Berneri

A tema da teoria da organização política foi tratado a partir de cinco eixos principais: prática política, organização específica, estratégia e tática, ação de massas e luta avançada. Serão pontuados alguns aspectos em relação aos eixos.

Prática política
A teoria aponta para a elaboração de conceitos e de um método para pensar e conhecer rigorosamente a realidade social e histórica. A análise profunda e rigorosa de uma situação concreta será um trabalho teórico o mais científico possível. A ideologia é composta de elementos de natureza não científica, que contribuem para dinamizar a ação. A expressão de motivações, a proposta de objetivos, de aspirações, de metas ideais, isso pertence ao campo da ideologia. Uma prática política eficaz exige o conhecimento da realidade (teoria), a postulação harmônica com ela de valores objetivos de transformação (ideologia) e meios políticos concretos para conquistá-la (prática política).

Organização específica anarquista
Para distinguir seu programa e não diluir sua bandeira na massa das forças sociais os anarquistas formam uma organização específica para a prática política. Por suas finalidades revolucionárias, a organização só reúne uma minoria ativa para poder atuar na luta pública e fora dela. A organização é uma federação de militantes com unidade ideológica e estratégico-tática, com democracia interna e uma disciplina consciente para suas realizações. O anarquismo organizado não substitui nem representa as organizações sindicais e populares. Dentro dessa concepção, não é um partido para tomar o poder, mas para ajudar a desenvolver capacidade política nas massas para construir poder popular.

Estratégia e tática
A atividade de uma organização política supõe uma previsão do devir possível dos acontecimentos durante um lapso mais ou menos prolongado, previsão que inclui a linha de ação a adotar pela organização frente a esses acontecimentos de maneira a influir sobre eles no sentido mais eficaz e adequado. Uma linha estratégica é, habitualmente, válida enquanto perdura a situação geral a qual corresponde. As opções táticas, na medida em que respondem a problemas mais precisos, concretos e imediatos, podem ser mais variadas, mais flexíveis. Sem dúvida não podem estar em contradição com a estratégia.

Ação de massas
A organização das forças populares, dos movimentos e organizações das classes oprimidas é parte fundamental da estratégia anarquista. Estar organizado socialmente e inserido nas lutas é um critério para atuar como força política. A classe trabalhadora e os movimentos sociais devem se organizar com independência de governos, partidos e patrões. A luta de massas é um espaço para fazer unidade em defesa dos interesses de classe. O anarquismo deve atuar como fermento moral e intelectual, levando seus métodos de luta e organização como um anticorpo de luta permanente contra a burocracia, o centralismo autoritário e a colaboracionismo. O lugar das ideologias na frente social não é o de protagonismo imediato, de partidarização, mas circulação de idéias, métodos e valores a partir das situações concretas que formam as experiências da luta.

Luta avançada
O problema da violência, como categoria da política, é fundamental num processo revolucionário que procure abater as estruturas de poder do capitalismo. A luta avançada é uma parte decisiva da prática política de uma organização revolucionária que atua também, com uma estratégia articulada e global, no nível das lutas populares. A luta revolucionária por objetivos socialistas deve contar com o protagonismo de um setor importante das massas e por isso não dispensa o trabalho político e ideológico no interior dos seus movimentos. A organização de uma força militante como elemento de choque e recurso técnico prévio da radicalização das lutas contra o poder burguês é uma exigência para uma estratégia vitoriosa de revolução social.

MARCO TEÓRICO E CATEGORIAS DE ANÁLISE (MÉTODO DE ANÁLISE)

Para o trabalho de análise, com a utilização de um método determinado, houve a necessidade de distinguir, como colocado, as categorias de ideologia e estratégia. A formação pontuou: O socialismo é uma aspiração, uma esperança dos povos e das classes oprimidas (ideologia). Mas precisa ter sua elaboração teórica, vinculada ao terreno do saber, dos estudos e da análise social rigorosa (teoria). Isso implica, portanto, ter claro quais são os elementos mais fixos que constituem a ideologia, e quais são os elementos teóricos, que funcionarão como uma caixa de ferramentas e que terão por objetivo proporcionar elementos para que se possa conhecer; nesse sentido, as ferramentas teóricas não têm, necessariamente, de ser anarquistas, ainda que se deva ter em conta a relação entre ideologia e teoria, ferramentas que devem proporcionar elementos para uma compreensão adequada do sistema, das formações sociais, da conjuntura. Nesse sentido, a teoria busca conhecer e a ideologia transformar.

Capitalismo como sistema de dominação
O capitalismo é um sistema. Sistema é um conceito para discernir o “núcleo duro”, a configuração dos elementos constitutivos que fundam e dão sentido a uma totalidade social. O capitalismo constitui um sistema de dominação que tem por constituição fundamental alguns elementos: Propriedade privada; exploração; disciplinamento dos corpos; a modalidade de representação, administração e justiça; um sistema coercitivo e repressivo; a existência de classes sociais; exclusão social. Esse sistema de dominação está formado por uma estrutura global formada por distintas esferas, entre elas: estrutura econômica; estrutura política-jurídica-militar; estrutura ideológica-cultural (idéias, representações, comportamentos, modo de informação, tecnologias de poder a ela unidas). Estrutura é o conjunto de elementos de uma organização social e suas relações, presentes no sistema de dominação. O capitalismo, concebido globalmente como sistema de dominação, possui agentes que impulsionam essa dominação em todas as esferas. Por exemplo: Política: organizações internacionais (FMI, Banco Mundial, OMC, União Européia, OTAN, etc); Economia: empresas transnacionais, bancos; Ideológico: conglomerados de mídia.

Interdependência das esferas
O método apresentado na formação baseia-se na interdependência das esferas e, portanto, entende o sistema como um todo no qual uma esfera influencia, sustenta e torna as outras dependentes. O sistema de dominação (capitalismo) é constituído por uma estrutura global formada por distintas esferas, estrutura esta que não têm determinação outra a não ser a interdependência. As distintas esferas da estrutura tem autonomia relativa, com elementos específicos que constituem no seu interior outras esferas menores. A dominância de uma estrutura sobre a outra não se estabelece a priori, é produto das análises respectivas. O sistema de dominação é dinâmico e atravessa várias etapas históricas mantendo elementos estruturais que o reproduzem de distintas maneiras.

Poder, dominação, resistência e as distintas esferas da sociedade
A estruturação da sociedade está baseada em última análise nas relações de poder e dominação, relações fundamentais que atravessam todas as esferas e configuram modos de articulação da estrutura global com seu característico núcleo duro. O poder circula por todo o corpo social, pelas diferentes esferas estruturadas. Vale dizer por todas as relações sociais. O poder está nas relações sociais, nos diferentes campos das relações sociais e o aparelho de Estado estaria contendo com toda sua dimensão, circulando pelo seu interior,certa síntese de poder dominante. Sendo assim, o poder não reside nas estruturas nem nas instituições, mas no campo das relações sociais. E não somente no político, mas também no econômico, ideológico, jurídico e todas as instituições do sistema. Teríamos assim poder no econômico, jurídico-político-militar, ideológico-cultural. Nesse sentido, há resistências nas distintas esferas que podem ser maiores ou menores, mais ou menos ameaçadoras ao sistema de dominação.

Poder e Estado
As instituições, os aparelhos, as estruturas não são amorfas, estão sempre penetradas pelo poder. Articulada a estrutura de produção, por exemplo, está o poder, as classes e as lutas. O aparelho de Estado contém certa síntese de poder dominante que circula no seu interior. Não se pode definir o Estado como o conjunto da sociedade e nem equiparar Estado e poder. O Estado é o lugar de “condensação” de diversos poderes, um lugar específico que tem sua própria “autonomia relativa” e que é capaz de manter e reproduzir privilégios de diferentes ordens. Sua dinâmica é centralizadora, apta só para dominação, sua função é repressora e controladora. Os conceitos básicos para o Estado o definem como monopólio da força repressiva organizada, da “justiça”, estrutura de privilégios, centralizadora, anuladora do que não controla.

Formações sociais e conjuntura
As formações sociais concretas são o campo da análise descritiva de sociedades históricas onde o sistema de dominação tem determinação em estado prático. O grupo de acontecimentos que marcam um momento específico das formações sociais e suas estruturas fundamentais formam a conjuntura.

Ideologia e sujeito
Determinados momentos históricos produzem com peso um conjunto articulado de idéias, representações, noções no interior do imaginário dos distintos sujeitos sociais. Um conjunto articulado de caráter imaginário, que toma a forma de “certezas” defendidas pelos mesmos sujeitos sociais. Isto é o que pode transformar estes sujeitos em protagonistas de sua própria história ou em sujeitos passivos e/ou disciplinados pelas forças dominantes. Isto é o que chamamos de ideologia (não confundir a ideologia da sociedade que se fala aqui com a ideologia anarquista, tratada anteriormente). Ideologia não é falsa consciência. O sujeito real não está representado na figura do “eu”, na consciência, mas é constituído na estrutura do inconsciente, isto é, nas formações ideológicas em que ele se reconhece. O que o sujeito vive e como vive cotidianamente, historicamente, no marco de determinados dispositivos, seria o elemento principal de mudança de sua consciência. É construindo força social e tomando ativa participação nela que se podem formar embriões da nova civilização ou do “homem novo”, de outro sujeito. Digamos que este é o tema de como se transforma a consciência, para usar a linguagem clássica. Pelo que tem se visto a economia por si não transforma a consciência. O que o sujeito vive e como vive cotidianamente, historicamente, no marco de determinados dispositivos, seria o elemento principal de mudança de sua consciência. O que está no centro da história não é o homem, mas as lutas de poder e economia. Os fazedores de história seriam especialmente classes (grandes coletivos) operando como forças sociais.

VIA ESTRATÉGICA E PODER POPULAR
“O socialismo sem liberdade é a escravidão e a brutalidade;
a liberdade sem socialismo é a injustiça e o privilégio.”
Mikhail Bakunin

O anarquismo postula no processo de lutas uma ruptura revolucionária com a ordem porque é condição para fazer um caminho de construção final de uma sociedade socialista e libertária. O processo revolucionário, na mesma medida que desarticula as estruturas de dominação, abre caminhos para a construção do poder popular, concebido como o poder revolucionário protagonizado pelas organizações populares. Onde o político e o social adquirem uma nova articulação que o assegure. A viabilidade desta concepção do poder popular está vinculada com uma definição determinada da ruptura revolucionária. Dela dependem tanto o curso que possa seguir o processo revolucionário como as características concretas do confronto com as forças repressivas do Estado. Vamos conceber a ruptura nos termos de uma insurreição popular. Essa opção implica uma maior, mais ampla e mais decisiva participação das organizações populares. A construção do poder popular requer a preparação das organizações populares destinadas ao seu exercício. Não se trata de dar o nome de “poder popular” as velhas e conhecidas formas de ação política e representação que excluem o povo de toda instância de decisão fundamental. Criar ou recriar, fortalecer e consolidar as organizações operárias e populares e defender seu protagonismo é ir fecundando, passo a passo, um socialismo com liberdade. Importa muito como se orienta e concretiza o trabalho político e social permanentemente. É próprio da estrutura política especial do Estado a separação entre sociedade e poder, povo e política, sua reprodução institucional e pelo discurso de uma autoridade superior atribuída de impessoalidade que regula a vida social. Uma estratégia de poder popular deve levar em conta a necessidade uma nova estruturação político-social que descanse no protagonismo das organizações populares e articule o poder em torno da participação das bases nas decisões fundamentais do processo político da sociedade. A revolução que queremos é uma revolução socialista e libertária, portanto delimita desde o princípio amigos e inimigos. Uma revolução anticapitalista e antiautoritária aponta inconfundivelmente ao desaparecimento das relações de dominação e, assim, contra a sobrevivência de todas as classes e camadas dominantes. É uma revolução que pretende o desaparecimento da burguesia como classe, o desaparecimento de latifundiários e capitalistas, castas militares e hierarquias estatais. A revolução socialista e libertária só pode encontrar combatentes nas classes oprimidas. A frente de classes oprimidas a que nos referimos se constitui como uma rede de relações permanente, ligada programaticamente, da multiplicidade de organizações de base capazes de expressar na luta os interesses imediatos destes setores sociais e de desenvolvê-los e aprofundá-los no sentido de metas e orientações do tipo transformador e socialista.

A CONSTRUÇÃO DO ANARQUISMO DE BASE ESPECIFISTA NO BRASIL

A formação realizada em Curitiba, conforme avaliação do FAO, foi uma experiência muito relevante. Realizada pela FAG anteriormente para seu conjunto de militantes, pôde ser aperfeiçoada e estendida a um coletivo mais amplo. Essa atividade de formação evidenciou a necessidade de construção de um material próprio de formação, capaz de potencializar aquilo que se convencionou chamar de anarquismo especifista no Brasil.

O momento parece bastante propício. O FAO constitui um espaço de debate e articulação entre organizações, grupos e indivíduos anarquistas que trabalham ou têm a intenção de trabalhar utilizando como base os princípios e a estratégia do anarquismo especifista. O objetivo maior do FAO é criar as condições para a construção de uma verdadeira organização anarquista no Brasil, de caráter especifista. Tarefa que sabemos não ser de curto prazo, mas que precisa ser iniciada desde já. Fazem parte do FAO hoje, cinco organizações pelo Brasil: Federação Anarquista Gaúcha (FAG), do Rio Grande do Sul; Coletivo Anarquista Zumbi dos Palmares (CAZP), de Alagoas; Rusga Libertária, do Mato Grosso; Federação Anarquista do Rio de Janeiro (FARJ), do Rio de Janeiro e a Organização Anarquista Socialismo Libertário (OASL), de São Paulo. Encontram-se em processo de aproximação organizações e grupos dos seguintes estados: Santa Catarina, Paraná, Ceará, Pernambuco, além de individualidades em outros estados. Portanto, esse momento tão importante para o anarquismo especifista que avança lutando e organizando, forjando as bases para uma unidade que permita constituir uma organização nacional.

Temos abertamente a intenção de fortalecer os estados em que estamos presentes e de conseguir aproximar a militância de outros estados, afim de fortalecer esse processo organizativo. Se você se interessa pelas nossas propostas, não deixe de entrar em contato!

Não tá morto quem peleia!
Arriba los que luchan!

Militância envolvida no Primeiro Curso de Formação Política da Região Sul
Fórum do Anarquismo Organizado – Brasil

http://www.vermelhoenegro.org

Declaração de Princípios e Intenções (FAO)
http://www.anarkismo.net/article/17346

Julho de 2011

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É Publicada a Carta de Apresentação do Coletivo Anarquista Luta de Classe!

 

CARTA DE APRESENTAÇÃO DO COLETIVO ANARQUISTA LUTA DE CLASSE

“Como nosso Partido não é composto de politicastros nem de caçadores de cargos, senão proletários que não têm outra ambição além de se verem livres da escravidão do salário, agora que a oportunidade se apresenta, vai direto a seu objetivo: a emancipação econômica da classe trabalhadora por meio da expropriação da terra e da maquinaria.”[1]

(Ricardo Flores Magón 1874 – 1922)

 Saúde companheir@s! Essa é a Carta de Apresentação do Coletivo Anarquista Luta de Classe – CALC – formado a partir do ano de 2008. Ela fala dos nossos objetivos, princípios, atividades, com referência no Anarquismo Social e Organizado. Desde 2008 iniciamos um trabalho de propaganda e revenda de livros, distribuindo jornais e periódicos, apoiando as editoras libertárias e a Cooperativa de Distribuição Faísca, procurando levar “nossa banca” para atividades dos movimentos sociais, como assembléias, plenárias ou seminários, além dos espaços da Universidade Pública, onde nos encontramos trabalhando uma semana por mês, sempre no decorrer do período letivo. Compreendendo a importância da teoria e da prática anarquista, tanto para as ciências engajadas, quanto para a luta de emancipação dos explorados, escolhemos revender os títulos e obras que, traduzidos e editados por outros companheiros e organizações, estão disponíveis para venda. Além da propaganda, temos como objetivos a geração de renda, o apoio aos movimentos sociais, a formação de um grupo estudos e a constituição de uma organização anarquista local.

Nosso grupo defende:

[…] o anarquismo como uma ideologia que fornece orientação para a ação no sentido de substituir o capitalismo, o Estado e suas instituições, pelo socialismo libertário – sistema baseado na autogestão e no federalismo –, sem quaisquer pretensões científicas ou proféticas. Como outras ideologias, o anarquismo possui história e contexto específicos. Ele não nasce de intelectuais ou pensadores descolados da prática, que buscavam apenas a reflexão abstrata. O anarquismo tem sua história desenvolvida no seio das grandes lutas de classe do século XIX, quando é teorizado por Proudhon, e toma corpo em meio à Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), com a atuação de Bakunin, Guillaume, Reclus e outros que defendiam o socialismo revolucionário, em oposição ao socialismo reformista, legalista ou estatista. Esta tendência da AIT foi futuramente conhecida por “federalista” ou “antiautoritária” e teve sua continuidade na militância de Kropotkin, Malatesta e outros.”[2].

Por isso buscamos um retorno organizado às lutas sociais, esperando que outros companheiros e companheiras da cidade de Curitiba e do Paraná venham se juntar a nós. Assim, acreditamos que será possível retomarmos o caráter social e classista que o anarquismo sempre portou, pois se continuarmos desorganizados ideologicamente não constituiremos uma força política capaz de intervir na dinâmica das lutas sociais, o que só interessa aos nossos adversários e inimigos de classe.

O Anarquismo Social não é uma proposta abstrata, e sim um projeto político que parte de uma realidade concreta, que é a luta de classes. Para tanto, trabalha com princípios do Socialismo Libertário que estão presentes na nossa tradição, e que, se constituem enquanto guias para uma prática política coerente com nossos objetivos finalistas, animando internamente as federações e grupos ácratas. São eles: a Liberdade e a Ética, o Classismo e o Internacionalismo, a Ação Direta e a Democracia Direta, a Ecologia e o Apoio Mútuo, o Federalismo e a Autogestão, a Prática Política e a Inserção Social.

Atuando como grupo orgânico identificado com o Anarquismo Social, o CALC defende a necessidade da organização anarquista enquanto ferramenta de emancipação dos explorados. Entendemos que a organização anarquista específica: “[…} não substitui a organização das classes exploradas, mas proporciona aos anarquistas a chance de se colocar a serviço delas”[3]. Para potencializar nossa prática política devemos consolidar uma unidade teórica e tática, trabalhos sociais junto aos explorados, além de formar militantes com responsabilidade, compromisso e auto-disciplina. Porque entendemos como fundamental a organização e a responsabilidade por parte do grupo e de seus militantes, o que não se confunde com hierarquia e autoritarismo. Ao contrário, o grupo orgânico é: […] o agrupamento de indivíduos anarquistas que, por meio de suas próprias vontades e do livre acordo, trabalham juntos com objetivos bem determinados. […] Esta organização é fundamentada em acordos fraternais, tanto para seu funcionamento interno, quanto para sua atuação externa, não havendo em seu seio relações de dominação, exploração ou mesmo alienação, o que a constitui uma organização libertária.”[4].

Queremos somar aos esforços que tenham como horizonte político um projeto classista e socialista libertário, entrando em acordo e trabalhando junto às demais organizações políticas anarquistas, assim também como os movimentos sociais combativos e autônomos. Só dessa forma poderemos mudar a atual relação de forças, ombro a ombro, lado a lado, construindo a organização popular, sem sectarismo, com identidade ideológica, mas sem se colocar a frente das classes exploradas nas lutas sociais que elas devem protagonizar. Como já havia dito Malatesta, nós anarquistas: “[…] não podemos emancipar o povo, queremos que o povo se emancipe. Não acreditamos no bem que vem do alto e se impõe pela força; queremos que o novo modo de vida social surja das vísceras do povo […].”[5]. E com esse entendimento que reivindicamos o Anarquismo Social e Organizado, definindo assim nosso campo de militância.


[1] Retirado do livro publicado pela Editora Imaginário, com alguns escritos de Ricardo Flores Magón.

[2] Retirado do livro “Anarquismo Social e Organização” – página 18. O livro é de autoria da Federação Anarquista do Rio de Janeiro, tendo sido publicado pela Editora Faísca no ano de 2009.

[3] Idem – páginas 131 e 132.

[4] Idem – página 128.

[5] Idem – página 194.